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Nota de Pesar – Victor Py-Daniel, pesquisador aposentado do Inpa
Pesquisador se destacou nos estudos com simulídeos transmissores de filariose na Amazônia. Banner: Rodrigo Verçosa - Inpa
ciência amazônida perdeu mais um de seus pesquisadores para a Covid-19, na última terça-feira (22), em Brasília. O entomólogo gaúcho Victor Py-Daniel, 69 anos, era pesquisador aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI), onde desenvolveu importantes estudos de epidemiologia e etnoepidemiologia. Destaque para a transmissão de doenças tropicais causadas por insetos, os simulideos (Diptera), conhecidos como piuns e borrachudos, vetores da oncocercose, popularmente chamada de cegueira dos rios, e várias filarioses tropicais. Além disso realizou estudos das culturas indígenas, Yanomami e outras etnias, e como a doença está envolvida nas culturas desses povos. Py-Daniel foi o precursor do Programa para Eliminação da Oncocercose no Brasil.
Curioso desde criança, Py-Daniel aos seis, sete anos já ‘descrevia bichos e ciclos biológicos’, e direcionou seus estudos para a natureza viva. Graduou-se em Ciências Biológicas na Universidade de Brasília (UnB/ 1976), onde fez estágio no laboratório de Parasitologia do Dr Lobato Paraense, um expert da parasitologia tropical. Na sua caminhada conheceu outros grandes nomes da Zoologia, a exemplo de Walter Kempf (entomólogo), estruturou o curso e o laboratório de Zoologia da Universidade da Paraíba, onde passou dois anos. Em 1978, veio definitivamente para a Amazônia, “onde sempre quis viver e trabalhar”, segundo a pesquisadora Lucia Rapp Py-Daniel.
Aqui fez Doutorado no Inpa (1990), sem passar pelo Mestrado. Fundou o Laboratório de Etnoecologia e Etnoentomologia (Letep/ Cosas) e orientou diversos alunos do Inpa e da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), muitos deles “filhos acadêmicos” que continuam sua linha de pesquisa em várias instituições. Nos trabalhos de campo, alguns arriscados, contou com apoio de equipe técnica do Inpa altamente qualificada e bons companheiros, mas por várias vezes contraiu malária e hepatite. O professor que se tornou uma “escola” ainda hoje é lembrando por muitas comunidades indígenas, como do Médio Juruá.
Ao Dr. Py-Daniel fica a nossa gratidão e reconhecimento pela dedicação à ciência e à valorização da vida dos povos amazônicos. Aos familiares e amigos, nossas sinceras condolências neste momento de tão grande dor. Descanse em paz, Py-Daniel!
Colegas e amigos registraram a trajetória e lamentaram a morte de Victor Py-Daniel.
O Victor Py-Daniel nasceu no dia 8 de dezembro de 1951 em Rio Grande/RS, e faleceu no dia 22 de junho de 2021, em Brasília/DF. Ele iria completar 70 anos.
Sempre quis fazer Biologia. Formou-se na UnB em 1976, em Ciências Biológicas/Biologia Animal. Na UnB começou a estagiar no Laboratório de Parasitologia, do Dr. Lobato Paraense, um monstro na Parasitologia tropical. Depois, foi para o Laboratório de Zoologia na UnB, onde conheceu outros grandes nomes da Zoologia: Pierre Louis Dekeyser (herpetólogo e ornitólogo), Walter Kempf (entomólogo), Domiciano Dias (entomólogo) e foi contemporâneo na UnB do Spartaco Filho (Ufam), Bráulio Dias (MMA/UnB), dentre outros. Foi realizando saídas de campo na UnB que o Victor se encantou com o cerrado, de uma diversidade inesperada e sempre teve vontade de fazer do cerrado sua morada definitiva.
Assim que se graduou pela UnB foi contratado pela Universidade Federal da Paraíba, para montar o Laboratório de Zoologia e o curso em Zoologia. Passou dois anos lá e veio para a Amazônia, onde sempre quis conhecer e trabalhar.
