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Crises econômicas afetam o comportamento de risco?
Momentos de crise são, quase sempre, seguidos por mudanças de diversas ordens . Mudam vários segmentos do mercado, a economia , o comportamento das pessoas … Neste post discutiremos como um aspecto específico do comportamento financeiro é afetado por crises: a exposição ao risco. Schildberg-Hörisch (2018) propõe que pensemos exposição ao risco como um traço de personalidade, compreendendo esse conceito como padrões de comportamento, pensamento e emoção relativamente estáveis no decorrer do tempo e que variam de um indivíduo para o outro. Mas oscilações no autocontrole e vivenciar situações de estresse , assi m como podem alterar esses padrões, também podem levar a uma oscilação na aversão ao risco.
O gráfico abaixo é uma representação de como a exposição ao risco se desenvolve no decorrer da vida de uma pessoa, de acordo com a propost a de Schildberg-Hörisch (2018). Há uma tendência da exposição ao risco diminuir com a idade, mas ocorrem oscilações no decorrer da vida que giram ao redor de um valor médio.
Fonte: Schildberg-Hörisch, Hannah. Are risk preferences stable? Jornal of Economic Perspectives, 32(2), 135-154, 2018. Tradução livre. De modo simplificado, “choques exógenos” no presente contexto são alterações bruscas no cenário econômico. Crises econômicas e catástrofes naturais são exemplos de choques exógenos considerados pela autora.
Essa proposta vai ao encontro do que afirma a maioria dos estudos sobre o tema : pessoas mais velhas tendem a ser mais avessas ao risco que pessoas mais novas. Schildberg-Hörisch (2018) argumenta que uma maior tolerância ao risco na infância e adolescência está atrel ada à pouca maturação de habilidades cognitivas e não cognitivas relacionadas ao comportamento de risco, como paciência, autocontrole e perseverança. Mas não são apenas variáveis intrínsecas às pessoas que condicionam o comportamento de risco. Este comportamento também é impactado por acontecimentos externos. Em estudo sobre quais eventos atuam na diminuição da exposição ao risco de pessoas mais velhas, Banks, Bassoli e Mammi (2018) destacam o próprio envelhecimento, o falecimento do cônjuge e a percepção d e uma piora no estado de saúde.
O gráfico também simula como a exposição ao risco atua com a possível ocorrência de crises econômicas . Na proposição da autora, após atravessar crises, as pessoas retrairiam sua exposição ao risco . Podemos desenvolver uma hipótese para isso .
Uma forma de interpretar a exposição ao risco é compreend ê -la a partir do quanto se confia em um cenário positivo no futuro . Tomemos como exemplo o investimento em ações. Investe-se em empresas nas quais se confia no crescimento econômico , e por isso, darão retornos do dinheiro investido futuramente . No entanto, não é possível ter certeza absoluta de como será o desempenho. Arriscar-se, portanto, está relacionado a uma previsibilidade do futuro , apostando que o cenário será vantajoso . Muitas vezes, arrisca-se com base em indicadores disponíveis no ambiente que possam antecipar o prognóstico daquela empresa, ou situação em geral. Em momentos de crise, m udanças rápidas e constantes nas variáveis macroeconômicas dificultam antecipações. As pistas que antes poderiam ser usadas para conjecturar sobre o futuro não estão disponíveis da mesma forma.
Dohmen , Lehman e Pignatti (2016) realizaram um estudo para compreender o impacto da crise econômica de 2008 na atitude perante ao risco de moradores da Alemanha e Ucrânia. Para comparar a oscilação do comportamento de risco, utilizaram os dados de um painel socioeconômico mantido pelos dois países, que é aplicado anualmente na Alemanha e bienalmente na Ucrânia. S elecionaram os dados d e 2006 e 2011 n a Alemanha, e 2007 e 2012 na Ucrânia. A escolha dos períodos se deu porque, nesses anos, p erguntas mais detalhad as sobre risco foram feitas nos questionários de cada país. P or isso os pesquisadores não puderam comparar os dados dos dois países exatamente no mesmo período. Ainda assim, os pesquisadores selecionaram períodos que incluíssem a crise econômica de 2008.
