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Como o processo de decisão ocorre em nossos cérebros?
A neuroeconomia é uma área de estudos recente, que se originou da economia comportamental, na tentativa de entender melhor como ocorre o processo decisório. Partindo do pressuposto que a teoria utilitarista da economia (que diz que somos seres racionais e buscaremos sempre as decisões que otimizem nossos ganhos) não seria o suficiente para explicar nossas escolhas, buscou combinar conhecimentos da neurociência com a psicologia cognitiva para testar os modelos econômicos. Desta forma, busca continuamente responder perguntas sobre por que nos comportamos de determinada maneira e tomamos decisões que nem sempre são as melhores para nós e também como estabelecemos nossas preferências.
O que você preferiria? Ganhar 40 reais de uma vez ou participar de um jogo que te premia com um valor de acordo seu desempenho no “Cara ou coroa”? A cada vez que a moeda sair como “cara”, você ganha 2 reais e se cair em “coroa” você pode jogar de novo e continua assim por quanto tempo você quiser.
Apesar de o valor a ser obtido com esse jogo poder ser infinito, muitas pessoas preferem apenas ficar com os 40 reais.
Segundo Glimcher e Rustichini (2004), economistas explicariam esse comportamento dizendo que o desejo pelo dinheiro não aumenta linearmente, mas cresce mais vagarosamente à medida que montante total aumenta. Desta forma, jogar múltiplas vezes até superar o montante de R$40,00 poderia não ser tão satisfatório. Psicólogos explicariam esse processo a partir da aversão ao risco e a aversão à perda – portanto, o ganho imediato traria mais satisfação que uma possível perda de estímulo ao longo do jogo de cara ou coroa.
Preferências são subjetivas, têm sua representação no sistema nervoso, e guiam as ações – ou seja, envolvem áreas de interesse da psicologia, do sistema nervoso e da economia também.
Um experimento descrito por Glimcher e Rustichini (2004) apresentou uma sequência de três roletas premiadas: a primeira era chamada positiva (podia-se ganhar $10, $2,50 ou $0), a segunda era intermediária (possibilidade de ganhar $2,50, $0 ou perder $1,50), a terceira era a negativa (podia-se perder $6, $1,50 ou $0). Na primeira roleta, ganhar $0 é o pior cenário, enquanto na terceira, é o melhor. Esse experimento é um exemplo da neuroeconomia em ação. Ele buscou articular a teoria de economia comportamental com estudos neurais para descobrir qual parte do cérebro estaria relacionada com o viés do enquadramento, que já discutimos aqui (e que os pesquisadores descobriram ser a amígdala estendida, colocando-se mais próximos de compreender um aspecto relacionado à tomada de decisões).
As três disciplinas reconhecem que o processo de tomada de decisão envolve questões de desejos e vontades subjetivas, e a intercessão entre as três pode explicar o comportamento de escolhas além da visão utilitarista, que pode até prever algumas escolhas sob determinadas situações, mas não se aplica a todas. A disciplina de neuroeconomia é uma estratégia para testar os modelos existentes da psicologia econômica e criar novos.
Glimcher e Rustichini (2004), em seu estudo já citado, abordam uma pesquisa que estudou a atividade cerebral de pessoas durante o jogo do ultimato. O jogo consiste em dar uma soma de dinheiro para uma pessoa, que será dividido com uma segunda. Ela pode escolher quanto manter e quanto dar para essa segunda pessoa, porém, esta pode rejeitar a proposta e, se assim o fizer, as duas partes saem sem dinheiro. As ofertas negadas pelos segundos jogadores ativaram partes específicas do cérebro, que são associadas ao estímulo emocional de desgosto, que também pode estar correlacionado com rejeição, manutenção de objetivos e detecção de conflito cognitivo.
Outro jogo normalmente utilizado para testar estas teorias é o “Jogo da confiança” (tradução livre de Trust game). Neste jogo, um participante pode transferir uma quantidade qualquer de dinheiro que recebe para um fundo de investimento que triplica seu dinheiro. Mas é o segundo jogador quem controla o dinheiro e pode dividi-lo entre os dois da maneira que quiser. Seguindo a teoria de otimização de ganhos, o primeiro jogador não deveria transferir o dinheiro, para não ceder controle e dividi-lo com o segundo. Da mesma forma, o interesse do segundo jogador seria manter tudo para si. Mas em experimentos reais, demonstra-se que o primeiro jogador normalmente transfere uma quantidade significativa de dinheiro e o segundo também retorna uma parte desse investimento. A cooperação está associada com uma região do cérebro responsável por interpretar e monitorar o estado mental dos outros, mostrando que há também uma consideração do contexto social ao tomar decisões.
Por isso, novos estudos passam a levar em consideração também as preferências sociais ao estudar a tomada de decisões. Fehr e Camerer (2007) ressaltam que evidências experimentais indicaram que pessoas, muitas vezes, baseiam suas escolhas baseadas em preocupações com o bem-estar de outros ou com a crença de terceiros sobre seus comportamentos.
A neuroeconomia busca a fundação da atividade econômica e social nos circuitos neurais, utilizando-se, para isso, técnicas como ressonância magnética, estimulação magnética, intervenções farmacológicas, entre outras. A neuroeconomia social concilia os instrumentos de neurociência cognitiva social com tarefas da teoria econômica.
Se há um conflito entre as preferências sociais e o interesse próprio econômico, por exemplo, entra em ação o córtex pré-frontal, que é decisivo em resolução de conflitos. Após uma série de estudos através de jogos e testando a teoria econômica, a revisão de Fehr e Camerer reforçou a ideia que preferências sociais de doação de dinheiro, rejeição de ofertas injustas e confiança em outrem são realmente expressões autênticas de preferência.
O funcionamento cerebral é ainda um assunto complexo e, consequentemente o estudo dos comportamentos também. Ainda não é possível determinar de forma infalível o modo como se dão nossas atitudes e decisões, mas articulação das neurociências com a teoria econômica, a psicologia cognitiva e os estudos sociais têm ajudado a delimitar esses processos. Esse novo campo traz e promete trazer novas luzes à forma como encaramos o comportamento humano.
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Referências
Glimcher, P. W., Rustichini, A. Neuroeconomics: The Consilience of Brain and Decision. Science. Vol. 306, Issue 5695, pp. 447-452. Oct 2004.