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Meio ambiente
Assentamento cearense recebe iniciativa de manejo sustentável da carnaúba
O assentamento Aragão, localizado no município de Miraíma, no Ceará, a 191 quilômetros da capital, Fortaleza, participou do programa “Carnaúba Sustentável: fortalecendo a cadeia produtiva da carnaúba”. Implementado pela Associação Caatinga, o projeto durou dez meses e foi finalizado em maio deste ano.
A ação, realizada em parceria com outras duas instituições, teve o objetivo de atuar sobre as problemáticas envolvendo a cadeia produtiva da carnaúba para construir um projeto piloto que sirva de modelo no extrativismo da espécie – atividade muito comum em áreas de reforma agrária na região do semiárido. A palmeira nativa está presente no bioma caatinga, principalmente nos estados do Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte.
Segundo a coordenadora de Programas Socioambientais da Associação Caatinga, Marília Nascimento, para a escolha da área foram visitadas três comunidades rurais e analisados os critérios relacionados à organização, aspiração coletiva, tamanho da comunidade, necessidades socioeconômicas, produtividade e estrutura, dentre outros pontos. “Fizemos o diagnóstico em julho de 2023 e o assentamento Aragão tinha o perfil necessário para receber as ações do programa”, comenta.
Assentamento
Criado em 1995, o local possui 38 beneficiários da reforma agrária. A comunidade é formada por agricultores familiares, que também são pequenos criadores de animais e se dedicam ao extrativismo da carnaúba nos meses de outubro a dezembro. Durante a safra agrícola, a comunidade cultiva milho, feijão, macaxeira, abóbora, melancia e caju.
De acordo com o presidente da Associação Comunitária do Assentamento Vida Nova/Aragão (Ascavin), Pedro Silvino, a atividade de extração da carnaúba é composta por várias etapas: derrubar as folhas, aparar, tirar o talo, amarrar as palhas, estender para secar, bater o pó, peneirar e ensacar.
“Fazemos todo esse processo de forma manual, organizados em duas equipes, e cada trabalhador desempenha uma função específica. No final temos o nosso principal subproduto que é o pó cerífero – matéria-prima para produção da cera de carnaúba. Depois de extraído o pó, ainda utilizamos a palha para confecção de artesanato e a outra parte trituramos para servir de cobertura vegetal para a plantação”, detalhou Silvino.
Durante a safra da carnaúba, os assentados chegam a retirar 40 milheiros (conjunto de mil unidades) de palha por dia. A comercialização do pó cerífero é feita para atravessadores. Da palha, as mulheres assentadas confeccionam bolsas, chapéus, camisas para garrafas, centros de mesa e outros produtos de artesanato, que também são comprados pelos atravessadores diretamente no assentamento.
Carnaúba Sustentável
Nos nove meses seguintes, após a seleção da comunidade em julho de 2023, a Associação Caatinga implementou as etapas do programa, que envolveram desde o planejamento participativo com a comunidade, como oficinas e capacitações; acompanhamento da derrubada do carnaubal para extração da palha; montagem e utilização do secador solar; e análise do pó cerífero extraído; até a avaliação do projeto.
Os assentados receberam capacitações sobre segurança e saúde no trabalho; combate a pragas durante o manejo do carnaubal; prevenção de focos de incêndio; produção de mudas e consultoria contábil sobre a regularização das relações de trabalho entre os assentados sócios da Ascavin. Também foram entregues Equipamentos de Proteção Individual (EPI), como botas, luvas, capacetes, roupas apropriadas e protetor solar para utilizarem durante a atividade extrativista.
"O programa leva para a comunidade a oportunidade de orientá-los sobre as práticas de trabalho sustentável, saudável, seguro e com eficiência produtiva, buscando incentivar outros produtores a fazerem o mesmo", considerou Marília.
Secador solar
A grande novidade para as famílias assentadas foi a instalação de um secador solar, utilizado no processo de secagem da palha da carnaúba O equipamento funciona como uma estufa, feito com estrutura metálica e coberto de lona plástica quase transparente. Na parte interna, o piso é de cimento e possui estacas de madeira para secar as palhas.
