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Crueldade
Monitoramento de vídeos revela que criadores de conteúdo digital lucram com práticas abusivas em animais
A violência contra animais tem sido usada como prática de entretenimento nas redes sociais, gerando, inclusive, lucro. Um estudo inédito publicado recentemente na revista “Biological Conservation”, realizado de abril de 2022 a julho de 2023, revela que criadores de conteúdo digital lucraram em torno de 1,14 milhão de dólares com abusos contra animais em vídeos patrocinados. A pesquisa mostra, ainda, que os mecanismos de remoção de conteúdo abusivo das plataformas digitais não são eficientes — vídeos deste tipo somam mais de 880 milhões de visualizações.
O trabalho, liderado pelo biólogo Antonio Carvalho enquanto trabalhava no Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA), em parceria com pesquisadora do INMA Thamyrys B. Souza, mapeou mais de 50 horas de 411 vídeos de abusos contra animais no Youtube de 39 países entre abril de 2022 e agosto de 2023. A equipe de pesquisadores classificou as cenas de crueldade e as espécies de animais envolvidas, checando seus status de conservação na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional Para Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN).
Animais de mais de 96 espécies aparecem sendo maltratados nos vídeos analisados. Além de gatos e cachorros, 68 das espécies são de animais silvestres como botos-cor-de-rosa, capivaras, tigres, tartarugas, peixes, macacos e sapos. Alguns constam na lista de espécies vulneráveis ou criticamente ameaçadas de extinção, caso do boto cor-de-rosa (Inia geoffrensis), cujo habitat é a região amazônica. Cerca de 65 espécies que aparecem nos vídeos são alvo de comércio internacional de animais e protegidas pela Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Silvestres Ameaçadas da Fauna e da Flora (CITES), acordo internacional entre governos que visa garantir que o comércio internacional de espécimes de animais e plantas silvestres não ameace sua sobrevivência.
O conteúdo monitorado inclui cenas de crueldade como caça com equipamentos violentos, esmagamento de animais para prazer sexual, resgates encenados, abates para festivais religiosos e comerciais e exposição de animais silvestres no turismo de selfies e como pets — as duas últimas classificadas como práticas de sofrimento oculto. “Influenciadores digitais são vistos como especialistas por muitas pessoas e seus maus exemplos fazem com que atividades ilegais sejam replicadas”, alerta Carvalho.
Os pesquisadores também analisaram o nível de engajamento e o tipo de anunciante dos conteúdos. Com uso de uma ferramenta que calcula valor de marketing para influenciadores, eles fizeram uma estimativa da monetização em dólares gerada pelas visualizações do material. A categoria de conteúdo que mais gerou monetização foi a de vídeos de uso de animais silvestres como pets, que somam lucro de cerca de 730 mil dólares.
Os vídeos com sofrimento visível tiveram quase 360 milhões de visualizações e algumas dessas produções estão disponíveis desde 2006. Segundo comenta Carvalho, em alguns vídeos, os produtores de conteúdo incentivam crianças a maltratar animais, com experiências com sal em sapos e a destruição de ninhos de vespas, o que pode ser perigoso. “É perturbador saber que alguns adultos estão dispostos a incentivar a violência em seus próprios filhos para ganharem curtidas e seguidores”, lamenta.
Foram identificadas, também, mais de 155 empresas anunciantes nos vídeos – algumas delas com histórico relacionado a campanhas eco-friendly e pet-friendly. “Muitas empresas anunciantes conhecidas pelo compromisso com a sustentabilidade estão alheias à conexão de sua imagem com vídeos de crueldade com animais”, relata a pesquisadora Thamyrys Souza, coautora do estudo.
Carvalho espera que o estudo possa servir de alerta para anunciantes que financiam essas produções e possa embasar, também, medidas legais punitivas contra os abusadores de animais. Durante o monitoramento, somente 70 vídeos foram removidos pelo Youtube por violar as políticas contra violência da plataforma, ou seja, a maioria continua circulando.