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Agroindústrias
Protagonismo feminino em agroindústrias de assentamentos capixabas rende projeção estadual
Mulheres produzindo polpa de suco de acerola.
A força da mulher do campo nas ações produtivas tem feito diferença no que diz respeito às conquistas pelo empreendedorismo e associativismo promovidos em diversos assentamentos da reforma agrária no Espírito Santo.
A união dos grupos de mulheres em prol de benefícios à coletividade suscitou projetos alternativos de agroindústrias com o objetivo de gerar novas fontes de renda às famílias agricultoras, além de reforçar o empoderamento feminino.
Experiências verificadas de norte a sul do estado evidenciaram a importância e a organização desses trabalhos, tornando as mulheres referências aos demais assentados, por conta da indicação para participarem de projeto em âmbito estadual: o HorizontES em Extensão.
Criado com o objetivo de divulgar práticas empreendedoras na agricultura familiar do Espírito Santo, o projeto é promovido desde 2019 pelo Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) e pela Secretaria Estadual da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag). Os assentamentos Florestan Fernandes, em Guaçuí, e Zumbi dos Palmares, em São Mateus compreendem dois casos de sucesso, nascidos da condução e do esforço coletivo femininos.
Associativismo e fortalecimento
Localizado no município de Guaçuí (distante 225 quilômetros da capital Vitória), o assentamento Florestan Fernandes foi criado em 2003 pelo Incra, com 34 famílias distribuídas em uma área de 380 hectares. Devido ao ambiente mais acolhedor e propício ao associativismo pelo pequeno número de famílias assentadas, o grupo optou por se fortalecer coletivamente.
Com esse propósito, surgiu em 2007 a Associação de Rádio Comunitária do Assentamento Florestan Fernandes (Arcaff), em função também da possibilidade de concessão para funcionamento no local. Posteriormente, em vez de mudar o nome da associação para atuação em outras frentes, o coletivo decidiu por alterar o seu estatuto no que diz respeito ao objetivo e à atividade.
A partir da participação de algumas assentadas em um curso sobre plantas medicinais ministrado por professores do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), em 2009 se estabeleceu, embrionariamente, o projeto que mais tarde passaria a ser uma agroindústria de polpa de frutas.
Naquele mesmo ano, a associação alcançou o primeiro edital público para fornecimento de merenda escolar oriunda da agricultura familiar ao município de Guaçuí. O contrato fechado previa a entrega de 900 quilos de pães em um período de dez meses. Mesmo com dificuldades, o grupo de mulheres aceitou o desafio e produziu, em um dia, 200 quilos do alimento, sendo a massa preparada em um pequeno cilindro e os pães assados em um forno de pizza.
Desde então, com o objetivo de buscar novas fontes de renda, as mulheres do assentamento têm se ocupado em participar também de feiras da reforma agrária pelo país afora – Vitória, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte –, a partir da comercialização de geleias, biscoitos e licores fabricados nas instalações adjacentes à agroindústria de polpa de frutas.
Em 2019, a associação fechou contrato com a prefeitura de São José do Calçado (município que faz divisa ao assentamento), com vistas a fornecer 900 quilos de polpas variadas, como maracujá, acerola, manga, abacaxi, goiaba e morango. O retorno chegou a quase R$ 13,5 mil. Em 2020 foram encomendados mais 650 quilos, no valor de aproximadamente R$ 9,7 mil.
Também em 2020, a agroindústria de polpa de frutas conseguiu nova participação em chamadas públicas. Desta vez em edital da Superintendência Regional de Educação de Cachoeiro de Itapemirim, com contrato de R$ 376 mil e fornecimento anual de 21,3 toneladas do produto, com a condição de que pelo menos 70% das frutas utilizadas na agroindústria sejam provenientes dos próprios assentados. Porém, por conta da pandemia de covid-19, até novembro haviam sido entregues pela associação somente 4,8 toneladas e recebidos R$ 83,9 mil dos valores pactuados.
De acordo com a presidente da Arcaff, Nelci Sanches da Rocha, a associação possui atualmente 39 famílias cadastradas, sendo 25 delas do Florestan Fernandes e as demais dos assentamentos Santa Rita, no município vizinho de Bom Jesus do Norte; e Santa Fé e Teixeirinha, localizados no também vizinho Apiacá.
São sete mulheres e dois homens diretamente envolvidos nas atividades operacionais da agroindústria. O processo completo é formado pelas seguintes fases: chegada das caixas com frutas (lavadas, esterilizadas e congeladas); descongelamento e despolpa; envasamento e novo congelamento; e, finalmente, a entrega aos clientes.
Segundo Nelci, o patrimônio da associação conta com uma série de bens. A construção das instalações da agroindústria e da primeira câmara frigorífica, bem como a aquisição de um veículo utilitário e dos equipamentos de produção (envasa, tambor, freezer, caldeirão, espremedor, entre outros) foram possíveis graças aos recursos oriundos do Fundo Social de Apoio à Agricultura Familiar (Funsaf), disponibilizado em 2015 pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no valor de aproximadamente R$ 385 mil.
