Quando se fala em “clima semiárido”, frequentemente a primeira imagem que surge é a de uma natureza severa e bastante inóspita. Isto não está totalmente errado, visto que estas regiões se caracterizam principalmente pela irregularidade das chuvas e pelas altas taxas de evapotranspiração, elementos que juntos contribuem para o risco constante de escassez hídrica. Porém, tanto quanto a seca é parte indissociável do Semiárido, também o é o fenômeno das monções torrenciais, que caem eventualmente em períodos curtos e provocam cheias, reavivando os milhares de rios e lagos intermitentes, devolvendo pujança à vegetação e ajudando a recuperar os reservatórios. Assim, esta dicotomia climática torna o Semiárido brasileiro ao mesmo tempo um dos mais habitáveis do mundo e uma região particularmente suscetível às mudanças climáticas, razão pela qual sua climatologia conta com diversos monitoramentos científicos e com a sabedoria popular do povo sertanejo.
Com mais de onze mil espécies vegetais catalogadas, o bioma predominante do Semiárido brasileiro é a Caatinga, constituída especialmente por leguminosas, gramíneas, euphorbiáceas, bromeliáceas e cactáceas.
A vegetação adaptada ao clima semiárido é composta por mata espinhosa tropical. Normalmente, é constituída por um estrato herbáceo-graminoso ao lado de árvores e arbustos, cuja densidade depende das condições de clima e do estado de conservação do solo.
Grande parte das espécies vegetais têm folhas que caem na época seca em resposta à adaptação fisiológica dessa vegetação à escassez de água, influenciando na denominação do termo “Caatinga” que significa “mata-branca” no tupi-guarani. Com a queda das folhas, os troncos esbranquiçados e brilhantes ficam visíveis e dominam a paisagem.
Como forma de garantir a conservação de algumas espécies de cactáceas ameaçadas de extinção no Semiárido brasileiro, o Instituto Nacional do Semiárido abriga o Cactário Guimarães Duque, que possui 160 espécies de cactos e outras suculentas, sendo, em sua maioria, indivíduos nativos da região. Além disso, vem sendo desenvolvido, por meio do cultivo in vitro (cultivo asséptico de plantas dentro de frascos através de um meio nutritivo) a micropropagação de algumas destas espécies.
Dentre os produtos agrícolas produzidos no Semiárido brasileiro, destacam-se a soja, milho, algodão, feijão, mandioca e cana-de-açúcar.
A renda da produção da soja está concentrada no Piauí, Bahia e Minas Gerais, enquanto a do milho é expressiva em todos os estados do Semiárido, notadamente na Bahia, Piauí, Ceará, Pernambuco e Sergipe. O estado da Bahia concentra a renda do algodão herbáceo, que também é expressiva em Minas Gerais, Piauí, Ceará e Paraíba.
O feijão e a mandioca também são produtos com alta produtividade em todo o Semiárido. Os estados que garantiram maior renda com a produção da mandioca foram Pernambuco, Ceará, Bahia, Rio Grande do Norte, Sergipe e Alagoas, enquanto Paraíba e Piauí destacaram-se na produção de feijão.
A cana-de-açúcar também é um importante produto das lavouras do Semiárido, com sua renda concentrada nos estados de Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Bahia e Minas Gerais.
Os produtos da extração vegetal também desempenham importante papel para a geração de renda no Semiárido. O umbu é uma fruta típica da Caatinga que pode ser encontrada principalmente na Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Bahia e Alagoas. Possui
grande potencial de comercialização com a produção da polpa congelada, importante atividade desenvolvida especialmente por mulheres da agricultura familiar. O pequi é um fruto típico do Cerrado, mas que também ocorre no Semiárido piauiense, baiano e, de forma expressiva, no Semiárido mineiro e cearense. Sua polpa é requerida na culinária e seu óleo é excelente para a produção de biodiesel.
A carnaúba, de considerável ocorrência no Semiárido do Ceará, é uma grande produtora nativa de cera, de papel e peças artesanais, ração animal e óleo.
Outra matéria prima importante para diversas indústrias de alimentos e pequenas fábricas de processamento é a castanha de caju, produzida principalmente no Semiárido pernambucano e baiano.
O babaçu e o licuri, são palmeiras endêmicas da região Nordeste. O babaçu gera constante oportunidade de renda principalmente para o Semiárido do Maranhão, Piauí e do Ceará, sobretudo através da venda de suas amêndoas e de derivados como o leite do babaçu, azeite, sabão e o carvão obtido a partir das cascas. O licuri é explorado no Semiárido da Bahia e de Alagoas. Há um amplo aproveitamento de suas partes, desde a extração de óleo das amêndoas, que possui alto potencial para a produção de biodiesel, até o uso das folhas para confecção de artesanatos.
