História do Mercado de Capitais
A estrutura que permeia a emissão de ações por companhias e a negociação dessas ações em bolsas de valores é muito tradicional, no mundo todo, tendo origem no século XVI, na Holanda. No Brasil as primeiras bolsas de valores foram criadas em 1851 no Rio de Janeiro – RJ e em Salvador – BA.
No estado de São Paulo a primeira bolsa foi criada em 1890 quando Emílio Rangel Pestana cria uma Bolsa Livre para operar valores financeiros na cidade de São Paulo. A iniciativa frustra-se no ano seguinte por causa dos percalços do Encilhamento, resultando no fechamento da Bolsa. Só em 1895 a iniciativa paulista cria a Bolsa de Títulos de São Paulo, que reúne os corretores de títulos e de câmbio. Nessas bolsas eram negociados, basicamente, títulos de dívida emitidos por governos e empresas e ações emitidas por companhias. Apenas no início dos anos 2000 a Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo) se consolidou como a principal bolsa do país.
Antes da década de 60, os brasileiros investiam principalmente em ativos reais (imóveis), evitando aplicações em títulos públicos ou privados. A um ambiente econômico de inflação crescente – principalmente a partir do final da década de 1950 – se somava uma legislação que limitava em 12% ao ano a taxa máxima de juros, a chamada Lei da Usura, que também limitava o desenvolvimento de um mercado de capitais ativo.
Essa situação começa a se modificar quando o Governo que assumiu o poder em abril de 1964 iniciou um programa de grandes reformas na economia nacional, dentre as quais figurava a reestruturação do mercado financeiro quando diversas novas leis foram editadas.
Entre aquelas que tiveram maior importância para o mercado de capitais podemos citar a Lei nº 4.537/64, que instituiu a correção monetária, através da criação das ORTN, a Lei nº 4.595/64, denominada lei da reforma bancária, que reformulou todo o sistema nacional de intermediação financeira e criou o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central e, principalmente, a Lei nº 4.728, de 14.04.65, primeira Lei de Mercado de Capitais, que disciplinou esse mercado e estabeleceu medidas para seu desenvolvimento.
A introdução da legislação acima referida resultou em diversas modificações no mercado acionário, tais como: a reformulação da legislação sobre Bolsa de Valores, a transformação dos corretores de fundos públicos em Sociedades Corretoras, forçando a sua profissionalização, a criação dos Bancos de Investimento, a quem foi atribuída a principal tarefa de desenvolver a indústria de fundos de investimento.
Com a finalidade específica de regulamentar e fiscalizar o mercado de valores mobiliários, as Bolsas de Valores, os intermediários financeiros e as companhias de capital aberto, funções hoje exercidas pela CVM, foi criada uma diretoria no Banco Central – Diretoria de Mercado de Capitais.
Ao mesmo tempo, foram introduzidos alguns incentivos para a aplicação no mercado acionário, dentre as quais destaca-se os Fundos 157, criados pelo Decreto Lei nº 157, de 10.02.1967. Estes fundos eram uma opção dada aos contribuintes de utilizar parte do imposto devido, quando da Declaração do Imposto de Renda, em aquisição de quotas de fundos de ações de companhias abertas administrados por instituições financeiras de livre escolha do aplicador.
Com o grande volume de recursos circulando no mercado acionário, principalmente em decorrência dos incentivos fiscais criados pelo Governo Federal, houve um rápido crescimento da demanda por ações pelos investidores, sem que houvesse aumento simultâneo de novas emissões de ações pelas empresas. Isto desencadeou o “boom” da Bolsa do Rio de Janeiro quando, entre dezembro de 1970 e julho de 1971, houve uma forte onda especulativa e as cotações das ações não pararam de subir.
Após alcançar o seu ponto máximo em julho de 1971, iniciou-se um processo de realização de lucros pelos investidores mais esclarecidos e experientes que começaram a vender suas posições. O quadro foi agravado progressivamente quando novas emissões começaram a chegar às bolsas, aumentando a oferta de ações, em um momento em que muitos investidores, assustados com a rapidez e a magnitude do movimento de baixa, procuravam vender seus títulos.
O movimento especulativo, conhecido como “boom de 1971”, teve curta duração mas teve como consequência vários anos de mercado deprimido, pois algumas ofertas de ações de companhias extremamente frágeis e sem qualquer compromisso com seus acionistas, ocorridas no período, geraram grandes prejuízos e mancharam de forma surpreendentemente duradoura a reputação do mercado acionário.
