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Nota oficial contra a PEC 9/2023
A PEC 09/2023, que tramita no Congresso Nacional, tem como escopo a retirada de sanções aos partidos que não preencheram a cota mínima de recursos ou que não destinaram os valores mínimos em razão de sexo e raça em eleições. A proposta colide com as conquistas de mulheres e da população negra que historicamente são sub-representadas no cenário político do país, não obstante componham a maior parte da população brasileira.
Apesar de 27% da população ser declaradamente de mulheres negras, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE, esse grupo representa apenas 2% do Congresso Nacional e são menos de 1% na Câmara dos Deputados.
A Emenda Constitucional (EC) 111 foi criada para aumentar a representatividade na política e impactou diretamente nas eleições. Segundo a Agência Senado, as mulheres representam 53% do eleitorado do país, o que corresponde a 82 milhões de votantes e, apesar disso, ocupam apenas 17,28% das cadeiras.
O texto da citada emenda determina a contagem em dobro dos votos dados a mulheres e pessoas negras no cálculo para a distribuição dos recursos dos fundos partidário e eleitoral. Assim se estabeleceu que os recursos do Fundo Eleitoral sejam distribuídos a candidaturas de forma mais equitativa para que mulheres, negras e negros alcancem , de fato, viabilidade e competitividade eleitoral.
Neste sentido, é inadmissível o retrocesso representado pela PEC 09/2023 que esvazia o primeiro de muitos passos que precisam ser dados para o combate às múltiplas barreiras de acesso igualitário de mulheres e pessoas negras a cargos políticos.
Se promulgada a proposta, caminharemos na contramão da luta por uma democracia de fato representativa já que o pequeno passo dado pela alteração legislativa inserida no § 7º do art. 17 da Constituição Federal será considerado letra morta. A sanção em uma norma jurídica cumpre importante função de impor uma consequência ao descumprimento do preceito legal. É, portanto, atributo fundamental para garantir a eficácia da norma, diz o artigo:
Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: (...)
§ 7º Os partidos políticos devem aplicar no mínimo 5% (cinco por cento) dos recursos do fundo partidário na criação e na manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, de acordo com os interesses intrapartidários. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 117, de 2022)
O argumento utilizado para justificar a proposição de que “entes partidários tiveram dificuldade em se ajustar ao novo comando constitucional” não se sustenta já que antes da EC 117 de 2022, a Lei 13.165/2015 criava balizas para incentivar a participação de mulheres nas campanhas políticas. A constitucionalidade e importância desta forma de ação afirmativa foi afirmada pelo STF no julgamento da ADI 5617 que estabeleceu importantes marcos sobre o tema:
- O princípio da igualdade material é prestigiado por ações afirmativas como as que buscam reduzir iniquidades e corrigir assimetrias na participação d incentivam a participação de mulheres e demais grupos historicamente excluídos;
- A autonomia partidária não consagra regra que exima o partido do respeito incondicional aos direitos fundamentais.
No Brasil, o racismo e o sexismo são regra, não exceção. Assim a ausência, o silêncio e falsa neutralidade de iniciativas como a PEC 9/2023 tornam as instituições e seu agentes ética e politicamente responsáveis pela perpetração desse sistema, pois como apontou Lélia González, enquanto tal questão não for assumida de forma completa e efetivamente comprometida, será muito difícil, no Brasil o exercício de uma ordem constitucional efetivamente democrática.