Buriti, piaçava, mangaba, cajá, murici, pitomba, ouricuri, oticica, entre outros frutos e oleaginosas, também se destacam para fins variados.
Apesar da notoriedade dada à ovinocaprinocultura, em termos quantitativos, os bovinos são o principal rebanho da área do SAB. A região Nordeste possui cerca de 13,3% do efetivo bovino do Brasil e, no Semiárido brasileiro, mesmo com a limitação na disponibilidade de pastagens, principalmente nos períodos de escassez de forragens, a região detém aproximadamente 58,1% desse rebanho bovino do Nordeste.
O Instituto Nacional do Semiárido desenvolve pesquisas que tem por objetivo realizar estudos, difusão e formação visando à conservação, uso e valorização de raças nativas do SAB, a exemplo do Gado Curraleiro Pé-Duro, os caprinos Landi e as galinhas de capoeira.
O resgate e a conservação de animais de raças nativas são de grande importância para as famílias agricultoras. Essas raças desenvolveram ao longo do tempo grande adaptabilidade às condições de solo, clima e vegetação da região, especialmente, na sua capacidade de resistência ao período de estiagem e escassez de alimento no Semiárido.
Ao longo de quatro séculos, os bovinos da raça Curraleiro Pé-Duro adquiriram características específicas, tais como a docilidade, longevidade e extraordinária rusticidade, tornando-se assim, extremamente adaptados às condições ambientais do Semiárido. Esse genótipo bovino nativo é fundamental para a sustentabilidade da pecuária regional neste novo cenário de mudanças climáticas.
As galinhas de raças nativas, denominadas popularmente como “galinhas de capoeira”, contribuem para a soberania alimentar da família, para a resistência e resiliência dos agroecossistemas e autonomia da mulher agricultora. Estes animais, além de outras espécies de aves, se integram com os cultivos nos arredores da casa e no agroecossistema em seu conjunto.
Os Caprinos Landi (ou Nambi) por sua vez, são fontes de proteína e de renda para os agricultores da região, no entanto, esse patrimônio está sob risco de extinção, daí a necessidade do desenvolvimento de estudos e estratégias que otimizem a preservação e uso sustentável desse recurso genético local.
No que se refere à alimentação animal, 70% das espécies botânicas da caatinga participam da dieta dos caprinos, ovinos e bovinos e outros animais herbívoros. Os outros 30% apresentam mecanismos de defesa como pelos, espinhos e compostos antinutricionais que limitam o uso direto na alimentação. Porém, muitas dessas plantas, quando passam por processos de desidratação ou fermentação, se constituem em importantes recursos forrageiros. A vegetação nativa da caatinga só tem elevado potencial forrageiro quando preservada à sua diversidade botânica. Atualmente, o INSA vem realizando estudos sobre a composição químico-bromatológica dessas forragens nativas da caatinga.
A palma forrageira é considerada uma das mais importantes forrageiras para alimentação dos rebanhos em épocas de estiagens prolongadas, principalmente, pela sua boa adaptação as condições do solo e clima da região. Sua utilização é acompanhada de uma fonte de fibra para facilitar o aproveitamento dos nutrientes e evitar distúrbios metabólicos. O uso destas cactáceas pelos animais reduz consideravelmente o consumo de água, uma vez que dependendo do estágio que a planta for ofertada, sua composição pode chegar até a 90% de água.
Com a introdução da Cochonilha-do-carmim (Dactylopius opuntiae) que dizimou ostensivamente os campos de palma do Semiárido brasileiro, ocorreu a necessidade de buscar alternativas para tentar amenizar os problemas trazidos pela mesma. Uma das soluções encontradas na pesquisa desenvolvida pelo Instituto Nacional do Semiárido, foi a utilização de variedades de palma forrageira resistentes ao inseto-praga. Dentre elas, uma das que mais se destacaram foi a variedade Orelha de Elefante Africana(Opuntia undulata). Essa variedade apresenta grandes potencialidades para se tornar uma ótima alternativa de cultivo para os distintos ecossistemas do Semiárido brasileiro.
A fauna do semiárido surpreende aqueles que pensam que as paisagens secas são homogêneas e com pouca vida. Ao contrário, o bioma possui aproximadamente 1.307 espécies animais, dentre as quais 327 são exclusivas da região. As pesquisas sobre fauna registram 178 espécies de mamíferos, 591 de aves, 177 de répteis, 79 de anfíbios, 241 de peixes e 221 espécies de abelhas.
