Estudo inédito mostra como indústria do tabaco inseriu no País produtos com aditivos reprovados pela Anvisa
Apesar de o Brasil ter se tornado, em 2012, o primeiro país do mundo a proibir a venda de produtos de tabaco com aditivos que possam alterar seu sabor e aroma, indústria e sindicatos desse segmento têm conseguido fragilizar a Resolução RDC nº 14/2012 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) por meio de ações judiciais. O resultado foi a inserção de 1.112 desses itens no mercado brasileiro de 2012 a 2023, sendo a maioria produtos de tabaco para narguilé (641) e cigarros manufaturados (403).
Os dados constam de estudo inédito desenvolvido pelo pesquisador e epidemiologista André Szklo, do Instituto Nacional de Câncer (INCA), em conjunto com profissionais da Anvisa e da Aliança de Controle do Tabagismo (ACT) Promoção da Saúde. O trabalho resultou no artigo O sabor amargo da interferência da indústria do tabaco no Brasil, publicado na Tobacco Control, uma das principais revistas sobre controle do tabagismo no mundo.
Pela primeira vez no Brasil, foi analisada a evolução dos registros de produtos derivados do tabaco com aditivos, os quais teriam sido vetados se não tivesse ocorrido a interferência da indústria tabageira por meio de ações judiciais. O levantamento mostrou que, entre 2014 e 2020, houve aumento de 330% nos registros dos derivados do tabaco contendo aditivos proibidos no País, e um incremento ainda mais expressivo, de 680%, especificamente nos registros de fumo para narguilé.
“Isso tem impactos adversos na saúde pública, pois estimula a iniciação à dependência de nicotina entre os nossos jovens e adolescentes”, destaca André Szklo. Segundo ele, um dos sinais de alerta é que a disseminação de registros de fumo para narguilé começou em 2014 e, justamente entre 2013 e 2019, a proporção do seu uso entre os jovens no Brasil quadruplicou. Além disso, cerca de 25% dos adolescentes brasileiros já relataram ter experimentado narguilé, artefato que usa tabaco aquecido e expõe os usuários a compostos tóxicos e cancerígenos. O pesquisador informa ainda que a proporção de fumantes de cigarro convencional de 13 a 17 anos não diminuiu entre 2015 e 2019, permanecendo em torno de 7%.
“Há extensas evidências científicas de que os aditivos de sabor desempenham papel fundamental para estimular o uso de derivados de tabaco por jovens e adolescentes, tornando esses produtos mais palatáveis”, adverte André Szklo. Segundo o pesquisador, a epidemia do tabagismo causa 174 mil mortes anualmente no Brasil e representa R$ 153,5 bilhões de custos diretos e indiretos para a sociedade.
“Os achados do estudo vão ao encontro da recente resolução da Anvisa de manter a proibição da fabricação, importação, comercialização, distribuição, armazenamento, transporte e propaganda de dispositivos eletrônicos para fumar. Tais dispositivos, nocivos à saúde, com seus designs atrativos e tecnológicos, são repletos de aromas e sabores que visam a promover a iniciação à dependência de nicotina nas novas gerações”, alerta.