A polarização da RCFM
Estando o espectro e a distribuição angular de flutuações de temperatura da RCFM bem determinados, a caracterização da terceira propriedade desta radiação, a polarização, só começou a ser feita efetivamente nos últimos dois anos, apesar de as primeiras tentativas para detectá-la terem começado na década de 70. Uma onda eletromagnética é dita linearmente polarizada quando o seu campo elétrico se encontra oscilando sempre numa mesma direção. Caso a direção varie com o tempo, a onda será circularmente polarizada. Em geral, um campo de radiação qualquer, que é a superposição de ondas eletromagnéticas polarizadas em todas as direções, apresenta apenas uma porcentagem de sua intensidade total com uma polarização bem definida, gerando um padrão que pode ser mapeado. Para a RCFM, esta fração polarizada corresponde de 0,1% a 1% da amplitude das flutuações de temperatura, dependendo do processo físico que deu origem à polarização, sendo, entretanto, sempre linearmente polarizada, visto que resultam de um espalhamento.
Quando as primeiras estrelas de grande massa surgiram (cerca de 200 milhões de anos após o Big-Bang), a luz que elas emitiram foi capaz de ionizar as moléculas de Hidrogênio que permeavam o Universo, num processo conhecido como reionização. Os elétrons liberados durante a reionização puderam interagir com os fótons presentes no meio, inclusive aqueles da RCFM, deixando-a com um pequeno grau de polarização, da ordem de 1% para grandes escalas angulares. Por outro lado, fenômenos presentes no momento da recombinação também produziram polarização. O espalhamento dos fótons pelos elétrons do fluido primordial (espalhamento Thomson), que apresentavam um movimento ordenado seguindo as ondas acústicas que se propagavam no plasma, produziu polarização com uma intensidade da ordem de 1%. Além desta perturbação escalar (ondas acústicas), o plasma também sofre a ação de perturbações tensoriais: o espaço-tempo oscila, alongando, comprimindo e torcendo o plasma. O termo tensorial, ao contrário de escalar, indica que a perturbação requer uma orientação definida. Estas oscilações são decorrentes da passagem de ondas gravitacionais produzidas durante a Inflação. O espalhamento dos fótons pelos elétrons durante este processo de torção do plasma também polariza a radiação, por uma fração menor que 0,1%, devido à pequena amplitude das ondas gravitacionais. Polarização gerada desta maneira tem características distintas, permitindo uma completa caracterização das ondas gravitacionais que a produziram.
Dada a pequena intensidade da componente polarizada da RCFM, sempre duas ordens de grandeza abaixo da intensidade das anisotropias, até o ano 2002 nenhuma detecção tinha sido realizada, visto que nenhum instrumento tinha sensibilidade para tal. Foi então que o instrumento DASI, desenvolvido por um consórcio liderado pela Universidade de Chicago, atingiu a sensibilidade necessária, unindo tecnologia de ponta e um dos melhores sítios de observação na superfície terrestre: o Continente Antártico. Ele foi capaz de mapear o padrão de polarização em torno do Pólo Sul celeste, indicando que este tinha sido gerado por perturbações escalares. Em 2003 o instrumento WMAP confirmou esta medida, porém com um mapeamento do céu inteiro. Resultados preliminares indicam as assinaturas da reionização e das perturbações escalares.
Carlos Alexandre Wuensche - Criado em 2005-06-02