Os autores fizeram análises estatísticas incluindo diversas variáveis
divididas em temas. Iremos destacar aqui apenas os achados mais pertinentes a nossa temática. As variáveis consideradas
por eles para compreender o que interferiu nas mudanças da disposição ao risco dos participantes da pesquisa
estão sistematizadas na tabela abaixo:
Mudanças nas condições econômicas do país | Taxa de desemprego no país |
Crescimento do PIB | |
Eventos relevantes da vida | Auto avaliação do estado de saúde |
Estado civil | |
Filhos dependentes morando na mesma casa | |
Mudanças econômicas individuais | Renda familiar |
Patrimônio familiar | |
Situação no emprego
Aqui, consideraram os seguintes cenários de transição: 1. Afastado do mercado > Empregado 2. Desempregado > Empregado 3. Empregado > Afastado do mercado 4. Empregado > desempregado 5. Permanecer desempregado 6. Permanecer afastado do mercado |
Os autores observam uma queda na disposição ao risco no período analisado.
Eles u tilizaram u m modelo de regressão estatística para estima r quais variáveis tem uma correlação mais forte com o comportamento de risco dos participantes da pesquisa . Notaram que mudanças na situação econômica individual dos participantes não tem uma correlação forte com o comportamento de risco. Nem na Alemanha nem na Ucrânia mudanças na renda familiar impactam no comportamento de risco. Mudanças no patrimônio familiar não tem correlação com o risco na Alemanha, mas tem na Ucrânia: aumento no patrimônio familiar traz uma tendência dos ucranianos se arriscarem mais. Mudanças na situação do emprego , de modo geral, tem pouco impacto n o comportamento de risco . Dentre os cenários analisados, o único que os pesquisadores notam correlação com o risco é o de pessoas que ficaram desempregadas. Estas tendem a ter maior exposição ao risco. Os autores atribuem isso a necessidade de se arriscar para retornar ao mercado de trabalho.
Um resulta do relevante da pesquisa é que, neutralizando o impacto de todas as variáveis no comportamento de risco, ainda assim observa-se uma queda estatisticamente significativa na exposição ao risco dos participantes da pesquisa no período analisado . A hipótese deles para isso é que os participantes podem ter percebido uma piora nas condições macroeconômicas do mundo em decorrência da crise , o que gera um cenário de incertezas . O menor resultado observado de exposiç ão ao risco foi na Alemanha, no ano de 2009, próximo ao período mais agudo da crise econômica , resultado que foi atenuado nos anos posteriores .
Esse estudo tem duas limitações metodológicas: A série temporal curta , que muitas vezes não é precisa para acompanhar mudanças temporais; e a utilização de um questionário de auto relato, que não necessariamente reflet e o comportamento concret o da pessoa. Ainda assim, essa pesquisa, como as outras aqui citadas, levanta fios para reflexões importantes. Podemos analisar como nosso comportamento está ligado a variáveis ambientais, e que estratégias criamos para nos proteger em contextos de incerteza. Arriscar-se menos pode ser uma dessas estratégias.
E você, leitor? Sente que em momentos de incerteza torna-se mais ou menos disposto a correr riscos?
Referências
Banks, James; Bassoli , Elena; Mammi , Irene. Changing atitudes to risk at olfer ages: the role of health and other life events . Journal of Economic Psychology , 2018.
Dohmen , Thomas; Lehmann , Hartmut; Pignatti , Norberto. Time- varying individual risk atitudes over the Great Recession : a comparison of Germany and Ukraine . Journal of Comparative Economics , 44, 182-200, 2016.
Schildberg-Hörisch , Hannah. Are risk preferences stable ? Jornal of Economic Perspectives, 32(2), 135-154, 2018.