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Projeto de gestão de águas recebe recursos para segunda etapa em Mato Grosso
As barraginhas solucionam problemas hídricos para famílias beneficiárias no estado. Fotos: Samir Curi/ Arquivo Incra
A segunda etapa do projeto “Implementação de Tecnologias Sociais e Educação Ambiental em Comunidades do Alto Pantanal Mato-Grossense”, do Incra em Mato Grosso, deverá ter início no segundo semestre de 2023. A continuidade será possível com a destinação de recursos por intermediação do Ministério Público do estado (MP/MT).
O projeto tem à disposição R$ 125,4 mil, oriundos de multas aplicadas por meio de Termos de Ajustamento de Conduta ou acordos oriundos da atividade finalística do ministério. O valor foi alcançado após o projeto ter sido inscrito para pleitear verbas por meio do Banco de Projetos e Entidades do MP/MT e o recurso foi direcionado por conta de decisão da 15ª Promotoria de Justiça do Meio Ambiente Natural.
O apoio financeiro permitirá o começo das ações já a partir de setembro de 2023, quando devem chegar as chuvas na região do pantanal mato-grossense, tornando o chão úmido o suficiente para permitir as escavações de “barraginhas” no assentamento Rancho da Saudade, no município de Cáceres, localizado na mesorregião Centro-Sul do estado, na microrregião do Alto Pantanal e distante cerca de 200 quilômetros da capital, Cuiabá.
A quantia disponível, atualmente, é suficiente para realizar ações e beneficiar 20 famílias da área de reforma agrária, com a construção de duas “barraginhas” em cada lote, e qualificar as equipes técnicas para a realização das obras. As atividades estão incluídas no objetivo ambientalmente sustentável de aumentar a recarga de aquífero local para atendimento das necessidades de água de 160 famílias e duas escolas rurais em situação de risco.
Durante a inscrição do projeto no Banco de Projetos e Entidades do MP/MT, em janeiro de 2023, a meta era captar R$ 250,4 mil e, assim, atender 30 famílias do Rancho da Saudade, totalizando cerca de mil pessoas da comunidade escolar e pequenos produtores rurais - sendo 700 agricultores familiares e 300 alunos das escolas do campo. Mas como, até o momento, só foram conseguidos R$ 125,4 mil, o projeto vai reduzir a meta para se adequar ao recurso disponível e continuar a buscar outras fontes de financiamento.
Análises
A coordenação do projeto é feita pelo engenheiro agrônomo do Incra/MT, Samir Curi, e conta com a colaboração de diversos outros profissionais da autarquia e de entidades parceiras. Segundo o servidor, essa segunda fase do projeto traz novas e revigorantes energias para dinamizar as ações, desde que foi iniciado em 2009 como projeto ambientalmente sustentável.
“Na minha visão, o projeto das barraginhas é o melhor no âmbito ambiental hoje no Brasil, pois acaba retendo milhões de litros de água na propriedade do agricultor familiar. Em Mato Grosso, temos um período seco de seis meses na região do Alto Pantanal. E essa água das barraginhas acaba servindo como um reservatório natural”, afirma Curi.
Ele já projeta uma ampliação futura ainda maior para o projeto, atuando, em primeiro lugar, em fazer os projetos piloto nas regiões com maiores problemas de crise hídrica do estado. “Em Mato Grosso, temos que tentar atender a Baixada Cuiabana, a grande Cáceres, regiões de Rondonópolis, Tangará da Serra, Nobres e Chapada dos Guimarães”, diz.
Prêmios
O projeto “Implementação de Tecnologias Sociais e Educação Ambiental em Comunidades do Alto Pantanal Mato-Grossense”, do Incra/MT, vem conseguindo destaque nacional com as premiações que tem ganhado. Ele foi vencedor do 7º Prêmio Melhores Práticas A3P/2018, realizado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Também ganhou na categoria Governo do Prêmio ANA 2020 – uma premiação da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) criada para reconhecer e valorizar as melhores práticas e iniciativas voltadas ao cuidado e gestão das águas do Brasil.
Além de vencer o Troféu Seriema, na categoria “Sociedade Sustentável”, promovido pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Goiás (CREA-GO) e cuja premiação foi entregue em 18 de novembro de 2021, em solenidade realizada em Goiânia (GO).
Em abril de 2022, ainda ficou na terceira colocação na categoria Desenvolvimento Tecnológico e Inovação, do 1º Prêmio SiBBr de Biodiversidade – uma iniciativa da Secretaria de Políticas para Formação e Ações Estratégicas do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (SEFAE / MCTI).
