Notícias
Educação
Mudanças de vida marcam trajetória do Pronera no Espírito Santo
Aula da especialização em Economia e Desenvolvimento Agrário promovida pela Ufes em parceria com o Incra. Foto: Acervo Ufes
Ao longo de 25 anos, 1,2 mil pessoas já foram beneficiadas pelo Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) no Espírito Santo. O estado é palco de muitas histórias de pessoas que ajudaram a construir a ação e outras que tiveram suas vidas transformadas e, hoje, relatam suas vivências e os fatos marcantes das suas trajetórias.
A ex-estudante Sanuza Motta, do assentamento Zumbi dos Palmares, localizado no município de São Mateus (ES), região Norte capixaba, iniciou sua participação no curso Técnico em Agropecuária no ano de 2004, com qualificação em Agroecologia e Meio Ambiente, e certificado emitido pelo Centro Integrado de Desenvolvimento dos Assentados e Pequenos Agricultores do Espírito Santo (Cidap/ES) em 2007. Aos 51 anos, suas experiências sempre estiveram relacionadas com o campo.
“Para mim a terra é especial: é mãe, companheira, vida! Com dois filhos e ainda sem o ensino médio, me desafiei a estar na primeira turma do curso. O fato de ser desenvolvido em sistema de alternância foi fundamental para eu poder estudar. Sempre defendi a liberdade da terra em toda a sua diversidade e isto continua latente em mim”, reflete.
Já formada, atualmente trata da saúde da família e de outras pessoas por meio de ervas medicinais e fitoterápicos. “Tudo isso me levou a trabalhar com técnicas complementares e integrativas de cuidar, zelar pela saúde do ponto de vista holístico e tendo o ser humano como parte do meio ambiente e tudo o que ele representa”, diz.
Participante da primeira turma de Pedagogia pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Maria de Fátima Miguel Ribeiro é do assentamento Sezínio Fernandes de Jesus, em Linhares (ES). À época da realização do curso, residia no Estado do Rio Grande do Norte e contou as dificuldades enfrentadas para se deslocar ao estado para assistir às aulas. O esforço rendeu novas oportunidades, como a especialização em Educação do Campo promovida pela Universidade de Brasília (UnB), em parceria com a Escola Nacional Florestan Fernandes, em São Paulo, entre 2004 e 2005.
“Eu vinha de ônibus, em um percurso de dois dias e duas noites, com uma criança no colo, para poder concluir meus estudos. O fato de os cursos terem ciranda infantil (educadoras), foi fundamental para nós, mulheres. Havia uma coordenação pedagógica coletiva e os estudantes eram organizados em núcleos de base, tanto para as aulas quanto para as divisões sociais do trabalho, possibilitando a cada etapa ser participativa, com místicas, visitas e passeios pedagógicos”, recorda.
Segundo ela, o embasamento teórico e prático permitiu atuar nas escolas dos assentamentos com mais qualidade. “Pudemos continuar sonhando com um mundo melhor a partir do trabalho desenvolvido em sala de aula. Ao retornar ao Espírito Santo, coordenei a Escola Estadual de Ensino Fundamental Paulo Damião Tristão Purinha, no município de Linhares (ES). Para mim, uma experiência grande em poder lecionar seguindo esses ensinamentos”, avalia.
A educadora Gildete Rosa da Silva, do assentamento estadual Nova Vitória, localizado no município de Pinheiros (ES) também destaca o crescimento pessoal e profissional a partir da realização do curso de Pedagogia pela Ufes entre 1999 e 2002.
“Sou educadora no próprio assentamento onde moro, como resultado da luta dos trabalhadores por terra, saúde e educação. O curso me proporcionou muito aprendizado e conhecimento. Pelo fato da turma ser desenvolvida em âmbito nacional, a cultura ficou muito enriquecida e fortalecida pela troca de experiências entre os participantes”, considerou.
Conhecimento
Lázaro Brito Borges, do assentamento São Sebastião, no município de Montanha (ES), define-se como economista por formação e educador de profissão. Participou da especialização em Economia e Desenvolvimento Agrário, promovida pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e, atualmente, é professor da Escola Família Rural de Ecoporanga (ES).
“A partir da realidade de vida e de trabalho dos estudantes e educadores de diversas regiões do país, o curso nos possibilitou novos saberes e culturas, bem como o desenvolvimento de práticas sociais em vista da democratização dos espaços”, ressalta.
Lázaro considera que, durante o curso e no dia a dia, foram surgindo oportunidades de ampliar a perspectiva de mudança social, por meio da palavra e das ações cotidianas. “Como, por exemplo, no momento presente, ao atuar na atividade pedagógica e no processo educativo em relação à Educação do Campo”, disse.
Residente no assentamento Vale da Esperança, no município de Santa Teresa (ES), Joselma Maria Pereira participou da primeira turma de graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) pelo Pronera, tendo se formado em 2015.
“Sou nordestina e oriunda de uma família numerosa e de baixo poder aquisitivo. Sempre mantive a esperança de cursar uma universidade, porém a vida foi adiando o sonho e somente 20 anos depois de ter concluído o ensino médio consegui realizar esse projeto. A conquista é individual e, ao mesmo tempo, coletiva, pois somente foi possível graças à luta dos movimentos sociais”, pondera.
Joselma atribui o sucesso e a longevidade do Pronera à metodologia conhecida como pedagogia da alternância. “Os conhecimentos adquiridos na universidade e na vivência conjunta contribuem, decisivamente, na orientação aos trabalhadores rurais sobre o acesso aos direitos e às políticas públicas”, acredita.
Formada em Pedagogia pela Ufes, Maria Aparecida Pereira da Silva, do assentamento Valdício Barbosa dos Santos, em Conceição da Barra (ES), na região Norte capixaba, também teve no Pronera sua “porta de entrada para a universidade”.
“Sempre sonhei em fazer uma graduação e, de preferência, pedagogia, para qualificar minha atividade enquanto professora. Fui da primeira turma no Espírito Santo. A formação me possibilitou assimilar conhecimentos teórico-práticos e contribui com minha atuação em escolas de assentamento. Na realização do planejamento das atividades político-pedagógicas, me permite refletir sobre as ações realizadas, a fazer avaliação do trabalho e a compreender as realidades local e macro”, avalia.