“O equipamento já é utilizado para secagem de castanha de caju e outras culturas. Na atividade carnaubeira, essa iniciativa é inédita. Pegamos a tecnologia do secador solar e adaptamos, testamos e implementamos no programa Carnaúba Sustentável, aliando o nosso conhecimento técnico ao conhecimento da comunidade. Foi uma junção de saberes”, explica a coordenadora.
O secador foi construído e montado por empresas contratadas pela Associação Caatinga, com recursos de parceiros do programa. A colocação das estacas e a construção do piso foram feitos pelos assentados, em forma de contrapartida pelo recebimento do equipamento.
“Isso a gente já tinha ouvido falar, mas nunca tinha usado. Foi uma experiência muito boa, porque conseguimos um pó mais puro, pois o processo de secagem tem mais qualidade”, disse Silvino.
Preservação ambiental
Os carnaubais ocorrem ao longo dos rios e riachos secos dos sertões. Sua exploração favorece de forma indireta a proteção das Áreas de Preservação Permanente (APP) dos assentamentos. Quando o extrativismo vegetal está associado a boas práticas de manejo, contribui também para a manutenção dos recursos florestais.
Para o engenheiro agrônomo do Serviço de Meio Ambiente do Incra no Ceará, Odilo Neto Luna Coelho, a iniciativa implementada no Aragão é um passo muito importante para a comunidade, pois aprimora as técnicas já utilizadas e incorpora novas tecnologias no processo, melhorando os resultados e tornando a prática menos nociva ao meio ambiente.
Coelho ressalta que o Incra/CE vem incentivando, há 15 anos, a implantação de planos de manejo junto a comunidades que trabalham com o extrativismo madeireiro dos remanescentes da caatinga. Esta ação já alcançou 70 assentamentos cearenses, com uma área de 36 mil hectares de caatinga manejada.
“Vamos introduzir o apoio ao extrativismo da carnaúba nas ações ambientais desenvolvidas pela autarquia. Podemos trabalhar com os assentamentos que fazem o extrativismo não madeireiro da carnaubeira e com os outros que possuem recursos madeireiros para manejo. Nas duas situações, os ganhos ambientais são indiscutíveis”, esclarece o agrônomo.
Resultados
A avaliação final do programa foi realizada pela Associação Caatinga e pelos assentados, durante reunião em maio deste ano. De acordo com Silvino, o projeto foi muito proveitoso para o assentamento pois ajudou a tornar mais eficiente todo o processo de extração da carnaúba.
“Recebemos a análise feita em laboratório do pó cerífero e tivemos um grau de pureza de quase 94%, assim teremos um preço melhor na hora da venda”, relata o presidente. Ele citou uma limitação encontrada no programa: o tamanho do secador, que só comporta a secagem de 10 milheiros de palha por dia.
Conforme Marília, a Associação Caatinga ficou satisfeita com a implantação da ação. “Podemos destacar a melhora da qualidade e menor perda do subproduto (pó) comparando a secagem tradicional com a secagem utilizando o secador solar. Como a palha fica dentro do secador, o pó voa menos e não se mistura com impurezas trazidas pelo vento”, explicou a coordenadora.
O uso da derriçadeira para bater a palha também foi avaliado como positivo, pois diminui a necessidade de trituração, evitando que o pó se junte com pedaços de palha. Quanto à questão do tamanho do secador, considerado pequeno para atender às necessidades da comunidade, Marília ressalta que a ferramenta se mostrou eficaz e com potencial. “O secador pode ser construído com outras dimensões”, frisou.
Ao final do projeto, a comunidade recebeu a visita de um grupo de cerca de 30 atores da cadeia produtiva da carnaúba, oriundos de oito municípios cearenses, numa espécie de intercâmbio para troca de experiências. Representantes de indústrias que utilizam o pó cerifico para confecção da cera de carnaúba também visitaram o assentamento, visando possíveis parcerias comerciais.
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