Especialistas trazem novas perspectivas sobre a bioeconomia
Tema mobilizou discussões científicas e estratégicas da primeira edição do Seminário Novos Futuros, promovido pelo INT e CGEE
A bioeconomia se torna cada vez mais viável e necessária, seja pela substituição de fontes de energia e matérias-primas não renováveis, como pelo aproveitamento de resíduos da atividade agrícola e industrial. O tema ganha respaldo de especialistas e gestores que trabalham para concretizar inovações e políticas nesta direção. Exemplos inspiradores puderam ser vistos na primeira edição do Seminário Novos Futuros, realizada no dia 30 de junho, com grande público virtual.
“Foi um momento muito rico para uma ampla exposição de abordagens possíveis para a substituição de recursos fósseis por renováveis e de destaque para estratégias de aproveitamento dos mais variados tipos de resíduos por diferentes rotas tecnológicas tanto químicas quanto biotecnológicas” – destaca o engenheiro químico Marco Fraga, do INT, que presidiu a comissão organizadora do evento.
Tanto no painel científico – reunindo cientistas reconhecidos em suas áreas – quanto no painel estratégico – com representantes da academia, governo e setor produtivo – evidenciou-se a importância da ciência e do desenvolvimento tecnológico na transição para a bioeconomia.
“Os desafios apontados pelos debatedores mostraram que é imperativo o investimento contínuo em múltiplas áreas do conhecimento considerando o caráter multidisciplinar da bioeconomia, um tema intensivo em C&T” – avalia Fraga.
PAINEL CIENTÍFICO-TECNOLÓGICO
Anti-hipertensivo com resíduos de biodiesel, bioplásticos, bagaço de cana como fonte de energia elétrica e enzimas criadas do resíduo da produção de cerveja foram exemplos de soluções tecnológicas em bioeconomia mostradas pelos convidados do painel científico.
Abrindo o painel científico-tecnológico, o professor Rafael Luque, da Universidade de Córdoba na Espanha, provocou uma reflexão sobre o impacto do grande volume de resíduos gerados no modelo econômico linear, atualmente em vigor. Apontando para a importância da circularidade, além da reciclagem, da redução dos resíduos e da substituição de insumos, Luque destacou o conceito de valorização dos resíduos, por meio da geração de produtos com maior valor agregado. O pesquisador mostrou algumas estratégias envolvendo o uso de catalisadores e nanotecnologia, que consideram a composição química de cada tipo de resíduo. Ele citou o aproveitamento de catalisadores automotivos sucateados, que podem ser reutilizados para promover a transformação de moléculas bioderivadas e obter ingredientes farmacêuticos ativos a partir de biomassas empregando tecnologias verdes. Um trabalho recente, sem precedentes na literatura científica, visa obter anti-hipertensivo a partir de resíduos da produção de biocombustíveis, como o biodiesel.
Com foco na indústria cervejeira, a professora Denise Maria Guimarães Freire, do Instituto de Química da UFRJ, apresentou um exemplo claro da união de qualidade científica, empreendedorismo e economia circular. Ela mostrou como resíduos da produção de cerveja podem ser aproveitados para produzir enzimas, que são reutilizadas no processo, substituindo insumos de alto valor. A professora destacou a necessidade de conciliar a viabilidade técnica e econômica dos projetos desenvolvidos para o estabelecimento de um bom diálogo com as empresas.
Já a professora Rossana Mara Thiré, do Programa de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Coppe/UFRJ, destacou um cenário favorável à produção dos bioplásticos, com aumento da preocupação da sociedade com a sustentabilidade e com o valor que esses produtos podem agregar aos negócios. A pesquisadora mostrou a importância desse mercado jovem e emergente, com potencial socioeconômico e ambiental para uma bioeconomia circular de baixa emissão de carbono. No Laboratório de Biopolímeros e Bioengenharia (Biopoli), ela desenvolve composições sustentáveis à base de bioplásticos associados a resíduos agroindustriais ou a outros materiais de fonte renovável para aplicações tecnológicas cada vez mais diversificadas, abrangendo hoje setores como os de embalagens, saúde e engenharia.
Por fim, a professora Silvia Azucena Nebra, do Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais da UFABC e pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético da Unicamp, destacou avanços tecnológicos que têm permitido alcançar ganhos expressivos de produtividade, não somente nos processos das usinas de açúcar e álcool, mas também na produção de energia elétrica por meio da cogeração de energia. Apresentou detalhes técnicos da integração de processos térmicos nas usinas, via “pinch tecnology”, os ganhos por meio de caldeiras de alta pressão, dentre outras ações. A solução tem boas perspectivas de crescimento, no sentido de manter uma matriz energética brasileira mais limpa, tanto pelo emprego do etanol no setor de transporte, como da bioeletricidade, em detrimento das fontes fósseis emissoras de gases de efeito estufa.
PAINEL ESTRATÉGICO
Reunindo atores representativos do cenário nacional da bioeconomia, o painel estratégico trouxe informações importantes do desenvolvimento científico e tecnológico, das políticas governamentais e do setor produtivo sobre o tema. Moderado pela diretora substituta do INT, Marcia Oliveira, o encontro promoveu uma reflexão relevante sobre o aproveitamento da biodiversidade, sobretudo da região amazônica, e sobre a necessidade da convergência de esforços entre os setores para modificar os paradigmas da produção industrial no sentido da bioeconomia e da economia circular.
Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), mostrou avanços científicos de impacto relacionados à bioeconomia, como a carne de laboratório, obtida a partir de células tronco – desenvolvida nos EUA, em Israel e já com investimentos de 300 milhões de dólares da China –, assim como a bioenergia, no esforço de vários países para concretizar a implantação de carros elétricos convencionais e à base de hidrogênio.
O acadêmico destacou a participação dos cientistas na concretização do Livro Azul, como base para a Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI 2016 – 2022), que hoje pauta as políticas nacionais no setor. Outro ponto levantado por Davidovich é a importância da interação entre a agricultura e os biomas, uma vez que o Brasil detém 20 % da biodiversidade mundial. Mostrou exemplos de produtos de alto valor agregado do bioma amazônico, como o açaí, que gera 6,7 mil dólares por hectare cultivado, oito vezes maior do que a soja.
Na produção de medicamentos, citou o fruto do uchi amarelo, de onde se extrai a virginina, substância com alto poder anti-inflamatório e antioxidante, que, purificada, é comercializada hoje a mais R$ 1,2 mil reais o miligrama, o que corresponde a 4,1 mil vezes o valor do ouro. No desafio de pensar o futuro junto com vocação para se tornar uma “potência verde”, o presidente da ABC lembrou a importância de agregar outras ciências que têm diferenciado o avanço tecnológico entre os países, como a engenharia genética, inteligência artificial e big data.
Bruno Nunes, coordenador-geral de Ciência para a Bioeconomia do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), apresentou uma proposta para a Bioeconomia Sustentável e Circular, com ações do MCTI para o desenvolvimento da bioeconomia brasileira. Ele lembrou que essas ações se integram com a missão do Ministério, de produzir conhecimento, riquezas e contribuir para a qualidade de vida dos brasileiros. O tema integra a ENCTI 2016-2022, na base das políticas públicas, como um dos seus 12 temas estratégicos – Biomas e Bioeconomia –, e alinha também as metas do MCTI com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.
Com base nesse tema estratégico, Bruno Nunes relata que foi lançado em 2018 o Plano de Ação em Bioeconomia, um primeiro documento oficial do governo federal que traz uma definição de bioeconomia e ações voltadas ao desenvolvimento sustentável e à economia circular, com linhas de trabalho em tecnologias de biomassa, processamento e bioprodutos. Nunes destacou que a parte de energia é tão importante que teve um Plano de Ação específico.
Junto com essas linhas de trabalho, o coordenador-geral da área registrou o esforço do MCTI para coordenar essas ações, com ferramentas para entender e promover a governança, passando pela criação de um Observatório Brasileiro de Bioeconomia, do Comitê Nacional de Bioeconomia e pelo Projeto ODBio, Oportunidades e Desafios da Bioeconomia. O esforço da coordenação se volta para a construção de soluções produtivas incluindo chamadas públicas, voltadas para desenvolvimentos de cadeias produtivas da bioeconomia e temas específicos, como a chamada pública Polinizadores, construída em parceria com a iniciativa privada. Bruno Nunes anuncia que outros setores em breve deverão ser contemplados com novas chamadas, como: tecnologias para biorrefinarias, alimentos para o futuro e químicas renováveis.
Cristina Caldas, diretora de Ciência do Instituto Serrapilheira, mostrou a iniciativa da organização privada que investe no desenvolvimento de projetos de jovens cientistas, identificando na bioeconomia, em particular, um potencial para alavancar o crescimento econômico brasileiro. Entre os projetos que o Serrapilheira apoia, destacou o da pesquisadora Ayla Sant’Ana, do INT, que desenvolve rotas biotecnológicas para a conversão da semente do açaí em energia e produtos com alto valor agregado. Exemplificou outros projetos, como da pesquisadora Daniela Trivella, do CNPEM, que desenvolve uma plataforma computacional para identificação rápida de novos produtos naturais bioativos, que conta com a alta tecnologia do acelerador Sirius, para associar essas pesquisas inclusive no nível molecular. Consolidar e integrar saberes, com financiamento continuado público e privado, criando um ambiente favorável para a ciência juntamente com a internacionalização, é, segundo a diretora do Serrapilheira, o caminho mais rápido para o País avançar na pauta da bioeconomia.
Thiago Falda, presidente-executivo da Associação Brasileira de Bioinovação (ABDI), apresentou a visão da sua entidade, que reúne empresas líderes na bioeconomia global e pequenas empresas brasileiras emergentes, que investem no uso de recursos renováveis para desenvolvimento de tecnologias inovadoras. Ele chamou a atenção para dados do Fórum Econômico Mundial que prevê que até 2050 o mundo chegará a 9 bilhões de habitantes, com população 70 % urbana e expectativa de vida de 90 anos.
“Em paralelo às mudanças climáticas, a preservação do ambiente passa assim a envolver diretamente a questão econômica de evitar um colapso econômico mundial”, destaca o representante do setor produtivo. Nesse sentido, ele aponta que diversas ações no mundo todo se voltam para o incentivo a novas tecnologias verdes e à quebra de paradigma da produção industrial. Como sinal dessa mudança no pensamento capitalista, ele destaca que, em 2019, o Black Rock, o maior fundo de investimentos do mundo, definiu a sustentabilidade como critério para aporte de recursos em empresas. Apontando para avanços nas políticas públicas, como o Marco Legal de Biossegurança, o representante das empresas ainda defende que sejam oferecidas mais opções de incentivo, especialmente às startups do setor. Thiago Falda também identifica oportunidades complementares para o setor como a precificação de carbono, que tornam os negócios em biotecnologia ainda mais promissores.