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Vinhos finos produzidos por assentados em Encruzilhada do Sul (RS) ganham mercado nacional
Alto valor agregado da vinícola Pedras da Quinta inicia nos parreirais conduzidos por Olívio Maran. Fotos: Incra/RS
Localizado em uma região vinícola proeminente no Rio Grande do Sul, o assentamento Da Quinta desponta na produção de uvas finas, além de vinhos típicos e emblemáticos no município de Encruzilhada do Sul (RS). O local abriga um empreendimento voltado ao mercado de alto valor agregado, com espaço na carta de vinhos de um dos hotéis mais famosos do país. Ao mesmo tempo, a família vizinha aposta na vinificação com mínima interferência humana para conquistar outro tipo de público.
A primeira experiência foi idealizada pelo assentado Olívio Maran, entusiasta da bebida. “Sempre gostei de trabalhar com vinho. Em 2015 quis fazer um pouco para o gasto, ver como ficava. As uvas de Encruzilhada eram boas, usei barricas de carvalho e deu certo”, conta. Há quatro anos, a experiência consolidou-se na vinícola Pedras da Quinta Vinhos Autorais, em referência ao afloramento rochoso existente no lote.
“Desde os nossos rótulos de entrada até os de alta gama, todos têm foco na qualidade; todos com garrafas numeradas, produções pequenas, aproveitando o máximo do terroir (qualidades específicas) de Encruzilhada do Sul”, relata o sócio, Diogo Durigon. Conforme o empresário, um dos pilares da iniciativa Pedras da Quinta são as uvas cultivadas com perfeccionismo por Maran.
A etapa de vinificação busca explorar as potencialidades da matéria-prima empregando técnicas como maior tempo de maturação, sangria – na qual parte do líquido é descartada e o restante fica concentrado em 100% das cascas, e as melhores barricas possíveis, normalmente feitas com madeiras francesas e norte-americanas.
O projeto gera de 12 a 15 mil garrafas por ano com o objetivo de chegar a 30 mil. Atualmente, 5,5 mil litros são mantidos em 25 barricas, além dos outros tipos de processamento. A comercialização ocorre por encomenda via contato direto, eventos, restaurantes, pontos de venda de parceiros e redes sociais.
Durante uma feira do setor, em setembro de 2023, a empresa foi aprovada no pequeno grupo de vinícolas brasileiras presentes no hotel Copacabana Palace, do Rio de Janeiro. Os rótulos escolhidos pelo sommelier do estabelecimento foram o Pedras da Quinta Rare Blend Tannat e Pedras da Quinta Collection Chardonnay, com primeira remessa realizada em janeiro deste ano.
A porção agrícola da iniciativa ocupa 15 dos 18 hectares do lote com as variedades chardonnay, pinot noir, tannat, marselan, syrah, malbec, cabernet sauvignon, merlot e moscato canelli. A lavoura segue espaçamento adensado de 2,15 metros entre as fileiras por 1,2 metro entre as plantas. Esta opção aumenta o custo de implantação e de manejo, mas garante produtividade acima do comum, de até 18 toneladas por hectare. A colheita anual atinge até 200 toneladas – com possível quebra nesta safra por conta das condições climáticas desfavoráveis. Aproximadamente 20 toneladas são reservadas para os vinhos Pedras da Quinta e o restante é vendido para outras processadoras.
Planos
Parte da vinificação e do envase ocorrem em uma indústria localizada em Garibaldi (RS), a 230 quilômetros de Encruzilhada do Sul, nos equipamentos e barricas de carvalho já adquiridas pela Pedras da Quinta. A intenção é, no futuro, realizar a vinificação no local, para que o vinho saia pronto da propriedade. A proposta de ampliação inclui pousada e restaurante.
Além de facilitar a vinificação, as mudanças gerariam novas oportunidades de trabalho e renda. Atualmente, os parreirais proporcionam seis empregos fixos e absorvem 50 trabalhadores eventuais com carteira assinada.
Maran revela que o intuito depende de energia elétrica trifásica – solicitada pelo Incra à concessionária – e da titulação do lote. “Até hoje investi o que tinha na vinícola, nunca peguei dinheiro no banco para o projeto dos vinhos. Quando eu tiver o título, posso dar a terra como garantia e fazer financiamentos maiores”, prevê.
