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INCA vence Prêmio Marcos Moraes na categoria “Iniciativas para o Controle do Câncer”
Estudo desenvolvido pelo INCA recebeu o primeiro lugar na categoria “Iniciativas para o Controle do Câncer” do Prêmio Marcos Moraes, promovido pela Fundação do Câncer. A pesquisa é parte da tese de doutorado de Luiza Abdo e propõe método inovador que reduz o tempo de produção das células CAR-T para uso no tratamento do câncer. E ainda aumenta as chances de baratear custos.
O trabalho também foi publicado na revista internacional OncoImmunology, em 2020, e o anúncio da premiação pela Fundação ocorreu em cerimônia virtual, em setembro.
A terapia CART-Cell já existe e está disponível em alguns países da Europa e nos Estados Unidos, China e Japão, mas apresenta altos custos. “O maior desafio para democratizar o acesso a esse tipo de terapia é que ela é personalizada e ainda muito cara”, explica Luiza Abdo. Em linhas gerais, a terapia CART-Cell consiste em modificar as células do sistema imunológico do próprio paciente para combater o tumor. O processo de geração das CAR-T é realizado em laboratório a partir de células importantes do nosso sistema de defesa, T. Em nosso organismo, essas células geralmente nos protegem contra infecções e tumores, mas podem perder a capacidade de “reconhecer” as do câncer. O processo de produção das células CAR-T altera as T para que elas possam readquirir a capacidade de “reconhecer” asdo câncer e, então, atacá-las, como ocorre com as das leucemias e dos linfomas. “Por ser uma terapia personalizada, cada paciente exige um processo de produção próprio - e que não são rápidos. Nossa missão foi justamente a de tentar simplificar o método para alteração dessas células, buscando encurtar o tempo de produção das CAR-T”, completa a pesquisadora.
No método mais comumente utilizado, aplicado em laboratório, as células retiradas e modificadas – que estão fora do paciente – levam alguns dias para multiplicar-se, sendo o padrão mais frequente, de 8 a 10 dias. Logo, as células CAR-T são multiplicadas até chegarem a uma dose necessária para o tratamento do paciente. Depois disso, são infundidas novamente no paciente para que essas células alteradas reconheçam e destruam o tumor.
“Foi aí que surgiu nossa ideia de reduzir o tempo necessário para a expansão das células. Também pensamos na oportunidade de redução dos custos e desafios logísticos, porque, muitas vezes, os centros que fazem a produção das células CAR-T não estão próximos ao hospital em que serão aplicadas no paciente”, relata o orientador do estudo, Martín Bonamino. Frequentemente, é preciso que as células do paciente viajem até de país para que possam ser manipuladas. Nesse processo, retiram-se e congelam-se as células do paciente, que vão para os centros especializados, para sua modificação e multiplicação, e só depois voltarem ao paciente. “Às vezes, pode demorar até um mês ou mais para tratar o paciente. Assim, a nossa ideia foi produzir essas células em 24h, utilizando o que a gente chama de metodologias ultrarrápidas que permitem obter-se resultados em poucas horas”, explica Bonamino.
O destaque da pesquisa do INCA, que levou à sua premiação, foi justamente a capacidade de inovação na redução do tempo e do custo de produção das células CAR-T, buscando aumentar as chances de disponibilidade dessa terapia para mais pacientes. Ao se considerar a possível incorporação de novas terapias no Sistema Único de Saúde, a avaliação do custo é um fator decisivo. “É preciso também considerar os outros custos envolvidos no tratamento, a exemplo da internação do paciente, que vão além dos com a produção das células CAR-T. Como estamos falando de uma terapia extremamente eficiente, o desafio principal é criar abordagens para tentar fazê-la chegar em mais pacientes”, argumenta Luiza Abdo.
Além de Luiza, participaram do estudo Leonardo Chicaybam, Luciana Barros, Luísa Marques, Mariana Duarte e Priscila Souza, pesquisadores coordenados por Martín Bonamino, chefe do Programa de Terapia celular e gênica do Instituto.
Objetivo: reduzir custos
A inovação da equipe do INCA deu-se através da alteração do protocolo tradicional para modificação gênica, trabalhando com um método diferente. “Para explicar um pouco melhor, no protocolo tradicional, utiliza-se um vírus para a alteração gênica e, resumidamente, nós utilizamos um pedaço de DNA. O fato de trabalharmos com um sistema não-viral nos deu vantagens em relação ao tempo de multiplicação”, relata Martín Bonamino. Desse modo, os pesquisadores alteraram o protocolo, que se costuma utilizar nos tratamentos já aprovados no mundo, e testaram um novo método, que ainda é pouco utilizado para a produção de células CAR-T e que não havia ainda sido reportado nestes protocolos ultrarrápidos de modificação de linfócitos.
Toda a pesquisa foi realizada no INCA. Nesse procedimento, os pesquisadores “pegam” as células do banco de doadores do INCA (de pessoas saudáveis), modificam-nas nos laboratórios e tratam os tumores (humanos), no caso, leucemia, que estão crescendo em camundongos. O tratamento dos tumores é feito inserindo nos animais as células saudáveis alteradas (CAR-T) e avaliando os resultados. “Nós alteramos o método, buscando reduzir o tempo, para ver se funcionava. Quando comparamos os resultados de controle do tumor com os do protocolo tradicional de cultivo das células por 8 dias, constatamos resultados semelhantes e equiparáveis. Então, conseguimos mostrar que é viável”, esclarece Luiza Abdo. O trabalho é considerado totalmente inédito no Brasil e no mundo. “Já existiam grupos de pesquisa trabalhando com a redução do tempo, por exemplo, para três dias. Mas, ainda não tão rápido. Acreditamos que essa é uma grande conquista”, comemoram os pesquisadores do Instituto.
Hoje, as células CAR-T são consideradas revolucionárias no tratamento do câncer. Para se ter uma ideia, cerca de 90% dos pacientes portadores de leucemia linfoblástica aguda de células B e, sem chances possíveis de tratamento, responderam bem à terapia com células CAR-T, com 60% deles chegando à cura. Outras doenças como o mieloma múltiplo e linfomas também apresentam excelente resposta ao tratamento com células CAR-T. No Brasil, em fevereiro, foram aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária dois produtos para a comercialização. Um destes produtos acaba de ter seu preço definido no Brasil, beirando os R$ 2 milhões para o preparo do produto celular para cada paciente. Chegar às próximas fases da pesquisa, com o objetivo de que a terapia com células CAR-T alcance mais pacientes é um dos desafios dos pesquisadores. “Essa é uma das missões atuais do nosso grupo e é a próxima etapa da pesquisa. Agora, precisamos adaptar a forma como geramos estas células para chegar a uma escala suficiente para aplicarmos nos pacientes. É só depois que conseguirmos alcançar esse passo que poderemos passar pela aprovação da Anvisa e, enfim, começar a testar nosso produto em pacientes. Nós estamos otimistas, até porque é um tratamento que tem demonstrado excelentes resultados”, informa Martín Bonamino.