Detecção precoce
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), as estratégias para a detecção precoce são o diagnóstico precoce (abordagem de pessoas com sinais e/ou sintomas da doença) e o rastreamento (aplicação de um teste ou exame numa população assintomática, aparentemente saudável, com objetivo de identificar lesões sugestivas de câncer e encaminhá-la para investigação e tratamento). O teste utilizado em rastreamento deve ser seguro, relativamente barato e de fácil aceitação pela população, ter sensibilidade e especificidade comprovadas, além de relação custo-efetividade favorável (WHO, 2007).
Tanto a incidência como a mortalidade por câncer do colo do útero podem ser reduzidas com programas organizados de rastreamento. Uma expressiva redução na morbimortalidade pela doença foi alcançada nos países desenvolvidos após a implantação de programas de rastreamento de base populacional a partir de 1950 e 1960 (WHO, 2002a).
O rastreamento do câncer do colo do útero se baseia na história natural da doença e no reconhecimento de que o câncer invasivo evolui a partir de lesões precursoras (lesões intraepiteliais escamosas de alto grau e adenocarcinoma in situ), que podem ser detectadas e tratadas adequadamente, impedindo a progressão para o câncer.
O método principal e mais amplamente utilizado para rastreamento do câncer do colo do útero é o teste de Papanicolaou (exame citopatológico do colo do útero). Segundo a OMS, com uma cobertura da população-alvo de, no mínimo, 80% e a garantia de diagnóstico e tratamento adequados dos casos alterados, é possível reduzir, em média, de 60 a 90% a incidência do câncer cervical invasivo (WHO, 2002b). A experiência de alguns países desenvolvidos mostra que a incidência do câncer do colo do útero foi reduzida em torno de 80% onde o rastreamento citológico foi implantado com qualidade, cobertura, tratamento e seguimento das mulheres (WHO, 2007).
Diretrizes do rastreamento
O método de rastreamento do câncer do colo do útero no Brasil é o exame citopatológico (exame de Papanicolaou), que deve ser oferecido às mulheres ou qualquer pessoa com colo do útero, na faixa etária de 25 a 64 anos e que já tiveram atividade sexual (BRASIL, 2016). Isso pode incluir homens trans e pessoas não binárias designadas mulher ao nascer (CONNOLLY, HUGHES, BERNER; 2020; WHO, 2021).
A priorização desta faixa etária como a população-alvo do Programa justifica-se por ser a de maior ocorrência das lesões de alto grau, passíveis de serem tratadas efetivamente para não evoluírem para o câncer. Segundo a OMS, a incidência deste câncer aumenta nas mulheres entre 30 e 39 anos de idade e atinge seu pico na quinta ou sexta décadas de vida. Antes dos 25 anos prevalecem as infecções por HPV e as lesões de baixo grau, que regredirão espontaneamente na maioria dos casos e, portanto, podem ser apenas acompanhadas conforme recomendações clínicas. Após os 65 anos, por outro lado, se a mulher tiver feito os exames preventivos regularmente, com resultados normais, o risco de desenvolvimento do câncer cervical é reduzido dada a sua lenta evolução (INCA, 2016; 2021).
A rotina recomendada para o rastreamento no Brasil é a repetição do exame Papanicolaou a cada três anos, após dois exames normais consecutivos realizados com um intervalo de um ano. A repetição em um ano após o primeiro teste tem como objetivo reduzir a possibilidade de um resultado falso-negativo na primeira rodada do rastreamento (BRASIL, 2016). A periodicidade de três anos tem como base a recomendação da OMS e as diretrizes da maioria dos países com programa de rastreamento organizado. Tais diretrizes justificam-se pela ausência de evidências de que o rastreamento anual seja significativamente mais efetivo do que se realizado em intervalo de três anos (WHO, 2007)
O rastreamento de mulheres portadoras do vírus HIV ou imunodeprimidas constitui uma situação especial, pois, em função da defesa imunológica reduzida e, consequentemente, da maior vulnerabilidade para as lesões precursoras do câncer do colo do útero, o exame deve ser realizado logo após o início da atividade sexual, com periodicidade anual após dois exames normais consecutivos realizados com intervalo semestral. Por outro lado, não devem ser incluídas no rastreamento mulheres sem história de atividade sexual ou submetidas a histerectomia total por outras razões que não o câncer do colo do útero4.
O êxito das ações de rastreamento depende dos seguintes pilares:
- Informar e mobilizar a população e a sociedade civil organizada;
- Alcançar a meta de cobertura da população alvo;
- Garantir acesso a diagnóstico e tratamento;
- Garantir a qualidade das ações;
- Monitorar e gerenciar continuamente as ações.
É importante destacar que a priorização de uma faixa etária não significa a impossibilidade da oferta do exame para as mulheres mais jovens ou mais velhas. Na prática assistencial, a anamnese bem realizada e a escuta atenta para reconhecimento dos fatores de risco envolvidos e do histórico assistencial da mulher são fundamentais para a indicação do exame de rastreamento (BRASIL, 2010).