Por último, em novembro de 2022, recebeu o prêmio de segundo lugar, na categoria Profissional, na Seleção de Artigos para o III Congresso Nacional dos Peritos Federais Agrários (CNPFA), que reuniu a categoria dos agrônomos da autarquia, autoridades, acadêmicos, gestores e profissionais para discutir a temática “Terra, mudanças climáticas e fome: o Brasil num mundo em transformação”.
Sustentabilidade
Em funcionamento desde 2009, o projeto desenvolvido pelo Incra/MT foi implantado em lotes de 42 famílias do assentamento Rancho da Saudade, com a construção de 68 “barraginhas” e 23 “quebra-molas” em estradas vicinais da região. O objetivo é reter e direcionar as águas das chuvas e, assim, aumentar a recarga de aquífero local, para atendimento das necessidades hídricas de 160 famílias e duas escolas rurais da região em situação de risco.
O projeto usa as chamadas tecnologias sociais, indicadas para atingir os objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS), que mesclam as dimensões econômica, social e ambiental. Além de contribuir com os Objetivos do Milênio (ODM), estabelecidos com a Cúpula do Milênio das Nações Unidas, em 2000, após a adoção da Declaração do Milênio das Nações Unidas.
Por ter baixo custo e bons resultados, as tecnologias sociais do projeto podem ser replicadas em comunidades rurais de dezenas de municípios brasileiros, considerando o capital existente nas diversas localidades, como opção para a solução de problemas relativos ao meio ambiente, à ampliação da economia local, redução das desigualdades sociais, aumento da cadeia produtiva e da geração de emprego e renda.
Foi o caso de Mato Grosso, onde se estima existir cerca de 150 mil famílias na atividade de agricultura familiar – em que a grande maioria tem a necessidade de acesso à água com preservação ambiental, principalmente na época seca do cerrado, de maio a outubro –, bem como a existência de aproximadamente 150 escolas rurais do campo de nível médio e escolas municipais na área rural também com dificuldade de acesso à água para atividades básicas.
Embora o pantanal mato-grossense seja conhecido pela fartura de água, a segurança hídrica é um problema em boa parte da região, principalmente de maio a outubro, com destaque para a Microrregião do Alto Pantanal. Um exemplo é o município de Cáceres (MT), a 220 quilômetros da capital, Cuiabá, e onde existem sete assentamentos da reforma agrária, com 360 famílias e três escolas do campo.
Por 20 anos, os agricultores assentados e os 500 alunos dessas escolas sofreram com constantes faltas de água. Foram feitas diversas tentativas de resolver o problema, como o bombeamento de água de um córrego distante cerca de 15 quilômetros, perfuração de poços artesianos, etc. Entretanto, as propostas apresentadas não resolveram o problema, por conta do alto custo da energia elétrica; falta de mão de obra qualificada para gerenciar a estação de bombeamento; e exigência de uma grande demanda de água para o consumo animal.
No entanto, o projeto do Incra/MT buscou resolver o problema com alternativas ambientalmente sustentáveis. Foram selecionadas e implementadas diversas tecnologias como captação da água da chuva, cisternas, “barraginhas da Embrapa”, lago de uso múltiplo, biofossa, reservatório para piscicultura.
Dessas, as que melhor tiveram resultados foram a captação de água da chuva – que não teve custos e a utilização é para uso doméstico, em atividades educativas e produtivas –, e a captação de água das enxurradas, que prolongou a umidade do solo na microbacia, aumentando o nível nas cacimbas (um tipo de poço).
Outra consequência positiva foi a melhoria na renda familiar, com aumento de produção na pecuária de leite e geração de novos empregos numa região que vinha enfrentando o êxodo rural.
O projeto é resultado de parceria firmada entre o Incra/MT, Juizado Volante Ambiental de Cuiabá (Juvam Cuiabá), Justiça Federal de Cáceres, Justiça Estadual de Cáceres, World Wildlife Fund (WWF), Consórcio Nascentes do Pantanal (São José dos Quatro Marcos), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Empresa Matogrossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural (Empaer), Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), Universidade Federal do Estado de Mato Grosso (UFMT), Prefeitura Municipal de Cáceres, Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso (Seduc-MT), Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MP-MT), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Ministério Público Federal (MPF).
Exemplo
Na linha de defesa das tecnologias sociais ambientalmente sustentáveis, a exemplo das aplicadas no projeto barraginhas do Incra/MT, está também a professora Solange Arrolho, pesquisadora titular da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), atuando na área desde 1992, com mestrado em Ecologia e doutorado em Aquicultura.
