Testes do INT serão decisivos para adoção da mistura de 11% de biodiesel no diesel
Durante o Lançamento da Frente Parlamentar Mista do Biodiesel, no dia 22 de maio, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, anunciou que testes laboratoriais deveriam ser feitos antes da implementação da mistura obrigatória de 11% de biodiesel no diesel consumido no Brasil. “Construímos e viabilizamos agora as condições necessárias para a mistura B11. Sua implementação será feita após estudos de curta duração sobre aditivação do biodiesel no Instituto Nacional de Tecnologia (INT). Isso deverá ser concluído nos próximos dois meses”. 2017 02 02 Biodiesel Foto Justo Davila 1 v2
No INT, unidade de pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), os referidos estudos iniciaram-se imediatamente com uma bateria de testes realizados pelo Laboratório de Corrosão e Proteção (Lacor), acreditado pelo Inmetro para realização de ensaios de estabilidade para biodiesel puro (B100) e misturas diesel-biodiesel (Bx). O trabalho é liderado pelo pesquisador Eduardo Cavalcanti, que também coordena a Rede Sibratec de Serviços Tecnológicos e de Pesquisa em Biocombustíveis (RBiocomb). Essa primeira fase dos estudos foi contratada pelas associações de produtores de biodiesel.
Cavalcanti explica que o Lacor/INT destaca-se atualmente por reunir melhores condições de realizar avaliações, tanto laboratoriais, como de campo: mais próximas da realidade da estocagem do biodiesel usado nas misturas. O Lacor dispõe, por exemplo, de um conjunto de recipientes de aço (tanques de armazenamento em escala reduzida, de 1 e 20 litros) e de bombonas de plástico (recipientes comumente usados para transporte e armazenamento), submetidos a condições de exposição ao intemperismo (variações de temperatura e umidade relativa).
Em reunião na sede do Ministério das Minas e Energia (MME), no dia 28 de junho, a importância dos estudos para garantir a estabilidade do biodiesel foi ratificada, com a divulgação da Consulta Pública nº 15/2019 da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Com a proposta, o valor da estabilidade à oxidação do biodiesel deve passar das atuais 8 horas para 12 horas. A consulta fica aberta até o dia 10/07, com audiência pública já marcada para o dia 16/07.
O pesquisador Eduardo Cavalcanti e sua equipe observam ensaio de estabilidade oxidativa
em biodiesel com diferentes dosagens de aditivos.
Testes de estabilidade
“As principais questões que definirão o novo teor de mistura referem-se à estabilidade oxidativa e à tendência higroscópica do biodiesel. Ou seja, com o passar do tempo e dependendo das condições de armazenamento, ele apresenta tendência à oxidação, que pode ser combatida com a adição de antioxidantes e, paralelamente, começa a absorver a umidade do ar. Daí a importância dos estudos que contemplem a análise simultânea da evolução desses parâmetros e avaliação da eficiência dos aditivos antioxidantes. Esses estudos avaliam a estabilidade ao armazenamento, para que o biodiesel, na entrega às bases de distribuição, e a mistura B11, até o momento da queima no motor, não estejam fora da especificação” – alerta o pesquisador Eduardo Cavalcanti.
Ensaios de oxidação acelerada definem a estabilidade das amostras de biodiesel. Por meio da determinação do índice de estabilidade oxidativa (IEO), também é avaliado se o teor de antioxidantes é capaz de cumprir o seu papel de retardar o processo de oxidação. O índice recomendado da oxidação, relacionado às condições encontradas no meio ambiente, deverá atender ao mínimo de 12h de estabilidade, entre o tempo que o biodiesel puro deixa o produtor e chega à refinaria para ser misturado ao diesel mineral. Já convertido em mistura B11, o valor recomendado na literatura internacional é de um IEO mínimo de 20h, desde as bases até o posto onde o combustível é repassado para o consumidor final.
Esses novos parâmetros, já adequados à mistura B11 e considerando a meta de elevação do teor de biodiesel na mistura até 15 % (B15), são objeto do estudo atual. A base, no entanto, são estudos de estabilidade do armazenamento das misturas de biodiesel, que o INT realiza há mais de dez anos.
Cavalcanti destaca a importância do interesse crescente do setor industrial, de distribuição, revenda e do segmento automotivo, que podem alavancar a pesquisa e desenvolvimento em novos projetos envolvendo estabilidade, armazenamento e problemas associados.
Ensaios em tanques atmosféricos em escala reduzida.
O que está em jogo
Diferentes aspectos da produção, comercialização e uso do biodiesel – representados pelas associações de produtores, distribuidoras e revendedores de combustíveis, e fabricantes de veículos e autopeças – têm se aproximado no entendimento comum de que a comprovação técnica da estabilidade e qualidade do biodiesel é fundamental para o avanço do percentual de suas misturas.
Durante a reunião no MME, que submeteu à consulta pública a proposta do INT de novos valores para a estabilidade à oxidação do biodiesel, Juan Diego Ferrés, presidente da Ubrabio – que representa a cadeia produtiva do biodiesel – saudou a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) e o Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores) por sua postura “inequivocamente positiva para o setor, que foi pragmática, vai trazer avanços para o biodiesel no Brasil e ganhos econômicos e de saúde à sociedade”. Para Ferrés, os resultados do INT foram bastante conclusivos e darão conforto para o avanço de mistura previsto em lei.
