Metodologia
A incidência de câncer foi estimada para as 26 Unidades da Federação (UF), suas capitais e o Distrito Federal. A metodologia é análoga à utilizada para o cálculo das estimativas realizadas para o Globocan e foi desenvolvida com base em modelos de predição de curto prazo (até cinco anos) ou pela utilização da razão de incidência/mortalidade (I/M) (FERLAY et al., 2021; SUNG et al., 2021).
Os métodos utilizados estão resumidos abaixo, na ordem descendente da precisão das estimativas derivadas.
- Quando as informações de incidência estavam disponíveis numa série histórica com, no mínimo, seis e, no máximo, 15 anos de informação e pelo menos 50 casos de câncer por ano, as estimativas foram realizadas utilizando-se o programa Depreed, desenvolvido pela Iarc, baseado em modelos de predição de tempo linear (DYBA; HAKULINEN, 2000; FERLAY et al., 2007).
E(taxa(i,t)) = αi + βi x t
Log(E(taxa(i,t))) = αi + βi x t
Log(E(taxa(i,t))) = αi + β x t
Em que:
E(taxa(i,t)) = taxa de incidência esperada na idade i, no ano t, tendo αi, β e βi como parâmetros.
O primeiro modelo assume mudanças lineares diferentes ao longo do tempo e entre diferentes grupos de idade. O segundo é o mesmo modelo em escala logarítmica: é geralmente escolhido para cânceres com tendências decrescentes, de modo a evitar a estimativa de valores negativos. O terceiro modelo assume as mesmas mudanças log-lineares proporcionais ao longo do tempo dentro do grupo de idade.
Esse método, quando aplicável, foi abordado para estimar os casos novos das capitais, do Distrito Federal ou dos Estados que possuem informações consolidadas dos Registros de Câncer de Base Populacional (RCBP). Para cada localidade, foi definido o banco de dados e executada a rotina do programa Depreed. O programa seleciona o melhor modelo de predição no tempo linear para estimar o número de casos novos e de taxas bruta e ajustada. A base de dados correspondeu ao respectivo período de cada registro em um limite máximo de 15 anos.
- Nas situações em que a incidência não pode ser estimada pelo método acima citado, as estimativas foram realizadas utilizando-se a razão I/M (BLACK et al., 1997). Nas capitais, no Distrito Federal ou nos Estados, utilizou-se a razão I/M do próprio RCBP ou da mediana da Região geográfica à qual o RCBP pertence. Essa razão foi aplicada às taxas brutas e ajustadas de mortalidade estimadas por regressão linear para o ano de 2023, por UF, respectivas capitais e Distrito Federal. Quando a regressão linear não se mostrou adequada, foram utilizadas, como alternativa, as taxas média, bruta e ajustada dos últimos cinco anos disponíveis (de 2016 a 2020) (INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA, 2020a). Ou seja:
Em que:
TIL = taxa de incidência (bruta ou ajustada) estimada para UF, Distrito Federal ou capital.
TML = taxa de mortalidade (bruta ou ajustada) estimada pela série histórica de mortalidade (ou taxa média) para UF, Distrito Federal ou capital.
IR = quociente entre o número de casos novos (incidência) nas localidades dos RCBP (período entre 2008 e 2019) e a raiz quadrada da população.
M0 = quociente entre o número de óbitos nas localidades dos RCBP (período entre 2008 e 2019) e a raiz quadrada da população, obtidos do SIM.
A razão I/M foi obtida dividindo-se o número de casos novos de câncer dos últimos cinco anos do RCBP pelo número de óbitos do mesmo período e local. A fim de prevenir a flutuação das informações em razão de pequenas populações, utilizou-se, como denominador, em ambos os casos, a raiz quadrada da população (FERLAY et al., 2013).
Nas capitais onde a informação do RCBP ainda não se encontra disponível, utilizou-se a mediana da razão I/M dos RCBP existentes naquela Região geográfica. Nas capitais em que não foi possível aplicar o método 1, utilizou-se a razão I/M do próprio RCBP.
