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Discurso da ministra Anielle Franco durante Abertura do II Fórum de Pessoas Afrodescendentes da ONU
Senhor Secretário-Geral da ONU, António Guterres,
Senhora Presidente do Fórum Permanente de Pessoas Afrodescendentes, Sra. Epsy Campbell,
Senhores Chefes de Delegação e Representantes de Estados-membros das Nações Unidas,
Senhoras e senhores participantes da sociedade civil,
Me chamo Anielle Franco e aqui falo enquanto Ministra da Igualdade Racial do Brasil.
É com muita alegria e esperança que retomamos a participação do Governo brasileiro perante ao Fórum Permanente de Pessoas Afrodescendentes, espaço de combate ao racismo, à xenofobia, à intolerância e ao discurso de ódio.
São marcos disruptivos, para a história afrodiaspórica global, a organização e realização da Conferência de Durban em 2001, na África do Sul, onde ativistas, militantes de movimentos negros organizados do mundo todo e Estados-membros reivindicaram que o enfrentamento ao racismo é uma pauta de direitos humanos. A redução de desigualdades sociais, de gênero, econômicas, só serão eficazes com a centralidade do combate ao racismo no palco da geopolítica global.
Foi pela liderança de mulheres negras integrando organizações da sociedade civil, governos e centros de pesquisa, que a delegação brasileira teve grande influência nas discussões da conferência. Isso ocorreu porque, antes mesmo da aterrissagem na África do Sul, os brasileiros e brasileiras já estavam trabalhando ativamente em discussões locais e regionais que apareceram na reunião global de 2001.
Hoje, em 2023, esta máxima não será diferente. Sob a liderança da Sra. Epsy Campbell, uma liderança e referência para outras mulheres negras ao redor do globo, temos aqui a maior delegação do Brasil na história.
Nós, governo brasileiro e sociedade civil, estamos aqui para firmar o compromisso do Brasil com o mundo na liderança do combate ao racismo e na promoção de políticas de memória e reparação como pilar central das democracias modernas.
As marcas do colonialismo e a escravização de africanos e afrodescendentes têm profundo efeito em comunidades e países ao redor do mundo. Levantamos aqui a oportunidade de promovermos um esforço global para marcar a memória de nosso passado, apontando as contradições do presente sem perder o trilhar de um caminho de futuro de mudanças e transformações para nossos povos.
É sob a chaga da colonização e os resquícios de uma abolição inconclusa que povos em negros, africanos e afrodescendentes se levantaram no último século para a promoção de direitos essenciais ao exercício da vida. A década passada, marcada pelo reconhecimento internacional que os povos afrodescendentes representam um grupo distinto cujos direitos humanos precisam ser promovidos e protegidos, não foi o suficiente para que as ações que acreditamos serem necessárias e efetivas fossem globalmente mobilizadas.
Experimentamos nos últimos anos a fragilidade até das grandes conquistas, muitas delas desmanteladas e corrompidas pela barbárie que o autoritarismo patrocina quando conquista o poder e ameaça as democracias. Vimos a precarização da vida, a fome, a injustiça social perversa e violenta se intensificou diante de uma pandemia, que afetou majoritariamente populações negras deste continente, e que, historicamente recai sobretudo nos ombros das mulheres negras. O que emerge desse cenário é a nossa força coletiva e democrática, que retomou as rédeas do nosso Brasil, mas também do mundo.
Dito isso, reforço a proposta e fala do Presidente do Brasil Luís Inácio Lula da Silva de que a Assembleia Geral da ONU, que aqui anualmente se reúne, proclame a renovação de mais um decênio da Década Internacional de Afrodescendentes. Desta vez, apontemos o tema de memória, reparação e justiça, para que ações concretas e eminentes sejam desenvolvidas para cerca de 200 milhões de pessoas auto identificadas como afrodescendentes que vivem nas Américas, e também para muitos outros milhões vivem em outras partes do mundo.
A paz, a democracia, a segurança internacional, o combate às desigualdades e a garantia de direitos humanos só irão coexistir quando os séculos de racismo sistêmico - que tem como característica a desumanização, a subjugação, o trauma, o apagamento de nossa cultura e a violência psicossocial - forem reparados.
E que tenhamos mais uma oportunidade de começar hoje por aqui.
Nos levantemos juntos em solidariedade ao menino Vinicius Jr, jogador do Real Madrid, que na última semana sofreu a consequência do racismo: sua manifestação por meio de ódio, violência e agressões de mais de 50 mil pessoas em um estádio de futebol.
A herança da colonização e a desumanização dos afrodescendentes permanece nas nações que hoje lideram debates mundiais sobre o futuro do planeta. Seja no Brasil ou na Espanha, todos os governos, repito, todos, devemos priorizar em nossas políticas internas e externas o combate e a superação do racismo, da xenofobia e do discurso de ódio como pilares centrais de nossas democracias.
Este Fórum Global representa a esperança de um futuro em que nenhum outro Vinícius Jr tenha que passar pela violência e ódio apenas por sua cor de pele.
Foi aqui neste país em que estamos hoje que o Dr. Martin Luther King Jr. apontou para o sonho, o sonho dos direitos civis e políticos para afrodescendentes. Mandela, em seu discurso de liberdade na África do Sul, na cidade do Cabo em 11 de abril de 1990, apontou que nossa marcha para a liberdade é um caminho irreversível. Marielle Franco, minha irmã e ex-vereadora da cidade do Rio de Janeiro morta em 14 de março de 2018, falou que nenhuma mulher negra será interrompida.
Senhores e Senhoras, autoridades e representantes da sociedade civil, em especial a grande delegação brasileira aqui presente, caminhemos juntos por memória, justiça e reparação para cada pessoa afrodescendente deste planeta. O Brasil, a maior nação negra fora de África se coloca à disposição para no futuro sediar este grande e importante Fórum, nosso país ainda tem um caminho árduo para promover os direitos que nossa população merece.
Queremos ser a potência mundial da luta por reparação e promoção de direitos para pessoas afrodescendentes no mundo.
Juntos, juntas e juntes superaremos a chaga do racismo e promoveremos a verdadeira libertação de nossos povos.