Veio definitivamente para a Amazônia em 1978, a convite do Dr. Nunes de Mello (entomólogo) e trabalhou com Epidemiologia e Etnoepidemiologia por muitos anos. Ingressou na Pós-graduação do Inpa direto no Doutorado, nem precisou fazer o Mestrado. Doutorou-se em 1990, e sua tese foi Revisão da Tribo Prosimuliini (Diptera, Culicomorpha) nas regiões Zoogeográficas Neartica e Neotropical (larvas e pupas), sendo orientado pelo Dr. Paulo Friedrich Buhrnheim. Trabalhou com os Yanomami durante anos e com os simulídeos (Diptera), vetores da Oncocercose e várias filarioses tropicais. Trabalhou também com outros grupos indígenas, Kamayurá, Katukina das áreas do Japurá e Javari. No Inpa fundou o Laboratório de Etnoecologia e Etnoentomologia (LETEP/Cosas).
Orientou um grande número de estudantes do Inpa e da Ufam, sendo que vários dos seus estudantes continuam a sua linha de trabalho em diferentes instituições. O Victor se embrenhou em muitas expedições arriscadas, matas desconhecidas, e sempre teve como companheiros um pessoal técnico do Inpa de alta qualidade, Ulysses Barbosa, João Vidal, Elias Bindá, Luiz Aquino, o qual viajou muitas vezes com ele, Eliseu Júnior, Orlando Santos e Wanilze Barros. Por conta de suas expedições, o Victor contraiu malária diversas vezes, hepatites e arboviroses distintas. Foi o percursor no Programa de Eliminação da Oncocercose no Brasil
O Victor se aposentou em 2010 e veio para Brasília, para ficar mais perto das filhas e do seu querido cerrado. Foi morar na borda da Chapada dos Veadeiros, em São João da Aliança, mas manteve um contato na UnB onde continuou ministrando disciplinas e orientando alunos até antes da pandemia.
Para Py-Daniel, somos as únicas criaturas na face da terra capazes de mudar nossa biologia pelo que pensamos e sentimos.
* Dra. Lucia Rapp Py-Daniel, Pesquisa do Inpa.
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“Perdi o meu referencial na ciência, meu coorientador, meu amigo, meu pai e companheiro de vida. A ciência hoje também perdeu um grande pesquisador, um trabalhador incansável. O Inpa perde mais um pilar, um marco da filariose na Amazônia. Grande Py-Daniel, um gigante não só no tamanho, mas também no conhecimento. Vá em paz meu amigo, meu irmão, e que você seja a luz para todos aqueles que estão na escuridão dos conhecimentos científicos”.
*Ulysses Barbosa, Técnico do Laboratório de Entnoepidemiologia. Trabalhou por quase 40 anos com o Dr. Victor Py-Daniel.
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Há muitas métricas para avaliar o sucesso de um cientista. Aqui na Amazônia, passei a achar que o sucesso de um cientista também pode ser avaliado pela forma que ele é recebido por uma comunidade, a partir da segunda vez que ele chega a ela.
A primeira vez não vale muito, a comunidade pode estar apenas curiosa com os novos visitantes. Já a segunda, a recepção dependerá do sucesso das atitudes e amizades feitas na visita anterior.
Em todas as comunidades que tive o privilégio de ir com o Dr. Victor Py-Daniel, vi imagens como esta, registrada na Terra Indígena Kanamari do Médio Juruá, em 2005. Creio que a imagem e o sorriso dele e da comunidade mostra o sucesso por si só.
Dr. Victor não foi apenas um pesquisador, foi uma escola. Foi a minha primeira escola de Amazônia. No começo, ele me levou para Terras Indígenas Yanomami, Tikuna, Kanamari, Kulina. Com o tempo, consegui seguir sem ele, mas sempre com os seus ensinamentos em mente. Conheci muitas outras comunidades, mas ainda não subi ou desci um rio sequer na Amazônia que, ao falar que era do Inpa, alguém não me perguntasse se eu conhecia o Dr. Py-Daniel, ao dizer que sim um sorriso se abria e me acolheram com um carinho especial.
Hoje estou me despedindo desse homem, cientista e amigo de SUCESSO que as sequelas da Covid-19 nos leva. Dr. Py-Daniel gratidão eterna por tudo que me ensinou. Meus sentimentos a toda família e demais amigos e amigas.
* Dra Noemia Ishikawa, pesquisadora do Inpa.