As outras flutuações de temperatura - além do dipolo
Um outro resultado importante obtido pelo COBE foi a descoberta de pequenas flutuações na distribuição angular de temperatura da RCFM no céu, que, de acordo com os modelos teóricos, estão ligadas à formação das estruturas hoje observadas no Universo. Essas flutuações são conhecidas como anisotropias, já que o que se observa é uma dependência da temperatura do céu com a direção de observação, ou seja, não há isotropia na distribuição angular de temperatura. O terceiro mapa da Figura 2 mostra essas anisotropias, juntamente com a emissão de microondas proveniente do plano da nossa Galáxia, vista como a faixa vermelha no centro da imagem. Entretanto, o valor dessas anisotropias é extremamente baixo, da ordem de 10-5 K, o que dificulta sobremaneira a tentativa de observá-las, uma vez que este valor é 100.000 vezes menor do que a temperatura da RCFM, que é 2,7 K acima do zero absoluto. Na realidade, medir um sinal com intensidade tão baixa foi um dos maiores desafios astronômicos de todos os tempos. Essa descoberta teve um profundo impacto na Cosmologia, pois pela primeira vez foi detectada uma anisotropia intrínseca à RCFM, isto é, uma anisotropia que não estava ligada a nenhum efeito que fosse devido ao próprio observador ou a algum fenômeno que tenha ocorrido no Universo recentemente: ela revelava como era o Universo há mais de 13 bilhões de anos! As medidas de temperatura da RCFM são consideradas umas das mais importantes descobertas científicas do século passado.
Embora notáveis, os resultados do DMR apresentam duas limitações importantes: os dados que mostram anisotropia na distribuição angular da RCFM não permitem que sejam obtidas informações a respeito do processo de formação de galáxias, uma vez que a distância angular que compreende os tamanhos envolvidos nas nuvens protogalácticas (1,5 graus) são menores que a distância angular que o COBE é capaz de resolver (7 graus). Para perceber essa diferença basta olhar os dois mapas da Figura 7. A segunda limitação decorre do fato de essas flutuações terem sido detectadas no limite de sensibilidade do DMR, uma vez que o sinal das anisotropias era extremamente fraco. Buscando suprir essa limitação do COBE, vários outros experimentos, no solo e a bordo de balões, começaram medir flutuações de temperatura na distribuição angular da RCFM numa grande faixa de freqüências, em diversas escalas angulares e com grande sensibilidade, na tentativa de obter mais detalhes sobre a distribuição de temperatura no céu. Esses experimentos proporcionaram um grande avanço na determinação dos parâmetros que nos ajudam a entender como é o Universo, de que componentes ele é constituído, qual é a sua idade, composição, geometria, etc., e também na compreensão de um dos mais sérios contaminantes dessas medidas, a nossa própria Galáxia.
Um experimento conhecido como HACME, parte de uma colaboração nas quais participavam, dentre outras instituições, o INPE, a Universidade Federal de Itajubá, em Minas Gerais, e a Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, detectou flutuações de temperatura na RCFM com uma precisão melhor do que a do COBE. Esses resultados são mostrados na Figura 5.
Atualmente, o mesmo grupo que construiu o HACME participa do experimento BEAST - Background Emission Anisotropy Scanning Telescope (Figura 6.a). Ele pode operar tanto no solo quanto suspenso por um balão estratosférico a 40 km de altitude e emprega uma tecnologia muito mais moderna do que a do COBE, superando-o, por exemplo, em resolução angular: 7 graus no COBE contra aproximadamente 0,3 graus no BEAST. O projeto óptico desse telescópio, uma das partes cruciais do experimento, foi inteiramente desenvolvido no Brasil. O BEAST vem realizando observações da RCFM a 3.800 m de altitude numa estação de pesquisa da Universidade da Califórnia, chamada White Mountain Research Station, nos EUA. O resultado dessas observações é mostrado na Figura 6.b, na qual aparece a área do céu observada pelo BEAST (comparada com o mapa completo do céu feito pelo WMAP) e as flutuações de temperatura que ele mediu, da ordem de 30 microkelvins. O BEAST concorre com outros experimentos tais como ARCHEOPS, BOOMERanG, CAT, CBI, DASI, MAXIMA e VSA, e é o protótipo do experimento LFI que irá a bordo do satélite Planck, da Agência Espacial Européia (ESA), planejado para ser colocado em órbita em 2007.
Recentemente, foram divulgados os primeiros resultados do WMAP, mostrando flutuações de temperatura da ordem de alguns microkelvins na RCFM. A Figura 7 mostra uma comparação desses resultados com os do COBE, obtidos cerca de dez anos antes.
Carlos Alexandre Wuensche - Criado em 2005-06-02