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Estudo inédito aponta efeitos das mudanças climáticas na energia solar
Cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) realizaram um estudo inédito para compreender e avaliar como a incidência de energia solar no Brasil será afetada pelas mudanças globais. O trabalho foi publicado no dia 21 de outubro na revista Nature Scientific Reports.
A equipe, que faz parte da componente de Segurança Energética do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-Mudanças Climáticas), utilizou uma extensa base de dados, incluindo informações de satélite, de estações meteorológicas e predições de modelos climáticos para dois cenários futuros de clima.
O primeiro cenário representa a situação em que os fatores socioeconômicos seguem suas tendências históricas com progresso lento em direção à sustentabilidade socioambiental e aumento da temperatura em até 2,7°C até o final do século. O segundo cenário assume que a economia mundial terá crescimento rápido com pouca preocupação com questões ambientais, resultando no aumento de temperatura até 4,4 graus no fim do século.
Entre os resultados, o estudo indica aumento da incidência de energia solar entre 2% e 8% na maior parte do Brasil. Porém, na região Sul as predições apontam uma redução de cerca de 3% no cenário futuro de clima causado por crescimento acelerado do desenvolvimento econômico e elevadas emissões de gases de efeito estufa (GEE).
O crescimento maior da disponibilidade de energia solar será nas regiões Centro-Oeste e Sudeste do Brasil, principalmente próximo de grandes centros, com destaque para Minas Gerais, onde está previsto aumento de até 5% nos meses da primavera. O trabalho aponta ainda uma tendência de aumento na produtividade de geração fotovoltaica (solar) em grande parte do Brasil, com maiores benefícios na Amazônia, que não é atendida pelo Sistema Interligado Nacional (SIN).
É esperado que os resultados do estudo possam apoiar estratégias regionais de desenvolvimento para aumentar a resiliência do sistema elétrico brasileiro às futuras condições climáticas e ajudar o Brasil no processo de transição energética essencial no combate às mudanças ambientais globais. O projeto é apoiado pela FAPESP, CNPq e CAPES.
A variação regional
Os resultados da pesquisa mostram que a incidência de energia solar cresce cerca de 2% em grande parte do território brasileiro nos dois cenários futuros até o fim da próxima década, incluindo grande parte do bioma Amazônico, Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica no Sudeste. Para esta última região, o estudo prevê um crescimento de até 5% durante os meses de que correspondem à primavera (setembro a novembro) no estado de Minas Gerais. Há também regiões que receberão incidência de energia solar menor que os valores atuais, principalmente no cenário de maiores emissões de GEE quando o estudo prevê reduções na média anual de até 4% no Rio Grande do Sul e na costa equatorial do Nordeste.
O coordenador da pesquisa, Fernando Martins (Unifesp), explica que a incidência de energia solar na superfície afeta diversos setores da atividade humana, como a produção de alimentos e saúde, e na qualidade ambiental. No entanto, avaliar o impacto econômico não é tarefa simples e está sujeita a avaliação cuidadosa de características locais e regionais relacionadas com as culturas agrícolas produzidas, custo da eletricidade distribuída, entre outras variáveis bastante específicas das regiões afetadas em um estudo futuro.
A figura abaixo mostra mapas de variação da incidência solar no Brasil e a escala de cores indica a porcentagem de aumento (tons de vermelho) ou redução (tons de azul) em relação aos valores atuais. Por exemplo, as áreas em tons azuis no Rio Grande do Sul e litoral catarinense indicam a redução de incidência solar em até 5%. Rodrigo Costa, pesquisador do INPE, destaca que as variações encontradas para a incidência solar estão consistentes com estudos que avaliam o impacto das mudanças climáticas na temperatura e precipitação. Por exemplo, os mapas mostram um aumento na região amazônica que está associado com a redução de precipitação na região indicada pelos modelos de clima futuro.
O foco principal do estudo foi o aproveitamento da energia solar para geração de eletricidade. Estudos de casos foram realizados para regiões de interesse específico como grandes centros consumidores de energia e áreas remotas não atendidas pelo Sistema Interconectado Nacional (SIN) de transmissão e distribuição de eletricidade.
As regiões metropolitanas
A energia solar responde por praticamente 97% da capacidade de geração de eletricidade na modalidade de Micro e Mini Geração Distribuída (MMGD), aquela em que os sistemas de geração solar de baixa capacidade estão instalados em telhados de construções ou em pequenas áreas de uso dos consumidores de energia. Grande parcela da MMGD está em áreas urbanas ou em áreas não atendidas pela rede de transmissão e distribuição de eletricidade.
- Região Amazônica
A maior parte do território amazônico depende da operação de sistemas isolados porque não são atendidos pela rede de transmissão e distribuição de eletricidade. Para essa região, o estudo prevê que produtividade da geração solar crescerá significativamente ao longo das próximas décadas. Atualmente, os sistemas isolados utilizam principalmente geradores alimentados por combustíveis fósseis, o que contribui ainda mais para a mudança do clima, e a geração solar já é uma alternativa energética importante para atender a demandas de comunidades locais e promover avanços sociais a custos menores sob o ponto de vista ambiental e financeiro.