Além da câmara frigorífica citada, com capacidade de armazenagem de quatro toneladas do produto, uma outra está em fase de construção com recursos próprios e o triplo da capacidade. O grupo conta ainda com um caminhão e um trator, adquiridos por meio de recursos advindos de emenda parlamentar federal.
A agroindústria possui o registro e selo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e utiliza a marca regional Terra dos Sabores nas embalagens de seus produtos. Para 2021, a meta é criar e registrar uma marca própria, mais alinhada à identidade do assentamento e da associação e à expectativa de aumento da produção.
“Pensando o ano que vem, trabalhamos também com a ideia de formar capital de giro, algo em torno de R$ 150 mil, na expectativa de pagar à vista os valores correspondentes aos produtos in natura fornecidos pelos associados, bem como a devida participação dos lucros no final de cada ano aos nossos cooperados”, declarou Nelci.
Empreendedorismo e renda
Da mesma forma, as agricultoras do assentamento Zumbi dos Palmares não medem esforços no sentido de empreender da melhor maneira possível com os meios que dispõem. Situada no norte capixaba, no município de São Mateus (distante pouco mais de 210 quilômetros da capital Vitória), no distrito de Nestor Gomes, a área de reforma agrária foi criada em 1999 pelo Incra, com 151 famílias distribuídas em 1,3 mil hectares.
A partir da criação da Associação de Pequenos Agricultores do Assentamento Zumbi dos Palmares (Apap), ocorrida em 2008, a história de vida dessas mulheres foi reescrita. Da participação nas reuniões comunitárias e diante do obstáculo em buscar novas fontes alternativas de renda, surgiu a ideia de se unirem em torno de um objetivo comum e, com este viés associativista, nasceu a agroindústria de panificação instalada no local. A produção, antes quase individual para comercialização em feiras da região, passou a ser de maior escala e mais profissional, ao fornecer para grandes clientes.
Com a construção do prédio e a aquisição dos equipamentos minimamente necessários ao início do projeto – como masseira, refrigerador, balança, mesa de preparo, batedeira, forno industrial simples, fogão industrial e armário de descanso –, o sonho tornou-se realidade em 2017. Os recursos, da ordem de R$ 50 mil, foram advindos de fundos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Recentemente, agora com recursos próprios, o grupo de mulheres adquiriu um forno industrial a lenha, no valor de R$ 12 mil, e diversos equipamentos, como mesa de pedra, armário, mesa de preparo, ar-condicionado e máquina de moer, no valor de R$ 5,6 mil, além de ampliar as instalações ao custo de R$ 15 mil.
Em 2019, a associação do assentamento participou do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) do governo federal ao entregar mais de 30 itens, como abóbora, maxixe, quiabo, jiló, laranja e banana, entre outros. O rendimento aproximado foi de R$ 223 mil.
Já em 2020, por intermédio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), foram fornecidos gêneros variados por seis famílias, gerando uma renda de R$ 106 mil. Por meio de Compra Direta de Alimentos (CDA) realizada pela gestão municipal de São Mateus, foram faturados R$ 54 mil em produtos diversos, sendo R$ 6 mil gerados de biscoitos e bolos produzidos na agroindústria do assentamento.
Segundo a presidente da Apap, Tereza Cristina Rodrigues de Souza, atualmente a associação conta com 83 filiados, dos quais 25 fazem parte da agroindústria. Em relação à panificação, embora a associação esteja apta a produzir alimentos de acordo com a declaração da vigilância sanitária da prefeitura de São Mateus, falta produzir uma marca que identifique o produto com o assentamento Zumbi dos Palmares e sua associação, assim como ocorre com o grupo de mulheres do Florestan Fernandes.
“Como trabalhamos normalmente em regime quinzenal ou conforme surgem as encomendas, o principal objetivo para o próximo ano é o de podermos trabalhar todos os dias do mês, gerando renda para essas mulheres sem que tenham de trabalhar fora. Ou seja, renda no lote, na roça delas e na agroindústria”, defendeu Tereza Cristina.
HorizontES em Extensão
Promovido desde 2019 pelo Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) e pela Secretaria da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag), o projeto conta ainda com o apoio de diversas instituições estaduais e federais, entre elas o Mapa.
Em sua segunda edição, a escolha dos 12 finalistas foi feita democraticamente pelos diversos Conselhos Regionais de Desenvolvimento Rural (CRDR) espalhados pelo estado, com o intuito tanto de valorizar e reconhecer o trabalho institucional do extensionista em seu contato com o homem e a mulher do campo, quanto de dar maior visibilidade às atividades de sucesso da agricultura familiar enquanto referência a outros produtores rurais. Por este motivo, o HorizontES contemplou também experiências de sucesso da reforma agrária.