Apesar do ocorrido, notou-se uma recuperação das cotações, a partir de 1975, devido a novos aportes de recursos (as reservas técnicas das seguradoras, os recursos do Fundo PIS/PASEP, adicionais do Fundo 157 e a criação das Sociedades de Investimento – Decreto-Lei nº 1401 – para captar recursos externos e aplicar no mercado de ações), além de maiores investimentos por parte dos Fundos de Pensão.
Ao longo do tempo, vários outros incentivos foram adotados para incentivar o crescimento do mercado, tais como: a isenção fiscal dos ganhos obtidos em bolsa de valores, a possibilidade de abatimento no imposto de renda de parte dos valores aplicados na subscrição pública de ações decorrentes de aumentos de capital e programas de financiamento a juros subsidiados efetuados pelo BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social aos subscritores de ações distribuídas publicamente.
Foi dentro desse contexto de estagnação e tentativa de recuperação do mercado acionário que, em 1976, foram introduzidas duas novas normas legais, que ainda se encontram em vigor: a Lei nº 6.404/76, nova Lei das Sociedades Anônimas que visava modernizar as regras que regiam as sociedades anônimas, até então reguladas por um antigo Decreto-Lei de 1940 e a Lei nº 6.385/76, segunda Lei do Mercado de Capitais que, entre outras inovações, criou a CVM e introduziu no mercado uma instituição governamental destinada exclusivamente a regulamentar e desenvolver o mercado de capitais, fiscalizar as Bolsas de Valores e as companhias abertas.
Não obstante estas inovações legais, o mercado de capitais não apresentou o crescimento esperado, ainda que em alguns momentos tenha havido um aumento na quantidade de companhias abrindo seu capital e um volume razoável de recursos captados pelas empresas por meio de ofertas públicas de ações tenha ocorrido durante a década de 1980.
O Decreto-Lei nº 1.401/76 representou uma experiência pioneira para atrair capitais externos para aplicação no mercado de capitais brasileiro. Já o processo de internacionalização do mercado foi representado com a edição da Resolução do CMN nº 1.289/87.
A partir de meados da década de 1990, com a aceleração do movimento de abertura da economia brasileira, aumenta o volume de investidores estrangeiros atuando no mercado de capitais brasileiro. Além disso, algumas empresas brasileiras começam a acessar o mercado externo através da listagem de suas ações em bolsas de valores estrangeiras, principalmente a New York Stock Exchange, sob a forma de ADR’-s – American Depositary Reciepts -, com o objetivo de se capitalizar através do lançamento de valores mobiliários no exterior.
Ao listar suas ações nas bolsas americanas, as companhias abertas brasileiras foram obrigadas a seguir diversas regras impostas pela SEC – Securities and Exchange Commission -, órgão regulador do mercado de capitais norte-americano, relacionadas a aspectos contábeis, de transparência e divulgação de informações, os chamados “princípios de governança corporativa”.
A partir de então, as empresas brasileiras começam a ter contato com acionistas mais exigentes e sofisticados, acostumados a investir em mercados com práticas de governança corporativa mais avançadas que as aplicadas no mercado brasileiro. Ao número crescente de investidores estrangeiros soma-se uma maior participação de investidores institucionais brasileiros de grande porte e mais conscientes de seus direitos.
Com o passar do tempo, o mercado de capitais brasileiro passou a perder espaço para outros mercados devido à falta de proteção a acionistas minoritários e a incertezas em relação às aplicações financeiras. A falta de transparência na gestão e a ausência de instrumentos adequados de supervisão das companhias influenciavam a percepção de risco e, consequentemente, aumentavam o custo de capital das empresas.
Algumas iniciativas institucionais e governamentais foram implementadas nos últimos anos com o objetivo de assegurar melhorias das práticas de governança corporativa das empresas brasileiras, das quais destacamos: a aprovação da Lei nº 10.303/01 e a criação do Novo Mercado e dos Níveis 1 e 2 de governança corporativa pela Bolsa de Valores de São Paulo – Bovespa.
I – Novo Mercado
No final dos anos 90 era evidente a crise de grandes proporções pela qual passava o mercado de ações no país. A título de exemplo, o número de companhias listadas na Bovespa tinha caído de 550 em 1996 para 440 em 2001. O volume negociado após atingir US$ 191 bilhões em 1997, recuara para US$ 101 bilhões em 2000 e US$ 65 bilhões em 2001. Além disso, muitas companhias fecharam o capital e poucas abriam.
Dentro deste contexto que a Bovespa cria o Novo Mercado como um segmento especial de listagem de ações de companhias que se comprometam voluntariamente a adotar as boas práticas de governança corporativa. Numa necessária adaptação à realidade do mercado de ações brasileiro, são criados dois estágios intermediários: Níveis I e II, que, juntos com o Novo Mercado, estabelecem compromissos crescentes de adoção de melhores práticas de governança corporativa.
