Fumicultura e saúde
A fumicultura é bastante exigente em termos de força de trabalho, com jornadas intensas e repetitivas. O ciclo produtivo tem duração de aproximadamente 10 meses, dividindo-se basicamente nas fases de produção de mudas e de campo. Desde a preparação para o plantio até a colheita, são usados diversos agrotóxicos de diferentes grupos químicos e classificação toxicológica, como herbicidas, inseticidas, fungicidas entre outros (Agostinetto,2021; Reis et al, 2017).
Abaixo esquema de representação do processo de produção do tabaco desenvolvido por Reis et al. (2017)
Figura 1 - Processo de Produção do tabaco: etapas, cargas de trabalho e impactos ambientais
O uso de trabalho manual intensivo, realizado em várias etapas do processo, bem como a adoção de posturas forçadas durante longas jornadas, aumenta o risco de desenvolvimento de problemas osteomusculares e dores crônicas nos trabalhadores dessas culturas (Reis et al, 2017).
A exposição aguda aos agrotóxicos pode causar os seguintes sintomas: tontura, fraqueza, cólicas abdominais, irritação nos olhos, visão turva, dor de cabeça, irritabilidade, cansaço, dormência, coceira na pele, diarreia, falta de apetite, enjoo, vômito, tremores, convulsão, falta de ar e aceleração dos batimentos cardíacos. Já a exposição crônica a essas substâncias pode causar diversas doenças, câncer, danos neurológicos, transtornos mentais, esterilidade masculina, infertilidade, malformações congênitas, reações alérgicas, entre outras (Inca, 2021).
Estudos têm apontado que, entre os fumicultores, existe risco de desenvolver alterações neuropsicológicas capazes de evoluir para quadros de depressão e suicídio (Krawczyk et al, 2014; Szortyka et al, 2021; Faria et al, 2014). Os resultados sugerem que a exposição a agrotóxicos pode estar relacionada a transtornos mentais. Contudo, outros fatores de risco comuns na cultura do tabaco, não podem ser excluídos (Campos et al, 2016). Dados coletados pelo Ministério da Saúde confirmam que as regiões produtoras de tabaco são as que apresentam maiores índices nacionais de depressão e suicídio entre os agricultores e por isso incluiu como parte de sua Agenda de Ações Estratégicas para a Vigilância e Prevenção do Suicídio 2017 a 2020 ações para prevenção do suicídio, vigilância e cuidados em Saúde Mental para os estados com maior produção de Fumo (RS, PR, SC e AL) (Ministério da Saúde, 2018; Ministério da Saúde, 2017).
Além do intenso uso de agrotóxicos, os fumicultores encontram-se também expostos à nicotina, absorvida pela pele através do manuseio das folhas de tabaco. Conhecida como Doença da folha verde, esta intoxicação caracteriza-se por ser uma doença relacionada ao trabalho, própria da manipulação das folhas do tabaco. A exposição é intensificada no momento da colheita, pois à medida que as folhas amadurecem são colhidas manualmente e carregadas junto ao corpo até o local onde são processadas. A folha molhada colhida nas primeiras horas da manhã, bem como os suores do corpo facilitam a absorção dérmica. O trabalho manual, com o uso de instrumentos de corte junto à manipulação de agentes químicos, propicia o surgimento de lesões na pele (pruridos, cortes e arranhões) podendo aumentar a absorção dérmica da nicotina (Arcury et al, 2008; Quandt et al, 2000; [12].
Os sintomas relacionados à doença da folha verde são comuns e não específicos, podendo estar também relacionados à exposição a agrotóxicos (Ministério da Saúde, 2017). Incluem tonteira, dor de cabeça, náusea e vômito, assim como cólicas abdominais, diarréia, dificuldade respiratória, palidez, sudorese, aumento da salivação, calafrios, e flutuações da pressão arterial e frequência cardíaca. Os sintomas geralmente ocorrem à tarde ou noite, várias horas após a exposição e a recuperação se dá no prazo de um a dois dias após o início dos sintomas (Ministério da Saúde, 2017; Campos et al, 2020; Oliveira et al, 2010).
A portaria do MS n.2309 de 20 de agosto de 2020, que atualiza a Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT), cita o efeito tóxico do tabaco e da nicotina (Doença da Folha Verde).
O trabalho agrícola pode ser considerado como um fator de risco para câncer de pele. Os fumicultores, em específico, realizam a colheita das folhas nos meses de maior pico de intensidade de radiação solar (dezembro/janeiro) e normalmente se expõem rotineiramente ao sol durante todo o dia, por muitos anos. Esse fato aliado à pele clara (descendentes de alemães, poloneses, italianos) pode aumentar em muito o risco de desenvolvimento de câncer de pele (Ministério da Saúde, 2006). Exposição excessiva à radiação ultravioleta pode causar ainda queimaduras, danos ao sistema imunológico e envelhecimento prematuro da pele. Nos olhos pode causar foto-queratites, foto-conjuntivite e catarata (Skincancer Foundation, s.d; Colditz et al, 2006).
Para mais informações, acesse:
Referências:
Agostinetto D, Puchalski LEA, Azevedo R, Storch G, Bezerra A.J.A, Grützmacher AD. 2021. Caracterização da fumicultura no município de Pelotas-RS. Revista Brasileira de Agrociência, 2000; 6(2):171-175.
Arcury, TA, Vallejos, QM, Schulz, MR, Feldman SR, Fleischer AB, Verma A, Quandt SA. 2008. Green Tobacco Sickness and Skin Integrity Among Migrant Latino Farmworkers. American Journal of Industrial Medicine, 2008; 51:195-203. Disponível em: http://libres.uncg.edu/ir/uncg/f/M_Schulz_Green_2008.pdf
Campos, E, Costa, VIB, Alves,SR, Rosa,ACS, Geraldino, BR, Meira,BC, Cunha,V, Cavalcante,T, Turci, SR, Sarpa,M, Otero, UB. 2020. Occurrence of green tobacco sickness and associated factors in farmers residing in Dom Feliciano Municipality, Rio Grande do Sul State, Southern Region of Brazil. Cadernos de Saúde Pública [online]. 2020, v. 36, n. 8. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/b4ZChXvNLXbvzPn9SScrgqG/abstract/?lang=en#. Acesso em 19 Agosto 2021
Campos, Y, Silva,VSP, Mello,MSC, Otero, UB. 2016. Exposure to pesticides and mental disorders in a rural population of Southern Brazil, NeuroToxicology, Volume 56, 2016, Pages 7-16. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0161813X16301036.
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Krawczyk, Noa BA; Meyer, Armando PhD; Fonseca, Maíra BA; Lima, Jaime. 2014. PhD Suicide Mortality Among Agricultural Workers in a Region with Intensive Tobacco Farming and Use of Pesticides in Brazil, Journal of Occupational and Environmental Medicine: September 2014 - Volume 56 (9) p 993-1000. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5240450/
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Szortyka, ALSC, Faria, NMX, Carvalho, MP, Feijó, FR, Meucci, RD, Flesch, BD, Fiori, NS, Fassa, AG. 2021. Suicidality among south brazilian tobacco growers. NeuroToxicology. 2021, 86, 52-58. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.neuro.2021.06.005