Para os Estados, a mesma lógica foi adotada: onde não existe informação disponível, a mediana da Região foi utilizada; nas situações em que existe informação do RCBP, a razão I/M do próprio foi utilizada para calcular a estimativa do Estado. Para o Distrito Federal, os métodos 1 e 2 foram utilizados segundo os critérios acima citados.
A disponibilidade das informações e o método utilizado para Estados, capitais e Distrito Federal encontram-se no Apêndice A (Tabelas 63 e 64).
Para melhorar a qualidade das informações sobre mortalidade por câncer do colo do útero, foi aplicada a correção dos óbitos, de modo a incorporá-los e corrigi-los. Foi realizada a redistribuição de mortes por câncer do útero não especificado para câncer do colo do útero ou do corpo do útero, bem como a reatribuição de mortes na categoria combinada para a sua codificação original como corpo do útero e útero não especificado (LOOS et al., 2004).
A estimativa de casos novos para as cinco Regiões geográficas e para o Brasil foi obtida pela soma dos valores absolutos por UF. As taxas brutas correspondentes foram obtidas dividindo-se os valores de casos novos das Regiões geográficas ou do Brasil pelas suas respectivas populações. Para o Brasil, a taxa ajustada foi obtida pela mediana das taxas das UF e do Distrito Federal, enquanto, para as Regiões geográficas, foi obtida pela mediana das taxas das UF correspondentes.
Todos os valores absolutos estimados foram arredondados para dez ou múltiplos de dez. As taxas de incidência apresentadas referem-se aos valores obtidos antes do arredondamento.
Para descrever o padrão geográfico da ocorrência de câncer, as taxas ajustadas de incidência obtidas para as UF e o Distrito Federal foram representadas espacialmente com base nas distribuições das taxas por quartil.
Para esta publicação, utilizaram-se, como denominador para o cálculo das taxas apresentadas, as estimativas populacionais censitárias (1980, 1991, 1996, 2000 e 2010) e intercensitárias (de 1981 a 2020). A estimativa populacional para as capitais foi obtida tomando-se como base a distribuição proporcional das capitais da população do Censo 2010 (Anexo B - Tabelas 66 e 67) (BRASIL, 2022; INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2018).
Nesta publicação, apresenta-se a estimativa para o triênio de 2023 a 2025 do número de casos novos e respectivas taxas brutas e ajustadas por idade para câncer em geral e 21 localizações selecionadas para sexo masculino, feminino e total, UF, capitais, Distrito Federal, Regiões geográficas e Brasil.
Os tumores selecionados basearam-se na terceira edição da Classificação Internacional de Doenças para Oncologia (CID-O3) (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2005) e foram convertidos para a décima revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1997a, 1997b).
Foram incluídos os cânceres cujas localizações primárias encontram-se abaixo descritas:
- Todas as neoplasias (C00-C97; D46).
- Cavidade oral (C00-C10).
- Esôfago (C15).
- Estômago (C16).
- Cólon e reto (C18-C21).
- Fígado e vias biliares intra-hepáticas (C22).
- Pâncreas (C25).
- Laringe (C32).
- Traqueia, brônquio e pulmão (C33-C34).
- Melanoma maligno da pele (C43).
- Outras neoplasias malignas da pele (C44).
- Mama feminina (C50).
- Colo do útero (C53).
- Corpo do útero (C54).
- Ovário (C56).
- Próstata (C61).
- Bexiga (C67).
- Sistema nervoso central (C70-C72).
- Glândula tireoide (C73).
- Linfoma de Hodgkin (C81).
- Linfoma não Hodgkin (C82-C85; C96).
- Leucemias (C91-C95).
