Mapeamento de intensidade
O estudo das BAO é reconhecido como uma das sondas mais poderosas das propriedades da energia escura. De acordo com o MCP, durante grande parte da história cósmica, a matéria dominou sobre outros componentes do universo, permitindo a formação de galáxias e estruturas em larga escala. Mas, vários bilhões de anos atrás, quando a matéria se tornou suficientemente diluída devido à expansão, a energia escura se tornou o componente dominante do universo, determinando sua expansão acelerada. As BAO, uma assinatura do universo jovem na distribuição da matéria, permite medir tal aceleração.
Uma maneira de restringir o valor dos parâmetros cosmológicos é medir as propriedades estatísticas da distribuição da matéria no Universo e compará-las com as previsões dos modelos teóricos. O problema reside no fato de que a distribuição da matéria total (escura+bariônica) não é diretamente observada, mas apenas sua componente luminosa (bariônica). Ou seja, nosso conhecimento depende da distribuição espacial de seus rastreadores, ou traçadores de matéria, como as galáxias, observadas, por exemplo, através da sua emissão, em raios X e HI. Isto porque, em larga escala, as propriedades de agrupamento dos traçadores de matéria se assemelham àquelas de matéria escura subjacente. A relação entre as flutuações de densidade de galáxias e de matéria escura é o fator b, chamado bias. A teia cósmica pode então ser mapeada com HI, que pode ser detectado no Universo, seja em absorção ou em emissão. Em absorção, ele pode ser detectado através da floresta Lyman-alpha (Ly-α): a luz de quasares distantes pode ser absorvida pelo HI cósmico, localizado em sua linha de visão, produzindo uma assinatura clara em seus espectros. Por exemplo, as propriedades de agrupamento da floresta Ly-α foram usadas recentemente para detectar o pico das BAO em z = 2,34 (de Sainte Agathe et al. 2008).
A emissão de 21 cm por HI cósmico pode ser detectada por radiotelescópios empregando duas técnicas diferentes. A primeira é detectar diretamente o HI nas galáxias. Infelizmente, acessar o universo em alto redshift com uma densidade de rastreadores alta o suficiente e em uma grande fração do céu é, no entanto, observacionalmente desafiador, pois o sinal emitido pelas galáxias fica mais fraco com a distância e sua detecção espectroscópica mais difícil. Neste sentido, a segunda técnica, o mapeamento de intensidade, emergiu como um meio promissor de mapear eficientemente o Universo a redshifts elevados. O mapeamento consiste em realizar observações em rádio de baixa resolução angular para medir a radiação integrada de 21 cm de grandes regiões do céu contendo muitas galáxias, sem resolvê-las individualmente (E. D. Kovetz et al. 2017). Para medir as oscilações, não é necessário detectar galáxias individualmente, mas apenas medir a variação da massa HI em grandes escalas. Um exemplo das diferenças e da complementaridade das duas técnicas pode ser visto na Figura 3.1.
Uma analogia familiar é o estudo de galáxias por meio de imagens de seu brilho superficial. Com exceção das galáxias mais próximas, os astrofísicos não detectam o sinal de estrelas individuais, mas a emissão ótica como um todo que as estrelas de um galáxia produzem. De fato, na maioria das imagens de galáxias, cada pixel representa a emissão de milhões de estrelas. Além disso, como a alta resolução angular não é necessária, a técnica de mapeamento de intensidade também é mais econômica do que os levantamentos tradicionais de galáxias.
Entre os traçadores propostos para utilização desta técnica, além da linha de 21 cm de HI, temos as linhas de rotação de monóxido de carbono (CO). Por exemplo, ao investigar a linha CO J = 0-1 integrada de muitas galáxias em uma faixa de redshift de 2 < z < 3, será possível fazer a primeira detecção, com uma alta razão sinal/ruído, do espectro de potência CO para restringir a formação estelar e os modelos de galáxias.
Simulações indicam que a técnica de mapeamento de intensidade HI fornecerá restrições muito precisas sobre parâmetros cosmológicos e, em particular, sobre a equação de estado de energia escura, tanto em redshifts baixos quanto nos altos (Chang et al. 2008). Em escalas grandes e lineares, o perfil de densidade HI se torna irrelevante, de forma que a amplitude e a forma do sinal são completamente especificadas pelo parâmetro de densidade ΩHI e pelo bias do traçador de hidrogênio neutro, bHI. No entanto, ainda que o campo HI seja mapeado de maneira contínua, o sinal é proveniente de fontes discretas, de forma que as estimativas da relação entre o sinal e o ruído de experimentos de mapeamento de intensidade de 21 cm também requerem conhecimento do número efetivo de rastreadores n, que na análise do espectro de potência geralmente são parametrizadas como um termo de ruído (shot-noise), PSN = n-1.
O BINGO mapeará a linha HI nas frequências 960 -- 1260 MHz, observando uma faixa de ∼ 15° do céu centrada em δ ∼ -15° com o objetivo de minimizar a contaminação galáctica, fornecendo assim, uma medição independente de BAO em comprimentos de onda de rádio e fornecerá restrições de parâmetros cosmológicos, entre eles a equação de estado da energia escura. Os dados de HI obtidos por diferentes redshifts nos permitirão construir um mapa tridimensional exclusivo da distribuição de massa. O telescópio será capaz de mapear uma grande região do céu (≈ 5000 graus quadrados) com uma sensibilidade de ± 0,1 mK por canal de 1 MHz. Isto permitirá a detecção de BAO com uma confiança > 5σ. Uma das considerações mais importantes para experimentos de mapeamento de intensidade HI é a remoção dos chamados foregrounds, emissões contaminantes do sinal HI (veja seção 8). Assim, a análise de dados deve incluir um algoritmo robusto de subtração dos foregrounds. Na banda de frequências do BINGO, os foregrounds mais relevantes são uma combinação de emissão galáctica, principalmente síncrotron, e aquela do fundo de fontes pontuais extra-galácticas.
Referências
- Chang T.-C., Pen U.-L., Peterson J. B., McDonald P., 2008, PASP, 100, 091303
- Kovetz E. D., et al., 2017, arXiv e-prints, p. arXiv:1709.09066
- de Sainte Agathe V., et al., 2019, A&A, 629, A85