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Regularização
Rio Grande do Sul tem quatro comunidades quilombolas reconhecidas
Famílias do Anastácia tiveram área de 64 hectares declarada. Foto: Incra/RS
No mês da Consciência Negra, quatro comunidades quilombolas no Rio Grande do Sul tiveram seus limites territoriais declarados pelo Incra: Linha Fão, com 168 hectares, no município de Arroio do Tigre (RS); Família Fidélix, com 4,5 mil m² em Porto Alegre; Anastácia, com área de 64 hectares, em Viamão (RS); e Arnesto Penna, com 264 hectares, em Santa Maria (RS). As portarias de reconhecimento foram publicadas no Diário Oficial da União em 20 de novembro.
O ato é a etapa do processo de regularização fundiária de territórios quilombolas anterior à decretação das áreas – nos casos em que há imóveis privados a serem desapropriados dentro dos perímetros reconhecidos pelo Incra. As quatro portarias somam-se a outras três já publicadas este ano – Picada das Vassouras/Quebra-Canga, em Caçapava do Sul (RS); Quadra, em Encruzilhada do Sul (RS); e Costa da Lagoa, em Capivari do Sul (RS) – encerrando um período de seis anos sem portarias de reconhecimento no estado.
Segurança
Para a vice-presidente da Associação Comunitária Quilombo Família Fidélix, Janete Aparecida Benck, a publicação do documento é um alívio para a comunidade. “Tudo o que nos dá segurança nos traz mais tranquilidade, até no sentido de saúde mesmo, do nosso emocional”, reflete, lembrando os vários enfrentamentos pelos quais as 23 famílias já passaram – inclusive ameaças de despejo. “É muito importante para nós, estamos há bastante tempo nesta luta”, complementa, lembrando da abertura do processo no Incra em 2004.
O território da comunidade Família Fidélix fica entre os bairros Azenha e Cidade Baixa, em Porto Alegre, e a maior parte de sua área pertence ao município. A ocupação remonta à década de 1980, quando famílias descendentes de pessoas escravizadas em Santana do Livramento (RS) migraram para capital, após sucessivos deslocamentos e perda de terras na fronteira oeste do estado.
História
Já a ocupação do território da comunidade Arnesto Penna, na zona rural de Santa Maria (RS), data do início do século XX. Pesquisas inseridas no processo de regularização chegaram ao testamento de Ambrozina Penna, uma grande proprietária que, ao falecer em 1905, deixou o terreno para os filhos da escravizada Balbina. Os descendentes, além das terras, também herdaram o sobrenome. Atualmente, a comunidade reúne 16 famílias. O processo de regularização fundiária foi aberto no Incra/RS em 2006.
Na comunidade Quilombo da Anastácia, em Viamão (RS), a ocupação do território é igualmente antiga. Remonta também ao início do século XX, com a formação do núcleo familiar de Anastácia e Olímpio Gomes, que foram para a região morar em terras de parentes libertos da escravidão. A área legitimamente herdada por Anastácia foi sendo reduzida, ao longo do tempo, por várias ocorrências, entre as quais a construção de uma barragem na década de 50 do século passado.
“Para nós, a publicação da portaria é muito importante”, afirma o presidente da Associação do Quilombo da Anastácia, William dos Santos Florindo. De acordo com ele, a comunidade tem buscado trazer de volta famílias que, no decorrer dos anos, foram deixando a área. Hoje, 16 famílias resistem na área. “Com o reconhecimento, vamos poder viabilizar todos os nossos projetos para tornar nossa terra produtiva e sustentável”, afirma.
A comunidade quilombola de Linha Fão, em Arroio do Tigre (RS), teve reconhecido o território de suas 33 famílias. A área foi reconstituída com base na ocupação da região Centro-Serra do Rio Grande do Sul pela população negra em fins do século XIX. As famílias descendem do casal Aparício Miranda e Belmira Xavier, filhos de pessoas escravizadas que receberam terras de um patrão na década de 20, de onde foram expulsos nos anos 70, migrando para o "Fão".
"A gente fica muito feliz. É uma coisa buscada por nós há bastante tempo, valeu a espera. Passava ano e saía ano e nada, mas agora, como diz o ditado aqui na roça, é só correr para o abraço”, comemora a presidente da Associação Quilombola de Linha Fão, Marlise Borges. O “abraço”, no caso do processo de regularização, é o título final em nome da comunidade – mas ainda há mais uma fase antes desta conclusão.
Etapas
Desde 2003, quando foi publicado o Decreto nº 4887/2003, o Incra é o responsável, federalmente, pela titulação das terras de comunidades remanescentes de quilombos. O processo é longo, inicia com a Certidão de Autorreconhecimento emitida pela Fundação Cultural Palmares, e exige vários estudos. O instituto providencia a elaboração de diversas peças técnicas com informações históricas, antropológicas, socioeconômicas, cartográficas, fundiárias, entre outras, para compor o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do território da comunidade.
Após a publicação do RTID, há prazo para interessados contestarem o relatório. Após análise e julgamento de contestações e recursos, o Incra publica a Portaria de Reconhecimento, que formaliza a identificação definitiva do território e declara seus limites. Se houver imóveis (títulos ou posses) privadas dentro da área reconhecida, é necessário o Decreto Presidencial autorizando a autarquia a promover as desapropriações. Os imóveis são avaliados a preço de mercado e pagos em dinheiro.
Após a etapa de desintrusão, o Incra pode emitir o título em nome da associação que representa a comunidade. O documento final é coletivo, imprescritível e não permite venda e penhora da área.
Processos no estado
O Incra/RS possui 111 processos de regularização de territórios quilombolas abertos. Destes, quatro chegaram à etapa final com emissão dos títulos. São os territórios das comunidades de Casca (em Mostardas, parcialmente titulado), Família Silva (Porto Alegre, parcialmente), Chácara das Rosas (Canoas) e Rincão dos Martimianos (Restinga Seca, parcialmente). Com as publicações de 20 de novembro, a regional gaúcha conta com 21 portarias emitidas.