Vinho artesanal
Dos vinhedos de Maran é possível avistar o pomar da família Mendonça em migração para as uvas finas. São cinco hectares implantados das variedades chardonnay e merlot, e outros dois de castas americanas que serão substituídos por marselan em 2024. A meta é atingir 11 hectares com videiras de origem europeia nos próximos quatro anos.
“Fizemos a transição porque a mão-de-obra exigida pela uva de mesa é maior. Na vinífera, a mecanização fica mais fácil”, explica o assentado Orocildo Caresia Mendonça. No lote de 18,5 hectares, ele e um irmão são responsáveis pelo parreiral, o pai e a mãe atuam na produção de leite e amoras, e a cunhada mantém um quiosque à margem da rodovia RSC-471. Além disso, Orocildo presta serviço de enxertia na região.
Conforme o agricultor, o lucro alcançado pela vinha depende de fatores como qualidade da safra, objetivo (vinificação, suco ou consumo in natura), forma de entrega e distância da indústria. Cada hectare produz de 12 a 25 toneladas – relativas às variedades viníferas e americanas, respectivamente. Isso significa rendimentos com variação entre R$ 60 e R$ 140 mil brutos e custos na casa de R$ 30 mil.
Praticamente toda a uva dos Mendonça é escoada via cooperativas. Um pequeno volume é vinificado de maneira artesanal e vendido exclusivamente no lote. “O maior público é de famílias que passam pela estrada”, comenta. Este ano, o clima irregular reduziu a atividade de 4 para 1,5 mil litros.
O processo inicia com a seleção de mudas certificadas – importadas da Itália e algumas adquiridas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) – e busca constante pela sanidade na lavoura. Uma das prioridades na agroindústria é a higiene, seguida por tecnologias que não se sobreponham às características das uvas. A família não adiciona leveduras nem açúcares, assim como opta pela decantação em lugar da filtragem. As pipas são selecionadas e mantidas sempre cheias pois “é o ar que degrada o vinho”, explica o agricultor.
O resultado é uma bebida fiel à matéria-prima disponível. “Interferimos o mínimo possível no processo para a uva expressar a vontade dela”, conta Orocildo.
Contexto
Encruzilhada do Sul fica na Serra do Sudeste, considerada um dos quatro polos vitivinícolas do Rio Grande do Sul ao lado da Campanha, Serra Gaúcha e Campos de Cima da Serra. O setor começou a profissionalizar-se na região no início deste século, impulsionado pela chegada de grandes vinícolas atraídas por facilidades encontradas no local. O Censo Agropecuário de 2017 identificou 450 hectares dedicados a parreirais convivendo com outras frutas beneficiadas pelo clima local, como amora, maçã e azeitonas.
Conforme o escritório regional da Emater, esta abrangência pode ter aumentado desde então e certamente inclui assentados. Um levantamento rápido com apoio dos agricultores aponta cerca de 28 hectares de videiras americanas e europeias no assentamento Da Quinta.
O pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, de Bento Gonçalves (RS), Celito Guerra, fornece pistas para compreender a expansão do segmento na Serra do Sudeste. Segundo ele, a região apresenta temperaturas relativamente amenas com verões quentes e secos apropriados à maturação completa das uvas, que sofreriam com umidade excessiva nesta fase. Apesar de variações, solos profundos de origem granítica basáltica favorecem a produtividade, ao mesmo tempo em que o relevo suave permite mecanização das lavouras.
O encontro de elementos proporciona características singulares às uvas e influencia o resultado dos vinhos em termos de aroma, acidez, alcoolicidade e outras particularidades. “Se degustar, tu sentes as diferenças (de procedências)”, informa. O enólogo salienta que o conjunto de atributos é complementado por variáveis locais como a cultura e as tradições de vinificação para estabelecer certa identidade sintetizada no conceito de terroir.
Cabe aos produtores desenvolver um arranjo entre ingredientes e técnicas para atingir os objetivos pretendidos, lembrando que a vinificação pode caminhar em direções díspares como os vinhos de guarda maturados, ou os jovens com vida útil mais curta.