- Nordeste do Brasil
O estudo aponta que a produtividade da geração solar apresenta comportamentos opostos entre litoral e interior no Nordeste do país. Segundo os resultados da pesquisa, a produtividade da geração solar cresce nas áreas localizadas no semiárido nordestino (até 2% até o final do século) e decresce na costa norte do Nordeste representado no estudo por Fortaleza (com até 6% no mesmo período). Esse fenômeno está relacionado aos regimes climáticos distintos que atuam nas duas regiões, como por exemplo, a maior formação de nuvens e chuvas na região litorânea.
- Centro-Oeste e Sudeste do Brasil
O estudo indica um crescimento da produtividade solar nas áreas urbanas no centro-oeste e sudeste do Brasil. Francisco Lima destaca que a região metropolitana de Belo Horizonte é aquela em que o estudo prevê maior crescimento da incidência de energia solar, da ordem de 0,5% até 2040 e 3% até o fim do século. Por outro lado, a medida que seguimos para o Sul, a tendência da produtividade solar decresce de modo que é praticamente nula em São Paulo, segundo a análise dos dados da pesquisa.
- Sul do Brasil
A área metropolitana de Porto Alegre foi utilizada para representar a região. O estudo identificou um decréscimo da produtividade fotovoltaica entre 2% e 2.5%. A tendência de crescimento da precipitação na região em algumas estações do ano está associado com esse comportamento.
A Tabela abaixo resume a variação da produtividade de sistemas de geração solar nas áreas de estudo. Considerando as áreas de redução com potencial fotovoltaico em Porto Alegre e Fortaleza, o pesquisador André Gonçalves (INPE) menciona que a costa norte do Nordeste brasileiro (litoral do Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte) e o Rio Grande do Sul são as regiões do país com maior disponibilidade de geração eólica de modo que a geração híbrida combinando a energia do Sol e dos ventos para produção de eletricidade pode ser uma alternativa para minimizar o impacto da redução da produtividade fotovoltaica nas duas regiões. Este grupo de pesquisadores está também concluindo estudo sobre o impacto da mudança do clima na disponibilidade de energia eólica e, em breve uma avaliação mais assertiva poderá ser apresentada para uso combinado dos recursos de energia solar e dos ventos.
Região |
Área |
Variação em 2040 |
Variação em 2100 (melhor cenário) |
Variação em 2100 (cenário + pessimista) |
Amazônia |
Manaus (AM) |
+0,4% |
+1,3% |
+3,5% |
Boa Vista (RO) |
+0,4% |
+1,0% |
+3,0% |
|
Colniza (MT) |
+0,4% |
+1,8% |
+2,8% |
|
Nordeste |
Fortaleza (CE) |
-0,2% |
-1,0% |
-1,8% |
Petrolina (PE) |
+0,1% |
+0,4% |
+1,0% |
|
Centro - Sudeste |
Brasília (DF) |
+0,3% |
+1,0% |
+2,0% |
Belo Horizonte (MG) |
+0,6% |
+1,3% |
+4,7% |
|
São Paulo (SP) |
0% |
0% |
0% |
|
Sul |
Porto Alegre (RS) |
-0,3% |
-0,7% |
-2.5% |
Implicações dos resultados da pesquisa
Neste momento, tanto o Brasil quanto o mundo estão sofrendo com a ocorrência de eventos extremos que estão causando impactos significativos em diversas áreas da vida cotidiana. No Brasil, eventos de seca prolongada associados com ondas de calor têm impactos diretos na saúde da população, no conforto térmico nos centros urbanos e na produção de alimentos (agricultura e pecuária), para citar alguns exemplos já vivenciados por todos.
Além disso, os reservatórios com baixo volume de água armazenada afetam também o abastecimento de água e a geração de eletricidade tão necessária para enfrentar os impactos mencionados anteriormente.
À medida que enfrentamos a questão urgente das mudanças climáticas, é vital reconhecer que a energia é uma preocupação global primordial. A política energética de uma nação está intrinsecamente ligada ao crescimento econômico e ao bem-estar social. Numa escala de longo prazo, a política energética precisa contemplar o crescimento e modernização da infraestrutura energética com base em informações e conhecimento sólido sobre a disponibilidade de recursos energéticos renováveis para manter a sustentabilidade ambiental e a resiliência do nosso sistema elétrico aos fenômenos climáticos.
O sistema elétrico brasileiro está baseado em sua maior parte em usinas hidroelétricas distribuídas pelo território nacional. Esse é realmente um aspecto positivo porque podemos atender a demanda energética com reduzida emissão de gases de efeito estufa. No entanto, o aumento contínuo do consumo de energia e os eventos prolongados de seca cada vez mais frequentes trazem uma insegurança crescente na capacidade de atender o consumo apenas com hidroeletricidade. Consolidar a diversificação das fontes renováveis na matriz de energia do país é fundamental para evitar o crescimento da geração térmica a base de combustíveis fósseis.
O Brasil tem duas oportunidades cruciais para contribuir com a agenda global de transição energética. A reunião do G-20 em novembro de 2024 e a COP 30 em novembro de 2025 fornecem plataformas para discussões e decisões justas e inclusivas sobre a transição energética. É imperativo fortalecer os compromissos assumidos com ações concretas, considerando aspectos ambientais, sociais e econômicos, reconhecendo que não existe uma solução única que sirva para todos os países.