A ideia que norteou a criação do Novo Mercado teve seu fundamento na constatação de que entre os diversos fatores que contribuem para a fragilidade do mercado de capitais brasileiro estava a falta de proteção aos acionistas minoritários. Dessa forma, a valorização e a liquidez das ações de um mercado são influenciadas positivamente pelo grau de segurança que os direitos concedidos aos acionistas oferecem e pela qualidade das informações prestadas pelas empresas.
A ausência de regras adequadas de defesa dos interesses dos acionistas minoritários acarreta a exigência por parte dos investidores de um deságio sobre o preço da ação, causando uma desvalorização no valor de mercado das companhias. Dessa forma, espera-se que as empresas cujas ações estejam listadas em algum dos segmentos diferenciados de governança corporativa, nas quais os riscos envolvidos são minimizados, apresentem prêmios de risco consideravelmente reduzidos, implicando valorização do patrimônio de todos os acionistas.
II – Reforma da Lei das Sociedades Anônimas
Alterações foram incluídas na Lei Societária em vigor desde 1976 (Lei nº 6.404/76), com o objetivo de aperfeiçoar e incrementar os direitos e a proteção dos acionistas minoritários e tornaram-se uma reivindicação generalizada dos diversos integrantes do mercado e tiveram como objetivo o fortalecimento do mercado de capitais e o estímulo à maior participação dos investidores.
Dentre as alterações realizadas, foram introduzidas diversas regras de governança corporativa oriundas de princípios como “disclousure” (transparência), tratamento equitativo, “compliance” e “accountability” (prestação de contas), aperfeiçoados após a edição da Lei nº 6.404/76 e a reintrodução de alguns outros que constavam desta última e foram casuisticamente retirados, como é o caso do instituto do “tag along” (direito de recesso), revogado pela Lei nº 9.457/97 com o único objetivo de facilitar o processo de privatização e maximizar o valor recebido pela União ao impedir a extensão aos minoritários dos grandes ágios pagos nos leilões.
A partir de 2003, houve um reaquecimento do mercado. Para se ter uma ideia da magnitude dessa retomada, basta observar o salto na quantidade de ofertas iniciais (IPOs) após 2003. Em todo o período de 1996 a 2003 foram feitas apenas quatro – menos de uma por ano –, ao passo que foram realizadas mais de 100 entre 2003 e 2011.
Com a evolução dos mercados foram surgindo novos títulos e valores mobiliários, muitas vezes frutos de inovações financeiras como os derivativos
e a securitização. Com isso novas bolsas e registradoras são criadas no Brasil, para organizar os novos mercados que surgiam. É o caso da CETIP – Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos Privados e da BM&F – Bolsa de Mercadorias e Futuros. A primeira foi criada em 1984 para organizar o crescente mercado de títulos de renda fixa no Brasil, especialmente os de emissão bancária. Já a BM&F foi uma bolsa criada em 1986 para ser o principal ambiente de negócios com contratos de mercadorias e derivativos. Ambas logo se tornaram referência por sua excelência e abarcaram a liderança nos mercados que atuavam.
Durante muitos anos CETIP, Bovespa e BM&F foram, respectivamente, os principais mercados de balcão organizado e bolsas de valores do país, cada uma com ampla atuação, mas notável destaque em segmentos específicos. A CETIP era o principal destino dos produtos de renda fixa, a Bovespa a principal bolsa de ações e a BM&F a principal bolsa de mercadorias e futuros.
A contínua profissionalização e crescimento dos mercados exigia que as três empresas buscassem as melhores práticas internacionais de qualidade e governança, o que as levou a um processo de desmutualização. No final da década de 2000 as três empresas se tornaram sociedades anônimas de capital aberto e suas ações passaram a ser negociadas na Bovespa. Como consequência da sinergia e complementaridade das três companhias, nos anos seguintes aconteceram duas fusões. BM&F e Bovespa se fundiram em 2008, dando origem à BM&FBOVESPA e, em 2017, BM&FBOVESPA e CETIP se fundiram para criar a B3 – Brasil, Bolsa e Balcão.
A B3 é uma das maiores bolsas do mundo. Sua principal função é proporcionar um ambiente transparente e líquido, adequado à realização de negócios com títulos e valores mobiliários. Somente através das corretoras, os investidores têm acesso aos sistemas de negociação para efetuarem suas transações de compra e venda desses valores.
Como principal instituição brasileira de intermediação para operações do mercado de capitais, a companhia desenvolve, implanta e provê sistemas para a negociação de ações, derivativos de ações, títulos de renda fixa, títulos públicos federais, derivativos financeiros, moedas à vista e commodities agropecuárias. É também a principal registradora dos gravames e contratos de financiamento de veículos.