As mulheres diagnosticadas com lesões intraepiteliais do colo do útero no rastreamento devem ser encaminhadas à unidade secundária para confirmação diagnóstica e tratamento, segundo as diretrizes clínicas estabelecidas (BRASI, 2012).
Os eixos de atuação da detecção precoce do INCA são:
Produção e Disseminação do Conhecimento
O INCA/Ministério da Saúde elabora diretrizes para a detecção precoce do câncer e desenvolve estudos para subsidiar a gestão e o monitoramento da rede de atenção oncológica do SUS. As Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento do Câncer do Colo do Útero (abre em nova janela), os Parâmetros Técnicos para o Rastreamento do Câncer do Colo do Útero (abre em nova janela) e o Manual de Gestão da Qualidade para Laboratório de Citopatologia (abre em nova janela) são os atuais documentos de referências.
Gestão da Informação
O INCA é atualmente o gestor do Sistema de Informação do Câncer (Siscan), uma ferramenta de apoio à gestão para monitorar as ações de detecção precoce do câncer de mama. Lançado em 2013, vem sendo implantado em todo território nacional, substituindo e integrando o SISMAMA e o SISCOLO. Os dados gerados pelo sistema permitem avaliar a oferta de mamografias para a população alvo e estimar sua cobertura, avaliar a qualidade dos exames, a distribuição dos diagnósticos, a situação do seguimento das mulheres com exames alterados, dentre outras informações relevantes ao acompanhamento e melhoria das ações de controle da doença.
O Siscan é utilizado nas unidades de saúde, laboratórios de citopatologia e histopatologia que realizam exames pelo Sistema Único de Saúde e nas coordenações estaduais, regionais, municipais e intramunicipais responsáveis pelo acompanhamento das ações de detecção precoce do câncer. Acesse aqui o Manual do Siscan (módulos 1 e 2) e os formulários de solicitação e resultados de exames utilizados no sistema.
Periodicamente o INCA divulga o Informativo Detecção Precoce, com análises de indicadores das ações de controle dos cânceres de mama e do colo do útero, baseadas em dados do Siscan e outros sistemas de informação. Outros tipos de câncer foram tratados em algumas edições.
Educação à Distância
O INCA oferece Curso para profissionais da atenção primária à saúde (médicos, enfermeiros e dentistas), que atuam principalmente no Sistema Único de Saúde (SUS). A programação apresenta os fundamentos conceituais da detecção precoce e as recomendações para a detecção precoce dos tipos de câncer mais prevalentes. O curso EAD Detecção Precoce do Câncer dispõe de acompanhamento online por docentes e são abertas duas turmas por ano.
Comunicação em Saúde
Ações de comunicação e mobilização em saúde são estratégicas para o controle do câncer e devem ocorrer em todas as esferas de gestão. Os materiais informativos sobre a detecção precoce do câncer do colo do útero para a população e profissionais de saúde, tais como folder, cartazes, cards para as redes sociais, vídeo, exposições e outros, podem ser acessados em publicações.
Referências
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Rastreamento (Série A: Normas e Manuais Técnicos. Cadernos de Atenção Primária nº29). Brasília, 2010.
BRASIL. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Coordenação-Geral de Prevenção e Vigilância. Divisão de Detecção Precoce e Apoio à Organização de Rede. Nomenclatura brasileira para laudos citopatológicos cervicais. – 3. ed. – Rio de Janeiro : Inca, 2012. Brasília
BRASIL. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Coordenação de Prevenção e Vigilância. Divisão de Detecção Precoce e Apoio à Organização de Rede. Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero. – 2. ed. rev. atual. – Rio de Janeiro: INCA, 2016.
CONNOLLY, Dean; HUGHES, Xan; BERNER, Alison. Barriers and facilitators to cervical cancer screening among transgender men and non-binary people with a cervix: A systematic narrative review. Preventive Medicine, Volume 135, 2020.
INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA (INCA). Detecção precoce do câncer. – Rio de Janeiro : INCA, 2021.
MIGOWSKI, Arn; CORRÊA, Flávia de Miranda. Recomendações para detecção precoce de câncer durante a pandemia de covid-19 em 2021 Recommendations for cancer early detection during covid-19 pandemic in 2021.Rev. APS. 2020. No prelo.
WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Cervical cancer screening in developing countries : report of a WHO consultation. WHO, 2002a.
WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). National cancer control programmes: policies and managerial guidelines. 2.ed. Geneva: WHO, 2002b.
WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Cancer Control. Knowledge into ation. Early Detection (module 3). WHO guide for efective pogrammes. Switzerland: WHO, 2007.
WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). WHO guideline for screening and treatment of cervical pre-cancer lesions for cervical cancer prevention, second
edition. Geneva: World Health Organization; 2021.