As taxas de incidência dependem da capacidade de diagnóstico dos casos de câncer, que, por sua vez, está relacionada à adequação, ao acesso e à utilização dos serviços de diagnóstico, especialmente para pele não melanoma, leucemias e cânceres de cérebro, fígado e pâncreas. Por outro lado, estratégias de detecção precoce (testes ou programas), aumento da capacidade diagnóstica e mudanças na atenção oncológica podem resultar no aumento transiente das taxas de incidência como resultado da descoberta de casos de câncer subclínicos. Como consequência, há a perspectiva de uma inflação das taxas de incidência de certos tipos de câncer para os quais pode ter havido extensa investigação para doença assintomática ou um aumento da quantidade de achados acidentais decorrentes do uso de técnicas de imagem de alta resolução. Como exemplos desse fenômeno, podem-se citar o câncer de próstata, pelo advento do teste de antígeno prostático específico (PSA); o câncer de tireoide, após a introdução de novas técnicas diagnósticas; e o câncer de mama, com a utilização da ultrassonografia e da mamografia como estratégias de rastreamento em mulheres jovens (abaixo de 50 anos).
Esse fenômeno foi observado na maior parte das informações dos RCBP utilizadas para calcular esta estimativa, especialmente nos casos de cânceres de próstata e de tireoide. A fim de evitar ou minimizar que esse padrão se reflita na estimativa de casos novos, conduzindo à interpretação falaciosa do resultado, optou-se por utilizar a mediana da Região da localidade onde tais situações foram identificadas.
Os métodos para estimativa da incidência acima foram obtidos das informações dos RCBP e do SIM e, portanto, seu resultado reflete a representatividade dos indicadores de qualidade (cobertura, validade e atualidade) da fonte de informação de cada localidade. O fato de ser utilizada a informação do próprio registro para a estimativa dos casos novos fez com que tal informação refletisse melhor o perfil de incidência de câncer da localidade.
Uma vez que o cálculo das estimativas guarda estreita dependência com as informações de mortalidade, quanto melhor a qualidade da informação sobre mortalidade, melhor será a informação estimada para a incidência. A partir do ano de 2005, observou-se uma melhoria na informação sobre mortalidade no Brasil, refletida pela qualidade da informação obtida na causa básica da morte na declaração de óbito. Outro fator a ser considerado é a progressiva expansão da população coberta pelos RCBP, bem como a constante busca pela melhoria da qualidade das informações, fazendo com que, a cada ano, a validade e a precisão das estimativas aumentem.
A base de dados de incidência obedece à estrutura e à dinâmica de cada um dos RCBP. Atualmente, o período de informações disponível varia de 1987 até 2019. A qualidade das informações difere de registro para registro e também varia de ano para ano, uma vez que os RCBP modificam sua série de casos, melhorando a qualidade e a atualidade das informações.
Como foi antecipadamente ressaltado, recomenda-se cautela na interpretação e na utilização das estimativas para analisar tendências temporais. Tal cuidado justifica-se em virtude de mudanças ocorridas na metodologia e, principalmente, na melhoria da qualidade das informações ao longo do tempo.
A base de dados utilizada para mortalidade, embora de qualidade, possui uma defasagem de aproximadamente dois anos; portanto, o efeito de uma mudança no quadro da mortalidade no período entre 2021 e 2022 não será captado pelas projeções atuais.
Ainda não se sabe, de modo definitivo, como a pandemia de covid-19 afetará o impacto dos casos de câncer. Essa situação extraordinária não será refletida nas estimativas de 2023 a 2025, que se basearam nas tendências de incidência e mortalidade de anos anteriores. Atrasos importantes no diagnóstico de câncer foram relatados em diversos países. A pandemia de covid-19 também afetou o processo de registro nos RCBP, especialmente em países de baixa e média rendas, e pode levar a atrasos nos relatórios que afetam as taxas de incidência correspondentes aos anos anteriores a 2020 (FERLAY et al., 2021; SOERJOMATARAM et al., 2022).
As bases de dados tanto de incidência quanto de mortalidade baseiam-se nas melhores informações sobre câncer disponíveis no país. Embora haja limitações, acredita-se que as estimativas sejam capazes de descrever padrões atuais de incidência de câncer, possibilitando o dimensionamento da magnitude e do impacto dessa doença no Brasil.