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Depois de 160 anos de ‘silêncio’, pesquisadores descrevem o coaxo da rãzinha-verrucosa
Macho cuja gravação foi utilizada no estudo recém publicado. Foto: João Victor A Lacerda
A rãzinha-verrucosa (Ischnocnema verrucosa), espécie exclusiva da Mata Atlântica, é conhecida desde 1862. Entretanto, nesses 161 anos, não havia informações sobre o seu coaxo. Agora, a vocalização da pequena espécie, que tem cerca de 2,5 centímetros, foi descrita pela ciência, em estudo publicado no dia 1 de março, na revista científica britânica “The Herpetological Bulletin”.
Rãzinha-verrucosa ocorre apenas em algumas áreas isoladas do Espírito Santo, regiões leste de Minas Gerais e sul da Bahia. O pequeno anfíbio habita o chão das florestas, escondido entre folhas, sob troncos, raízes e pequenas tocas.
Em 2019, durante pesquisa de campo na cidade de Santa Teresa, região serrana do Espírito Santo, pesquisadores do Projeto Bromélias, realizado em parceria pelo Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA) e pelo Instituto Marcos Daniel (IMD), ouviram um som bastante atípico. Intrigados, depois de alguns dias de busca, finalmente, encontraram e tiveram certeza de quem eram os pequenos “cantores” – machos da rãzinha-verrucosa. Após a busca na literatura, constataram que, de fato, era um achado inédito, e convidaram outros especialistas, pesquisadores da Universidade Federal de Goiás e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, para divulgarem a recém-descoberta.
“Depois de 160 anos de ‘silêncio’, enfim conhecemos a voz da rãzinha-verrucosa”, comemora João Victor Lacerda, pesquisador do INMA e um dos autores do artigo. Santa Teresa, cidade capixaba onde foi feita essa descoberta, destaca-se mundialmente pela riqueza de anfíbios, com mais de 100 espécies conhecidas somente para o município. "É importante destacar que muitas delas só ocorrem na região graças a existência de florestas bem preservadas e protegidas", explica Lacerda.
Abaixo, confira a entrevista com o pesquisador.
Por que conhecer o canto de uma rãzinha que habita o chão da mata?
Os anfíbios – sapos, rãs e pererecas – comunicam-se principalmente pelo canto. Comumente, os machos cantam em contexto reprodutivo para atrair fêmeas ou delimitar seu território em relação a outros machos. Na maioria das espécies, só quem canta é o macho adulto. Fêmeas e jovens não costumam coaxar. E o mais interessante é: cada espécie costuma ter seu canto único, só dela! Graças a essas características, muitas vezes, os pesquisadores não precisam ver uma espécie para saber que ela ocorre numa região, basta ouvi-la cantar. Assim, conhecer o canto de uma espécie é um grande achado para a conservação e proteção da espécie, já que os pesquisadores passam a ser capazes de identificar sua ocorrência em novas áreas e monitorar populações já conhecidas através, apenas, do seu canto.
Como é feita a descrição de um canto?
Algumas espécies possuem canto mais agudo (fino), outras mais grosso (grave). Algumas emitem apenas um piadinho (cantos curtos), outras possuem cantos longos e demorados. Algumas cantam bem baixinho, outras podem ser ouvidos a centenas de metros de distância. Algumas cantam assoviando, outras “trinam” feito grilos e cigarras... e por aí vai. Na prática, os cientistas recorrem a softwares especializados que são capazes de atribuir valores precisos a cada uma dessas características, como: frequência em hertz (Hz), duração em milissegundos, variação de intensidade (altura do som) e estruturação do canto como um todo. Feito isso, os valores são meticulosamente analisados, apresentados em forma de tabelas e gráficos, e comparados aos de outras espécies já conhecidas.
Os anfíbios sempre se reproduzem em água?
Nem todas as espécies de anfíbios reproduzem-se em corpos d´água, como poças, brejos e riachos. A rãzinha-verrucosa, por exemplo, deposita seus ovos em áreas umedecidas do chão da mata. Deles, não eclodem aqueles girinos nadadores que boa parte das pessoas conhece, mas sim filhotinhos já com o formato do corpo semelhante ao dos adultos.