“A água é um elemento fundamental à existência humana. Neste sentido, sua ausência pode comprometer a vida e os sistemas de produção alimentar. O desenvolvimento de novas tecnologias que permitem à sociedade ter acesso à água é primordial, para que seja garantida a segurança hídrica de forma contínua e equilibrada”, afirma. A Unemat é uma das grandes parceiras do projeto barraginhas do Incra/MT.
Começo
O criador da tecnologia social das barraginhas foi o engenheiro agrônomo Luciano Cordoval de Barros, analista da Embrapa Milho e Sorgo em Sete Lagoas (MG), coordenador do “Projeto Barraginhas da Embrapa”. Graduado em Engenharia Agronômica pela Escola Superior de Agricultura de Lavras, hoje Universidade Federal de Lavras (UFLA), em 1973, Cordoval fez especialização em Irrigação – no México, no mesmo ano, e em Israel, em 1976.
Entre 1974 e 1978, o engenheiro trabalhou na implantação de projetos de irrigação do convênio entre o estado de Minas Gerais e a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), atuando no semiárido mineiro. Entre 1979 e 1982, fez um estágio no projeto Jari, na Amazônia, e trabalhou em projetos de irrigação de fazendas particulares.
Em 1983, ele ingressou na Embrapa onde trabalha até hoje e foi quando começou a desenvolver a tecnologia social das barraginhas, em seu sítio, depois em áreas de vizinhos e fazendas próximas. Em 1997, a partir de um projeto-piloto na microbacia do ribeirão Paiol, no município de Sete Lagoas, ampliou o desenvolveu a tecnologia, cujo objetivo é captar a água das enxurradas e promover seu armazenamento no solo, evitando erosões, assoreamentos e contaminações ambientais e promover o aumento do volume de água dos mananciais.
Cordoval difundiu essa tecnologia em diversas regiões de Minas Gerais e posteriormente em outros estados, como: Ceará, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso, Pará, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Sergipe e Tocantins. Ministrou mais de 300 treinamentos para transferência dessas duas tecnologias para públicos diversos, atendendo desde comunidades muito carentes de regiões áridas e semiáridas até autoridades e comitivas internacionais interessadas na preservação de recursos hídricos.
Com as tecnologias das barraginhas e do lago de múltiplo uso, o agrônomo da Embrapa conquistou os seguintes prêmios: Superecologia (2003), Fundação Banco do Brasil (2005), Ouro Azul (2005 e 2013), Objetivos de Desenvolvimento do Milênio-ODM (2005), FINEP regional e nacional (2006), Frederico Menezes de Veiga (2017) e Fundação Bunge (2019).
Esses prêmios viabilizaram o patrocínio de projetos pela Fundação Banco do Brasil, entre 2003 e 2008 o que propiciou a implantação de mais de 10 mil barraginhas no Noroeste de Minas Gerais e nos sertões do Ceará e do Piauí.
Entre 2007 e 2016, Cordoval coordenou um projeto de disseminação dessas duas tecnologias sociais, no semiárido e no Sertão do São Francisco, patrocinado pela Petrobras, dentro do programa Desenvolvimento e Cidadania, por meio do qual já construiu cerca de 7,2 mil barraginhas e 360 lagos beneficiando 3,1 mil famílias em 70 municípios de seis estados.
Em relação ao projeto de barraginhas do Incra/MT, entre 2009 e 2010 Luciano Cordoval de Barros esteve por quatro vezes no Alto Pantanal de Mato Grosso a convite de Samir Curi, para conhecer a realidade e as carências hídricas, bem como ministrar cursos e orientar o projeto-piloto a ser desenvolvido pela autarquia agrária em assentamento na região.
Luciano Cordoval avalia como positivos os resultados da tecnologia social de barraginhas na ampliação do fornecimento de água e sua disponibilidade no lençol freático das áreas onde são aplicadas. “É muito positivo o resultado trazido pelas barraginhas, bem como irreversível para solucionar a crise hídrica e ambiental, pois ela é a solução imediata”, afirma.
“Isso porque, ao se criar pequenas barragens em uma área, as nascentes voltam a verter água, os pântanos e baixadas, antes secos, passam a ser reestabelecidos”, complementa o engenheiro agrônomo e diz ser necessário treinamento de pessoal técnico para a correta construção das barraginhas, aproveitando as áreas de enxurradas de chuvas, as curvas de níveis e lombadas de estradas para direcionar as águas aos reservatórios.