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Seminários da Amazônia discutem intensificação do ciclo hidrológico na Bacia Amazônica
Jochen Schöngart realizou a primeira palestra da retomada dos Seminários da Amazônia. Foto: Pedro Felipe
Secas e cheias recordes dos rios se tornaram frequentes na Amazônia neste século. A mudança no ciclo hidrológico da maior hidrobacia do mundo abriu o ciclo de debate sobre eventos extremos climáticos na Amazônia no retorno periódico dos Seminários da Amazônia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI). Interrompido pela última vez durante a pandemia, o tradicional evento é um espaço de debates e diálogo sobre temas relevantes para a ciência e o desenvolvimento sustentável da Amazônia.
O pesquisador do Inpa, Jochen Schöngart, proferiu a palestra “A mudança do ciclo hidrológico na Bacia Amazônica: causas, impactos e implicações para o desenvolvimento sustentável”. Em conversa com pesquisadores e estudantes da pós-graduação, Schöngart apresentou um panorama dos índices de eventos extremos de cheia e seca da Bacia Amazônica, suas causas e seus impactos.
Segundo Schöngart, a partir da análise de dados hidrológicos de Manaus dos últimos 120 anos, houve uma intensificação significativa dos ciclos de cheias e essa mudança aumentou em pelo menos um metro o nível da água do Rio Negro, diariamente registrado no porto de Manaus desde setembro de 1902. Outra característica da magnitude na mudança do ciclo das águas amazônicas é que nos últimos 30 anos a amplitude anual, diferença entre os níveis máximos e mínimos anuais, aumentou por 1,5 metro em comparação com o período anterior, 1903 -1989.
“Também é observado um aumento da magnitude e frequência secas extremas nos últimos 30 anos, que resultou na maior seca hidrológica registrada dos últimos 120 anos. Essa intensificação do ciclo hidrológico é resultado da formação persistente de um dipolo climático entre a região norte e sul da Bacia Amazônica durante as últimas décadas. Enquanto a precipitação da estação chuvosa aumentou na região norte, a estação seca se intensificou no sul da Amazônia”, explica Schöngart. .
“Se analisarmos os mais de 120 anos de dados disponíveis do porto de Manaus, observamos mudanças drásticas do ciclo hidrológico que podemos caracterizar como uma intensificação desse ciclo. O nível médio da água aumentou um metro em 120 anos”. Segundo o pesquisador, esse aumento é explicado pelo aumento das cheias extremas ocorridas nas últimas décadas. “No século XX, houve nove eventos de cheias extremas. No período entre 2009 a 2022, já tivemos esse mesmo número de cheias extremas do século anterior, e nessa janela temporal de 14 anos ocorreram as quatro maiores cheias do registro”.
Essas alterações no ciclo de cheias dos rios, além da tendência a alcançarem níveis cada vez maiores, afetam diretamente o modo de vida da população local, já que os rios têm grande relevância para as cidades em vários aspectos, como o econômico e o logístico. Schöngart destaca que o cultivo de plantas típicas da amazônia, como a mandioca e macaxeira, assim como a pecuária, são fortemente impactados, gerando insegurança alimentar na região.
“As subidas e descidas regulares das águas determinam as atividades socioeconômicas das populações ribeirinhas que vivem majoritariamente nas áreas alagáveis, na várzea. Muitas culturas não chegam mais ao ponto de amadurecer por causa do aumento das inundações, muitas árvores frutíferas morrem e isso compromete fortemente a segurança alimentar [da população]”, explica o pesquisador.
Dados apresentados por Schöngart indicam que o século XXI tem sido de emergências causadas por eventos climáticos extremos relacionados à subida e descida do nível dos rios. A situação de emergência causada pelas cheias extremas (cota maior que 29,0 metros no Porto de Manaus) já é 29% maior em comparação com todo o século XX. “Oito por cento do século atual é caracterizado como situação de emergência causada por cheias e secas extremas. Isso quer dizer que a cada décimo terceiro dia é um dia de situação de emergência”, pontua.