Assim, como as plantas, os animais se adaptaram ao longo dos anos às condições da região com sol intenso e escassez de água. Para sobreviver ao clima, desenvolveram hábitos noturnos, comportamento migratório e processos fisiológicos, tais como a estivação, que é um tipo de “hibernação” em ambientes quentes. Realizada pela espécie dos sapos Pleurodema diplolistris, essa hibernação permite que eles fiquem enterrados no período das secas, cerca de 10 a 11 meses por ano. Essa característica de ficar sem acesso aos alimentos e à água contraria o que costuma ocorrer com a maioria dos animais. O comum é o metabolismo aumentado com altas temperaturas e diminuído em baixas temperaturas. Por isso, muitas pesquisas tentam entender a estivação que permite diminuir o metabolismo a ponto da inatividade.
Da mesma forma que os demais biomas, a diversidade da fauna do semiárido brasileiro sofre em decorrência de pressões antrópicas sobre o habitat natural dos animais e de práticas extrativistas como a caça e a pesca sem controle. Das 590 espécies de pássaros, por exemplo, pelo menos 20 já se encontram na lista das ameaçadas de extinção, entre elas, a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii) e arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari), em consequência do tráfego de animais silvestres. Para reverter essa situação, há uma necessidade de se aumentar as áreas de preservação bem como a fiscalização, regularizando a caça e a pesca, evitando o tráfego de animais silvestres e proibindo atividades predatórias.
A diversidade de composições e morfologias dos solos do Semiárido brasileiro é imensa. Solos rasos e pouco profundos (de 50cm a 100cm), geralmente pedregosos, contrastam com solos mais profundos e desenvolvidos, geralmente argilosos e com elevada reserva de nutrientes; ainda, solos arenosos e com baixa fertilidade. Também são comuns solos endurecidos em profundidades maiores e com baixa capacidade de drenagem. Essas características combinadas aos desmatamentos, práticas agrícolas sem manejo adequado dos solos, sobrepastoreio pela pecuária extensiva, manejo inadequado dos sistemas de irrigação, acarretando , muitas vezes, a salinização da terra, tornam esse recurso natural mais vulnerável à degradação.
Quando a degradação do solo ocorre em climas áridos, semiáridos e subúmidos secos, é caracterizada como desertificação. Segundo dados do INSA, 85% do Semiárido brasileiro está em processo de desertificação moderado e 9% está efetivamente desertificado. Isso significa que a reversão do processo é quase impossível. Por isso, é fundamental a preservação e conservação da vegetação de Caatinga, visto que é ela que protege o solo da erosão.
O Instituto Nacional do Semiárido desenvolveu uma ferramenta computacional (hiperlink) para monitorar o processo de desertificação através de índices multidimensionais, construídos a partir de indicadores econômicos, sociais, ambientais e institucionais, que apontam as áreas mais susceptíveis, com maior pressão direta ou indireta, com maiores impactos e com algum nível de mitigação de seus efeitos.
No Semiárido brasileiro, a oferta de água para usos múltiplos está aquém da sua demanda. Em período de estiagem prolongada, a situação se agrava, impactando negativamente o abastecimento dos 1.262 municípios com reflexo nas atividades econômicas, em especial, a agrícola e industrial. Por outro lado, existe uma fonte de água não convencional e permanente, atualmente não explorada - o esgoto doméstico, Essa fonte coletada e tratada adequadamente pode minimizar os conflitos pelo uso da água tão frequentes na região.
O Instituto Nacional do Semiárido acompanha 481 reservatórios de água espalhados por todo território do SAB, através do Olho N'água. A ferramenta desenvolvida pelo INSA visa compartilhar com a sociedade informações atualizadas sobre a disponibilidade de água nos principais reservatórios que atendem mais de 27 milhões de habitantes da região semiárida.
Segundo o Olho N'água, a capacidade de armazenamento de água dos reservatórios acompanhados pela ferramenta é de 32.965 hm³. Contudo, a quantidade média total armazenada é de 7.000 hm³, o que corresponde aproximadamente a apenas 20% da capacidade de armazenamento.
De acordo com a Organização das Nações Unidas, cada pessoa necessita de 110 litros de água por dia para atender suas necessidades de consumo e higiene. No Semiárido brasileiro essa média cai para no máximo 100 litros por dia, podendo chegar em alguns municípios a apenas 50 litros por dia.
Diante desse panorama, o Instituto Nacional do Semiárido desenvolve diversas pesquisas para minimizar os efeitos da baixa disponibilidade hídrica da região, a saber: projetos de captação de água da chuva, reuso de água de esgoto e dessalinização
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