Notícias
Santa Catarina
Quilombolas vivem com consciência ecológica em unidades de conservação
A comunidade São Roque está localizada entre cânions, trilhas, rios, piscinas naturais e cachoeiras ao Sul de Santa Catarina. Foto: Incra/SC.
"Quando a gente fala em cuidar do quilombo Vidal Martins, fala em cuidar de Santa Catarina, de Florianópolis, da Mata Atlântica e do meio ambiente em si.” O depoimento de Izaías dos Santos no Dia do Meio Ambiente, na Câmara de Florianópolis, reflete a intrínseca relação entre as famílias quilombolas e a natureza de territórios sobrepostos a unidades de conservação no estado.
Nestes espaços, os descendentes de negros ali escravizados no passado convivem tradicionalmente com consciência ecológica, desde antes da criação de leis ou áreas para preservação ambiental. Mas, para a regularização das comunidades, a chamada “dupla afetação” (quando um mesmo espaço tem mais de um uso) é um desafio enfrentado pelo Incra em instâncias de conciliação com outros órgãos públicos.
É o caso dos territórios quilombolas Vidal Martins, reconhecido pelo Incra em 2022 e sobreposto ao Parque Estadual do Rio Vermelho, em Florianópolis; São Roque, reconhecido em 2018, que se sobrepõe aos Parques Nacionais de Aparados da Serra e da Serra Geral, em Praia Grande (SC), além de Mampituba (RS) e Morro do Boi, em Balneário Camboriú (SC), cujo território ainda não foi reconhecido, mas já foi estudado no Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) publicado em 2018 e coincide com parte da Área de Proteção Ambiental (APA) Municipal da Costa Brava.
Segundo reforça a pesquisadora Iara Vasco Ferreira, do Observatório de Áreas Protegidas da Universidade Federal de Santa Catarina, os quilombolas são grupos culturalmente diferenciados, cujos territórios foram garantidos constitucionalmente. “Então, nós temos em curso uma política que é reparadora da violência e do sofrimento a que esses grupos foram submetidos. E aí o reconhecimento da existência, e dos direitos dos quilombolas que vivem nas unidades de conservação, que foram ao longo do tempo criadas abrangendo territórios tradicionais passa pelo respeito à autonomia e à autodeterminação desses grupos, tal como prevê a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), mas passa também pela inclusão social desses grupos nos planos de manejo das unidades de conservação”, explica.
Experiências
A comunidade São Roque, incrustrada entre cânions, trilhas, rios, piscinas naturais e cachoeiras, ao Sul de Santa Catarina, já vivencia a participação na elaboração do plano de manejo dos parques. Tem autorização para o turismo de base comunitária, graças a um termo de compromisso pactuado com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
“A gente sempre preservou a natureza e agora levamos as pessoas pelas trilhas e também preservamos nossa cultura, mostramos nossa música, culinária. É a nossa forma de cuidar da natureza que Deus deixou”, conta a presidente da associação da comunidade São Roque, Maria Rita dos Santos. Os agendamentos são feitos através do perfil da comunidade nas redes sociais.
A realidade é outra em Balneário Camboriú, onde a comunidade Morro do Boi foi cortada pela Rodovia BR-101 e o zoneamento restritivo da APA municipal não considerou a presença dos quilombolas. “Nesta área são necessárias tratativas com o poder público municipal em busca de resolução conciliatória, pois a comunidade fica impossibilitada até de construir novas moradias”, conta o antropólogo do Incra Marcelo Spaolonse.
Já no Nordeste da ilha de Florianópolis, a comunidade de Vidal Martins reivindica na Justiça o direito de participar do Parque do Rio Vermelho, cujo plano de manejo pretende retirar as espécies exóticas de pinus e eucalipto, plantadas em sua fundação, na década de 60. Por enquanto, os quilombolas fazem algumas experimentações, cultivando hortas agroecológicas e fazendo visitas guiadas com estudantes. Mas o potencial para uso do território pela comunidade em harmonia com a conservação ambiental é vasto e foi registrado etnozoneamento, nesta última semana de junho. A análise foi realizada em conjunto com a Fundação Cultural Palmares, o Ministério da Igualdade Racial (MIR) e o Incra.
“A gente veio pra cá tentar construir junto com a comunidade uma proposta de zoneamento do território a ser apresentada numa audiência judicial que vai acontecer em agosto. Nessa tentativa de conciliação, a gente está fazendo o esforço de juntar os entes públicos e construir esse diálogo”, explica o coordenador-geral para Liberdade Religiosa do MIR, Gustavo Magnata.
Enquanto o ordenamento jurídico busca formas de legitimar a existência dos quilombolas nos parques, a experiência dos anciãos vai guiando as mãos dos jovens no desenho do mapa que traz a possibilidade de futuro à comunidade. "É a ponta do mocotó, o saco da lama, as pedreiras, a picada do meio, o mato alto... tenho tudo na cabeça, cada pontinho daquele que está ali”, diz Odílio Vidal. Da mesma forma que os pontos marcam o território na imensidão verde vista de cima, revelam também quem são aquelas pessoas que os conhecem tão bem: todos parte de um mesmo meio ambiente.
Assessoria de Comunicação do Incra/SC
(48) 3733-3557 (whatsapp)
imprensa.sc@incra.gov.br
facebook.com/incrasc
instagram.com/incrasc