Esses eventos extremos climáticos causam diversos impactos sociais, ecológicos, ambientais, dentre outros, e as consequências podem ser observadas tanto na Amazônia quanto em outras regiões do país das mais diversas formas, já que os serviços ecossistêmicos da floresta Amazônica são globais, como a regulação das chuvas.
O pesquisador do Inpa enfatiza que essas alterações no ciclo hidrológico e seus impactos desafiam a sociedade em geral e as políticas públicas. Alguns dos impactos são as perdas econômicas, aumento da emissão de gases de efeito estufa, isolamento de comunidades e cidades, deslizamentos de terras e dificuldade de serviços públicos básicos.
A redução dos efeitos dessas mudanças nos ciclos hidrológicos da Bacia Amazônica deve ser feita em vários níveis e coletivamente, segundo Schöngart. “Pela comunidade internacional, é essencial reduzir a emissão de gases de efeito estufa. Os países amazônicos precisam fortalecer as áreas protegidas que integram as terras indígenas e unidades de conservação, recuperar áreas degradadas, zerar o desmatamento e queimadas e ter um desenvolvimento sustentável baseado na ciência. E a ciência como um serviço público tem que ser integrada na formulação das políticas públicas, o que muitas vezes não acontece de maneira suficiente”.
Seminários da Amazônia
Realizado no Inpa desde a década de 1970, os Seminários da Amazônia se constituem num espaço de diálogo e debate sobre temas que envolvem a Amazônia e pesquisas científicas. Os Seminários acontecerão duas vezes por mês, às 16h, no Centro de Convivência, campus 1 do Inpa. A nova fase está organizada em ciclos temáticos, priorizando a apresentação de cientistas da própria instituição.
O diretor do Inpa, Henrique Pereira, relembrou a importância histórica do evento para a comunidade, para sua própria formação como mestrando em Ecologia, na década de 1980, e o pioneirismo do Instituto na realização dos Seminários da Amazônia, enfatizando o papel de socializador do conhecimento produzido sobre a região durante sua história.
“Durante mais de três décadas, o Seminário atua como uma janela para o mundo oferecendo inspirações valiosas sobre oportunidades e desafios enfrentados na Amazônia. É uma plataforma para divulgação não apenas de descobertas científicas mais recentes, mas também das vozes das comunidades locais e indígenas cujo conhecimento tradicional é fundamental para nosso entendimento e conservação da região”, ressaltou o diretor.
Programação
Os próximos Seminários da Amazônia já têm data marcada. No dia 23 de maio, o tema abordado será “Efeito das secas sobre a mortalidade de árvores na Amazônia”, ministrada por Adriane Esquivel-Muelbert da Universidade de Birmingham.
Dividido em ciclos temáticos, os Seminários da Amazônia poderão gerar a publicação de artigos sob encomenda para a revista científica multidisciplinar do Inpa, Acta Amazonica.
“Esperamos que os Seminários da Amazônia sejam um espaço onde a gente aprenda mais, tome mais consciência sobre os problemas que acontecem aqui na região. Nesse primeiro ciclo escolhemos a temática dos eventos extremos porque é uma questão transversal. Ela passa por todos os setores e nós estamos vivendo isso. Temos que saber mais sobre e estar preparados, porque sabemos que a probabilidade de acontecer eventos extremos novamente em prazos mais curtos é bastante grande”, ressalta a pesquisadora do Inpa Vera da Silva, líder do Laboratório de Mamíferos Aquáticos (LMA).
Silva é uma das três cientistas do Inpa à frente da organização dos Seminários da Amazônia. As outras pesquisadoras são, Flávia Costa, coordenadora do sítio 1 do Projeto Ecológico de Longa Duração (Peld) e Ana Carla Bruno, líder do Grupo de Pesquisa História, Língua e Cultura Indígena.