Notícias
1º Workshop Brazil Verde discute sobre saúde dos povos originários e comunidades negligenciadas
O evento contou com a participação de cientistas de diferentes partes do mundo e representantes de órgãos de saúde - Foto: Wyrison de Freitas
Formas para promover a saúde às populações indígenas e a ciência e inovação como ferramentas para facilitar o acesso à saúde em comunidades tradicionais foram alguns dos assuntos discutidos durante o 1º Workshop Brazil Verde, realizado no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI). O evento contou com a participação de cientistas de diferentes partes do mundo e representantes de órgãos de saúde.
O evento aberto ao público, contou com a presença de líderes e ativistas indígenas, representantes de entidades de saúde e proteção de povos tradicionais e pesquisadores nacionais e internacionais com experiência no assunto.
A coordenadora de vigilância e saúde da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), Adriana Pontes, palestrou sobre as principais doenças que ocorrem nas áreas indígenas e as principais atividades da Sesai no combate a essas doenças e ressaltou a importância do Workshop Brazil Verde para promover saúde nessas regiões.“Esses momentos, servem para a gente poder nortear algumas ações nossas, identificando onde é que está ocorrendo maior prevalência, ocorrência de algumas doenças e onde a gente precisa intervir. Então, esse momento aqui é importante não só para a gente acompanhar as apresentações do que eles estão trazendo de resultados, mas de a gente também apresentar a nossa vigilância, nossa gestão, nosso serviço, de como a gente vem atuando na área”, afirma.
Adriana diz ainda, que discutir sobre as doenças que afetam as regiões indígenas é fundamental para eliminar e evitar o adoecimento dos povos originários.
“Existem várias doenças aí que eu apresentei que elas podem ser eliminadas. Há muitos anos existem esses trabalhos de vigilância, de atenção às populações para o controle e eliminação. Então aqui é importante a gente mostrar o que a gente já avançou no processo de controle e eliminação de doenças e o que a gente precisa ainda fazer para alcançar a eliminação, evitar adoecimento, evitar incapacidades e evitar a morte da população”, frisa.
André Baniwa, coordenador-geral de Promoção da Cidadania do Ministério dos Povos Indígenas, falou sobre a importância de respeitar e valorizar o conhecimento tradicional indígena, especialmente em relação à saúde das comunidades. "Nosso povo possui conhecimentos ancestrais que têm sido utilizados há centenas de anos para tratar diversas doenças em nossas comunidades. Infelizmente, esse conhecimento não é valorizado. A pajelança, por exemplo, é vista de forma negativa pelos não indígenas”, comenta.Baniwa destaca ainda a importância em encontrar meios para que a ciência e os saberes ancestrais caminhem juntos e em respeito. “É necessário encontrar uma forma de integrar ambos os saberes. A ciência precisa dialogar com o nosso conhecimento tradicional de maneira respeitosa. Em vez disso, nosso saber é frequentemente apropriado sem crédito ou reconhecimento para a nossa população. Nós somos negligenciados", ressalta.
Ainda durante o Workshop, a professora e pesquisadora Sue Ann Clemens,CBE (Commander British Empire, honraria concedida pela rainha), professora titular de Saúde Global na Universidade de Oxford, apresentou uma palestra sobre como a ciência e a inovação podem ser usadas como ferramentas para facilitar o acesso à saúde em comunidades tradicionais. Clemmens foi responsável por coordenar estudos clínicos com a vacina da Oxford (AstraZeneca) no Brasil, durante a Covid-19 e falou um pouco do processo de vacinação em alguns países desenvolvidos e em desenvolvimento.
De acordo com a pesquisadora, durante a pandemia, o Brasil teve a oportunidade de auxiliar países sobre o sistema de vacinação em massa, uma vez que o Brasil já tem essa facilidade devido ao Sistema Único de Saúde (SUS). “Eu mesma participei no comitê de mobilização de vários países na Europa, onde eles não sabiam o que fazer com uma vacinação em massa, Alemanha, França, até mesmo no Japão, eles tiveram um problema sem saber o que nós sabemos aqui [no Brasil] muito bem com os nossos filhos. Então, eu acho que o mundo está aprendendo com isso”, frisa.Clemens ressalta a importância de adaptar vacinas às realidades locais de diferentes países,e explica o que leva alguns países a não terem vacinação em massa, fatores como o acesso desigual e problemas de armazenamento afetaram a distribuição das vacinas, especialmente em países em desenvolvimento. “Não adianta a gente desenvolver, registrar o produto, ter 90% de eficácia, e esse produto não chegar nos nossos braços ou no braço da população que precisa. Até hoje a Eritreia tem menos de 2% da população vacinada contra a Covid. Não distante, a vacina de malária foi lançada no mesmo ano e todos correram para tomar a vacina. Então, não é que eles são anti-vax, é o nosso dever entender o porquê que eles não se vacinaram contra a Covid, que devastou o mundo, e eles foram correr para se vacinar contra a malária. Então, é isso que a gente está fazendo aqui”, enfatiza.
Sue aponta ainda que o Brasil precisa acelerar os processos regulatórios para vacinas e tratamentos, e cita que durante a pandemia, o Brasil ficou atrás no cenário global de pesquisa, em comparação a outros países, pois têm processos regulatórios mais longos em comparação com outros países. “ Isso nos tirou do cenário mundial e nós voltamos por todo o talento e força, mas se os tempos regulatórios nos impedirem, a gente vai sair do cenário novamente”, comenta.Abordando as mudanças climáticas, a pesquisadora alertou para o fato de que o aumento das temperaturas interfere diretamente na alteração dos padrões ambientais que têm contribuído para o aumento de doenças infecciosas, como dengue e malária, além de afetar a segurança alimentar, uma vez que a crise climática afeta também a qualidade da água e do ar. “Esses problemas aumentam as doenças respiratórias, alergias, dermatites, diarreia por cólera, além de agravar a insegurança alimentar, o que leva a fome, desnutrição, e com isso, a gente gera um colapso no nosso sistema de saúde.Como consequência, há uma sobrecarga no nosso sistema de saúde, que já enfrenta dificuldades. Com o aumento de doenças e condições associadas, o sistema entra em colapso, algo que já estamos presenciando”, pontua.
O evento que visa conscientizar, debater e apresentar soluções para os principais desafios de saúde enfrentados pelas comunidades tradicionais amazônicas, discutiu as formas de promover saúde para as populações indígenas com foco em doenças infecciosas negligenciadas.
A iniciativa é promovida pelo Inpa em parceria com a Universidade Imperial College London e conta com o apoio do Programa Amazônia +10, do British Council, além da participação do Global Health Hub.
O pesquisador do Inpa Gemilson Pontes é um dos coordenadores do evento pela parte do Brasil e a pesquisadora Carolina Rosadas pela parte da Imperial.