Distorções Espectrais
Na história térmica do universo, segundo o modelo do Big Bang, qualquer liberação de energia num redshift z ≲ 106 teria sido retermalizada, introduzindo apenas um aumento generalizado da temperatura da RCF. Embora a RCF tenha-se desacoplado da matéria numa época relativamente tardia (z ∼ 103), quando o efeito da expansão do universo o teria tornado opticamente fino aos fótons primordiais, seu espectro carrega informação sobre a energética do universo desde um redshift z ∼ 107, ou aproximadamente 1 ano após o Big Bang. Já no intervalo 106 > z > zc, sendo 2 × 105 ≲ zc ≲ 4 × 105, equilíbrio estatístico, mas não termodinâmico, pode ser reestabelecido, implicando num número de ocupação para os fótons dado por
no qual μ, o termo do potencial químico, determina a magnitude da distorção e h e k< são, respectivamente, as constantes de Planck e de Boltzmann. Este processo de esfriamento devido ao espalhamento Compton inverso se acentua em baixas freqüências; mas nestas circunstâncias a termalização livre-livre ainda se mostra efetiva na reposição dos fótons transferidos para freqüências mais altas, e o resultado final apresenta o espectro da RCF com uma depressão nos comprimentos de onda centimétricos entre 3-30cm (Burigana et al. 1991), como mostra a Figura1.10.
Em épocas mais recentes, a reionização no universo devido ao aquecimento do meio intergaláctico pela primeira geração de estrelas e galáxias também pode ter causado distorções espectrais na RCF. Neste caso, o espalhamento Compton inverso dos fótons da RCF pelos elétrons quentes (Te > 106K) com densidade ne do meio intergaláctico (Sunyaev e Zeldovich 1980) produziria um decremento espectral equivalente ao dobro do parâmetro y ∝ neTe de Compton. Mas como o limite superior imposto pelo experimento FIRAS a bordo do COBE para o aquecimento Compton se traduz em Te ≲ 105, restaria a alternativa da reionização ter ocorrido em zion < 10. No entanto, esta diminuição de Te acaba favorecendo o resfriamento do plasma (Te ∼ 104K) pelo processo livre-livre e, portanto, a correspondente distorção, cuja amplitude ΔΥ11 ∝ n2e Te-1/2 ν-2 (Bartlett e Stebbins 1991). Uma detecção da assinatura livre-livre no espectro da RCF em baixas freqüências forneceria uma prova direta da fotoionização do meio intergaláctico pela radiação ultravioleta dos primeiros objetos colapsados.
O estudo da evolução do universo primitivo a partir das observações do espectro da RCF em baixas freqüências também implica em vínculos importantes para outros processos físicos, como a dissipação de energia por ondas gravitacionais e transições de fase. Por último, devemos mencionar que distorções espectrais decorrentes de potenciais químicos não-nulos podem ajudar a elucidar a natureza da matéria escura e o espectro de potência das flutuações de densidade no universo primitivo (Hu, Scott e Silk 1994).
Carlos Alexandre Wuensche - Criado em 2005-06-02