Fumicultura e Meio Ambiente
A Convenção-Quadro da OMS para o Controle do Tabaco exige, em seu artigo 18, atenção dos Estados Partes para a proteção do meio ambiente e da saúde das pessoas no processo de produção da folha de fumo, já que o cultivo de tabaco traz uma série de riscos para o ambiente e para a saúde dos fumicultores.
O plantio de fumo leva cerca de 10 meses, desde a preparação dos canteiros de mudas até a colheita e posterior secagem das folhas. Durante todo o período, são usados diversos tipos de agrotóxicos, como inseticidas, herbicidas e fungicidas. Muitos destes são classificados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como extremamente tóxicos e altamente tóxicos (Classes I e II) (DESER, 2003). Este uso exacerbado traz consequências à saúde dos fumicultores, causando intoxicação aguda e/ou crônica ao homem, inclusive o câncer, e contaminação dos compartimentos ambientais (águas, solo e ar).
Uma pesquisa realizada pela Área de Vigilância do Câncer Relacionado ao Trabalho e ao Ambiente do Instituto Nacional de Câncer em um município fumicultor verificou que 63% dos fumicultores relataram manipular agrotóxicos diretamente. Foram 54 produtos citados como de uso frequente, sendo os principais o Glifosato, herbicida largamente usado no Brasil para “capina química” e vários inseticidas organofosforados, estes sabidamente neurotóxicos ao homem, dentre outras consequências à saúde.
Independente do tipo de produto usado e da classificação toxicológica, a larga utilização de agrotóxicos no processo de produção agropecuária sempre traz transtornos e modificações para o ambiente, seja através da contaminação de seres vivos, seja através da sua acumulação nos compartimentos ambientais - biota, água, ar, solo, sedimentos etc. (Peres & Moreira, 2007). Não só pela toxicidade individual de cada produto, mas também pela mistura de muitas substâncias químicas, ao longo de muitos anos, no ambiente.
Além da pulverização e manuseio de agrotóxicos, as embalagens vazias destes produtos são uma fonte importante de contaminação do ambiente. Apesar do recolhimento destas embalagens pelo estabelecimento ou empresa que vende o produto ser uma prática em expansão em municípios fumicultores da região Sul, em consonância com o Decreto nº. 4.074/02, ainda se verifica o descarte inadequado, seja através da queima, descarte no lixo comum e/ou abandono no solo e leitos de rios.
Após a colheita, inicia-se o processo de secagem (cura) das folhas. Existem dois tipos de fumo mais produzidos no Brasil, o Burley e o Virgínia. Pelos dados nacionais, observa-se que o fumo Virgínia tem uma produção mais expressiva que o Burley, porém a AFUBRA já estima uma redução de 12% da produção da variedade Virgínia e em até 20% do Burley. Para a safra de 2015/16, esperava-se produzir 607.010 toneladas de tabaco nos três estados do Sul do País (529.415 toneladas de Virgínia, 66.586 de Burley e 11.010 de comum) (Afubra, s.d.).
O fumos Burley e Virgínia possuem processos de cura distintos. O Burley é curado em galpões, sem emprego de combustão alguma, mas o Virgínia, que possui produção nacional mais expressiva, é curado em estufas utilizando-se lenha como comburente. A origem da lenha é uma questão preocupante, pois parte desta é proveniente de desmatamento da mata nativa e também de eucalipto (reflorestamento). Dados apontam para um consumo, nos três estados da região Sul do Brasil, de 1,8 milhão de toneladas de madeira, em média, por safra para a cura do tabaco (Almeida, 2005).
Os desmatamentos ocorrem também com o objetivo de aumentar a área para o plantio de fumo (DESER, 2003). A Organização Mundial da Saúde estimou que, a cada ano, cerca de 200 mil hectares de matas e florestas são destruídos no mundo para dar lugar a plantações de tabaco (Almeida, 2005).