Eduardo Oliveira, coordenador do Subcomitê de Eficiência Energética e Emissões para Veículos Pesados do Sindipeças e especialista em Assuntos Regulatórios na Cummins para América Latina, no entanto, alerta que, à medida em que aumenta a quantidade de biodiesel no diesel comercial, é necessário tornar sua especificação mais robusta. O especialista ressalta que o percentual de biodiesel adotado no Brasil já é superior ao europeu, sem que o parâmetro de estabilidade oxidativa houvesse sido incorporado à especificação técnica do diesel comercial brasileiro.
“Qualquer estudo nesse sentido é de suma importância para os consumidores desse combustível” – afirma o engenheiro mecânico. Eduardo Oliveira destaca ainda que os testes precisam apresentar resultados incontestáveis, com realização conduzida por entidade idônea e reconhecidamente capaz, reconhecendo no INT essas características.
Ele frisa, no entanto, que a especificação técnica do diesel comercial em vigor ainda não requer as 20 horas de estabilidade oxidativa indicadas pelos estudos. Segundo o especialista, isso pode levar o consumidor final a um maior custo operacional e mais falhas no sistema de combustível de seus veículos e equipamentos, além de cuidados adicionais para quem permanece mais tempo com motor parado.
Reunindo como associados efetivos as grandes distribuidoras – Iconic Cosan, Ipiranga, BR Distribuidora e Raízen –, a Associação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis, Lubrificantes, Logística e Conveniência (Plural) – representa o segmento que recebe o biodiesel dos produtores e o mistura ao óleo diesel de origem fóssil, encaminhando o produto para as distribuidoras regionais. Diretor de abastecimento da Plural, Leandro Silva, reforça que manter a qualidade para o consumidor final e empresas que levam o produto para todo o país é a grande preocupação da entidade no progresso da mistura do biodiesel.
“É importante percorrer todos os detalhes técnicos desse processo, envolvendo órgãos de controle da qualidade, especialmente o Centro de Pesquisas e Análises Tecnológicas (CPT) da ANP, que realiza pesquisas e análises físico-químicas para monitorar e garantir a qualidade dos produtos regulados pela Agência, e entidades como o INT. O Instituto tem demonstrado competência técnica e qualificação para realização de testes relacionados ao armazenamento do biodiesel, sendo que é importante sempre envolver a ANP nessas análises” – avalia o diretor de abastecimento.
Donato Aranda, consultor técnico da Ubrabio União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio) afirma que a entidade está bastante segura de que a ação do aumento da estabilidade oxidativa do biodiesel de 8h para 12h, proposta pela própria Ubrabio, irá aumentar significativamente a qualidade do biodiesel e do diesel no Brasil. “O MME solicitou esses testes, que irão confirmar o benefício para a sociedade que utiliza esses combustíveis” – confirma o consultor.
Sobre o INT, Aranda destaca que “o Instituto é uma das principais referências para inovação e controle de qualidade, sendo pioneiro também nas pesquisas do desenvolvimento do biodiesel, sobretudo na década de 1990”. O consultor destaca também o fato de o Laboratório do INT que faz os estudos dos antioxidantes ser acreditado pelo Inmetro.
Donato Aranda lembra que no início do Programa de Biodiesel só havia um único tipo de antioxidante utilizado e apenas dois fornecedores. “Hoje há maior diversidade de aditivos e vários concorrentes. Ainda há espaço para novas moléculas, inclusive antioxidantes naturais, o que seria muito bem-vindo pela indústria” – relata o consultor da Ubrabio.
O papel do MCTIC
As políticas do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) para apoio à estruturação de uma base tecnológica, formação de recursos humanos e na criação de uma rede de laboratórios P,D&I e controle de qualidade no País foram decisivas para a consolidação dos testes que hoje validam o aumento do percentual do biodiesel.
“Esse investimento permitiu criar uma base sólida e um ambiente favorável para o desenvolvimento de pesquisas, testes e ensaios que possibilitaram aos pesquisadores brasileiros atuarem nos principais gargalos tecnológicos do setor, e, dessa forma, favorecendo o aumento seguro da mistura obrigatória” – avalia o coordenador de Inovação em Tecnologias Setoriais do MCTIC, Rafael Silva Menezes.
O coordenador também ressalta a atuação do INT:
– Desde o início da Rede de Biodiesel, o Instituto Nacional de Tecnologia teve papel fundamental na realização de pesquisas estratégicas, em especial coordenou os trabalhos na temática de armazenamento, estabilidade e problemas associados ao biodiesel. O investimento empreendido pelo MCTIC foi fundamental para capacitar o INT para a realização dos atuais testes de “estabilidade à oxidação” de forma a avaliar e propor soluções para a adição de percentuais maiores que os atuais 10% de mistura obrigatória.
Eduardo Cavalcanti frisa que os testes atuais são um primeiro passo em direção ao B15. Segundo o pesquisador do INT, para concretizar essa meta, “estudos de maior duração, envolvendo a definição da vida de prateleira e a avaliação dos diferentes tipos de biodiesel mais comumente comercializados no país, devidamente aditivados, merecem uma atenção adicional”.
“Paralelamente, avaliações de misturas contendo teores mais elevados de biodiesel devem ser testadas, tanto em laboratório como em condições de estocagem em campo. Esses testes devem levar em consideração as distintas condições microclimáticas nacionais, a logística, a natureza e a localização das bases de distribuição, devendo ser estimulados através de projetos multiclientes” – conclui Cavalcanti.
Nesse sentido, o Instituto já prepara o Workshop Rumo ao B15 com Estabilidade, a ser realizado no final de setembro, em parceria com os setores produtivo, de distribuição, automotivo e de regulamentação. Mais informações poderão ser obtidas no site www.rbiocomb.com.br.