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Direito à terra
Tocantins tem primeira comunidade quilombola titulada
Famílias conquistaram direito de permanecer nas terras da comunidade Ilha de São Vicente, formada em 1888. Foto: Incra/TO.
Passados 135 anos desde a formação da comunidade quilombola Ilha de São Vicente, em Araguatins (TO), os descendentes de escravizados que vivem e preservam suas raízes no local enfim tiveram um direito fundamental garantido. No dia 25 de novembro (sábado), receberam do Incra o título da terra, tornando Ilha de São Vicente o primeiro território quilombola titulado no Estado do Tocantins.
Para simbolizar o desfecho tão aguardado, as crianças do lugar entregaram o documento nas mãos dos anciãos, durante cerimônia realizada na área. O ato foi dedicado aos ancestrais do quilombo, que morreram sonhando com a regularização.
O título havia sido assinado pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, cinco dias antes, em solenidade no Palácio do Planalto na qual se celebrou o Dia da Consciência Negra.
O documento, emitido em nome da associação comunitária, dá direito ao uso da terra e não permite a venda, continuando, assim, a lógica de ocupação do espaço por diferentes gerações. O território é circundado pelo Rio Araguaia, na região do Bico do Papagaio, e abriga 70 famílias.
“A história do quilombo começa em 1888, no Brasil Colônia, os meus ancestrais já estavam na Ilha quando a Lei Áurea foi assinada. Não vamos deixar isso acabar, não vamos deixar ninguém tirar a gente”, ressaltou o morador Júnior Barros, ao revelar que a titulação foi apenas o início de uma vitória.
“Só ficamos tristes pois muitas pessoas que batalharam por isso já não estão mais aqui. Partiram”, afirmou, ao lembrar, entre outros, do tio, o patriarca e líder da comunidade, Salvador Batista Barros, e da irmã, a educadora Fátima Barros. Ambos eram engajados na luta pela permanência e denunciavam ameaças sofridas em razão disso.
Salvador Barros faleceu em 2017, aos 80 anos. À época, tentava derrubar liminar favorável a um fazendeiro, em ação de despejo. Fátima Barros era liderança de projeção nacional. Foi defensora da causa quilombola em todo o país. Morreu vítima da covid-19, em 2021.
“Fátima Barros, presente! Salvador Barros, presente!”, disseram, em coro, os participantes da cerimônia.
“Mesmo que, às vezes, a gente passe despercebido, invisível aos olhos de muitos, vamos buscar nossos direitos. As nossas conquistas vêm quando a gente tem disposição, coragem e está sempre no lado certo, indo pelos caminhos que a Justiça nos faz trilhar”, enfatizou Júnior Barros.
Segurança
O superintendente regional do Incra/TO, Edmundo Rodrigues Costa, destacou a importância do momento e indicou, como próximo passo a ser tomado, a reintegração de posse visando à retirada de não quilombolas.
“A nossa preocupação agora é garantir a segurança das famílias que estão constantemente sendo ameaçadas. O título é uma parte do processo e este finaliza com a área sendo retomada pelo Incra para as famílias poderem trabalhar e viver com tranquilidade e dignidade”, pontuou Costa.
Júnior Barros confirmou o temor. “Estamos muito felizes, mas, ao mesmo tempo, muito preocupados devido a essa questão. Fica registrado esse pedido de ajuda e falo também em nome de todas as comunidades quilombolas do Brasil.”
O advogado Cristian Ribas, assessor jurídico da Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins (COEQTO), reiterou a necessidade de atuação institucional diante dos casos apontados.
Os remanescentes do quilombo tiveram a chance de expor os receios e entregaram pedido formal de proteção aos órgãos presentes. Ouviram os relatos, entre outros, a diretora do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Cláudia Maria Dadico; o coordenador-geral do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários do ministério, Carlos César D’Elia; a diretora da Câmara de Conciliação Agrária do Incra, Maira Coraci Diniz; e o conciliador agrário do Incra/TO, Geraldino Gustavo de Queiroz Teixeira.
A equipe recebeu prints relacionados a uma campanha de difamação contra a comunidade. Os ataques virtuais de cunho racista se intensificaram depois da notícia da titulação.
O MDA fez, ainda, vistorias, e constatou a ocorrência de desmatamento ilegal, como no local onde ficava a árvore símbolo do território: um estoupeiro centenário. Ele era protegido pelos moradores, mas acabou sendo derrubado por invasores, em fevereiro deste ano.
Além do Incra, do MDA e da COEQTO, fizeram parte do evento representantes da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), da Secretaria de Povos e Comunidades Tradicionais do Tocantins e da Polícia Federal.
Saiba mais sobre o processo de regularização quilombola realizado pelo Incra em https://www.gov.br/incra/pt-br/assuntos/governanca-fundiaria/quilombolas.