As flutuações de temperatura - o efeito de dipolo
A Figura 2 apresenta os dados obtidos pelo experimento DMR (Differential Microwave Radiometer), também a bordo do satélite COBE, e mostra como é o céu em microondas. Os mapas são construídos em cores falsas para permitir que nossos olhos percebam as pequenas diferenças de temperaturas em microondas. A primeira imagem de cima para baixo mostra o céu com uma temperatura totalmente uniforme, sem nenhuma estrutura aparente. Quando melhoramos a qualidade da medida por um fator mil, ele se apresenta como na figura do meio, com duas regiões claramente diferentes e separadas por 180 graus (com as temperaturas representadas pelas cores laranja e azul).
Esse efeito se deve ao nosso movimento em relação a RCFM e provoca uma diferença de temperatura da ordem de três milésimos de graus Celsius no céu: numa região a temperatura é maior, representada pela cor laranja, e na outra a temperatura é menor, representada pela cor azul (ver segundo mapa da Figura 2). A diferença entre as cores é semelhante ao que acontece quando ouvimos o barulho de um carro que se aproxima de nós e depois se afasta. Nesse caso, ao invés de um aumento de temperatura do carro, percebemos um aumento da freqüência do barulho do seu motor (som mais agudo) quando ele se aproxima de nós e uma diminuição dessa freqüência (som mais grave) quando ele se afasta. Esse efeito, conhecido como efeito Doppler, acontece sempre quando há movimento relativo entre um observador e uma fonte de sinal. A variação de temperatura observada no segundo mapa da Figura 2 é uma conseqüência do efeito Doppler resultante do nosso movimento em relação à RCFM.
As primeiras indicações da existência desse fenômeno na distribuição angular da RCFM, conhecido como efeito de dipolo, vieram de experimentos realizados em 1969 e no inicio da década de 70. A confirmação desse efeito veio com medidas realizadas em meados da década de 70, com um experimento embarcado num avião espião U-2 para realizar as observações a 20 km de altitude. Em meados da década de 80 esse efeito já era muito bem conhecido graças a experimentos realizados a bordo de balões estratosféricos, inclusive no Brasil, com a participação do INPE (ver Figura 4) e confirmados posteriormente pelo satélite COBE. O responsável por um dos experimentos conduzidos no Brasil foi David Wilkinson, colaborador de Robert Dicke no artigo que explicava o resultado de Penzias e Wilson, e um dos mentores e líderes do projeto do satélite WMAP, sobre o qual falaremos mais à frente. Wilkinson faleceu meses antes da divulgação dos primeiros resultados do WMAP (originalmente MAP - Microwave Anisotropy Probe) e a equipe resolveu homenageá-lo, passando a chamar o satélite de Wilkinson Microwave Anisotropy Probe (WMAP).
O efeito de dipolo é o resultado do movimento da Via Láctea em relação ao sistema de coordenadas definido pela RCFM, que é de aproximadamente 600 km/s na direção da constelação do Leão. Ele equivale a uma diferença de temperatura de 0,1% entre duas regiões do céu separadas por 180 graus. Os números envolvidos no efeito de dipolo são impressionantes do ponto de vista das velocidades a que estamos acostumados aqui na Terra, mas corriqueiros no Universo. Nosso movimento na direção da constelação do Leão é a resultante dos movimentos relativos de vários sistemas dos quais fazemos parte: o movimento de rotação da Terra ao redor do Sol, da ordem de 30 km/s (Figura 3.a), o movimento de rotação do Sistema Solar em relação ao centro da Via Láctea, da ordem de 230 km/s (Figura 3.b), o movimento da Via Láctea em relação ao Grupo Local de galáxias, da ordem de 40 km/s (Figura 3.c), e o movimento do Grupo Local na direção do superaglomerado de Hidra-Centauro, da ordem de 310 km/s (Figura 3.d).
Carlos Alexandre Wuensche - Criado em 2005-06-02