Além disso, é importante destacar a prática do reflorestamento que utiliza, em sua maioria, o eucalipto. Uma série de impactos ambientais sobre a água, o solo e a biodiversidade podem ser gerados devido à exploração de eucalipto em grandes áreas (Vital, 2007). A substituição da cobertura natural por plantas exóticas altera profundamente a paisagem, o clima, e mesmo a biodiversidade característica do território onde se instala a cadeia produtiva do fumo (Almeida, 2005).
Em um estudo realizado na região de Santa Cruz do Sul/RS observou-se que o processo produtivo do tabaco causou desflorestamento da mata nativa da região. No que se refere a qualidade do solo, observou-se aumento das concentrações de metais pesados e sedimentos, além do aumento significativo de manganês, que pode estar associada ao uso dos fungicidas diticarbamatos, que contém esse tipo de metal em sua composição. Também foram identificados resíduos de agrotóxicos em alimentos. Já sobre a qualidade das águas utilizadas para consumo, observou-se alta contaminação destas (Etges, 2002).
Em resumo, os principais impactos ambientais decorrentes da fumicultura são:
- Contaminação do ar - A aplicação de agrotóxicos expõe não apenas o trabalhador, mas todo o entorno, uma vez que é pulverizado e carreado pelo ar. Além disso, a queima de madeira para secagem das folhas, provoca a contaminação do ar pela emissão de partículas tóxicas;
- Contaminação da água – O uso de agrotóxicos na lavoura, bem como a lavagem de embalagens e tonéis que provocam a contaminação dos córregos e rios locais;
- Contaminação do solo: Agrotóxicos podem permanecer no ambiente e, que somado à monocultura do fumo, podem trazer empobrecimento do solo, além de contaminação de lençóis freáticos;
- Desmatamento: a retirada de árvores nativas e sua substituição por árvores de reflorestamento causam danos ao ecossistema.
Referências:
Afubra. s.d.Associação dos Fumicultores do Brasil. Produção Mundial de tabaco. Disponível em: http://www.afubra.com.br/principal.phpacao=conteudo&u_id=1&i_id=1&menus_site_id=302.
Almeida, CEG. 2005. Fumo. Servidão moderna e violações de direitos humanos. Terra de Direitos, Curitiba, 2005. Disponível em: http://actbr.org.br/uploads/conteudo/594_Fumo_serv_moderna_livro.pdf.
DESER. 2003. Departamento de Estudos Sócio-Econômicos Rurais. Ano III - Nº 04 - Dezembro de 2003. Disponível em: Revista nro 4_2003
Etges, VE. 2002. O impacto da cultura do tabaco no ecossistema e na saúde humana. Textual, Porto Alegre, v.1 n.1, p. 14-21, nov. 2002. Disponível em: http://www.sinpro-rs.org.br/textual/fumo.pdf
Peres, F & Moreira, JC. 2007. Saúde e ambiente em sua relação com o consumo de agrotóxicos em um pólo agrícola do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23 Sup 4:S612-S621, 2007.Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csp/v23s4/13.pdf
Vital, MHE. 2007. Impacto ambiental de florestas de eucalipto. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, V. 14, N. 28, P. 235-276, dez. 2007. Disponível em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/revista/rev2808.pdf
Artigos:
- Boeira, S & Guivant, JS. Indústria de tabaco, tabagismo e meio ambiente: as redes ante os riscos. Cadernos de Ciência & Tecnologia, Brasília, v. 20, n. 1, p. 45-78, jan./abr. 2003. Disponível em: https://seer.sct.embrapa.br/index.php/cct/article/view/8734
- Guivant, J. O uso de agrotóxicos e os problemas de sua legitimação. Um Estudo de Sociologia Ambiental no Município de Santo Amaro da Imperatriz, SC. Tese de Doutorado/UNICAMP, 1992.
- Troian, A; Oliveira, SV; Dalcin, D; Eichler, ML. O Uso de Agrotóxicos na Produção de Fumo: Algumas Percepções de Agricultores da Comunidade Cândido Brum, no Município de Arvorezinha (RS). Apresentado no 47º Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural, Porto Alegre de 26 a 30 de julho de 2009. Disponível em: http://www.sober.org.br/palestra/13/844.pdf