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Em posicionamento histórico, Brasil reconhece demora para julgar acusação de discriminação racial na Corte Interamericana de Direitos Humanos
O Estado brasileiro reconheceu nesta quinta-feira (29), perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), violações aos direitos de duas mulheres negras, Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira, à duração extensa do processo criminal no julgamento de acusação de discriminação racial no ambiente de trabalho.
Esta é a primeira vez que o Estado brasileiro faz um reconhecimento formal do tipo em um caso envolvendo discriminação racial. A admissão foi realizada durante alegações finais orais apresentadas pelo Ministério da Igualdade Racial, a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério das Relações Exteriores (MRE), durante o julgamento do caso pela Corte em sua sede em São José, na Costa Rica.
A manifestação é fundamentada em dois dispositivos (8.1 e 25.1) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), acordo do qual o Brasil é signatário, que tratam do direito à razoável duração do processo e do direito de acesso à Justiça.
O fato que deu origem à causa ocorreu em março de 1998, mas a finalização dos procedimentos criminais relativos à acusação de discriminação racial só ocorreu em 2009, mais de onze anos depois. No intervalo, a Justiça brasileira chegou a declarar indevidamente a prescrição do processo, em 2004. O entendimento foi revisto em 2005, mas o episódio contribuiu para atrasar ainda mais a tramitação do processo.
A diretora de Ações Governamentais, Ana Carinhanha, do Ministério da Igualdade Racial, leu a declaração do pedido de desculpas. “Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira Gomes, neste momento em que o Estado brasileiro declara ser lamentável e inadmissível que qualquer pessoa, por conta da sua origem étnica, raça ou cor, deixe de seguir os seus sonhos, não tenha a liberdade de escolher um ofício ou profissão e/ou seja cerceado de experienciar a plenitude da sua própria existência, é importante destacar que a coragem de vocês nos ajuda a avançar no aprimoramento do enfrentamento ao racismo e na promoção da igualdade racial.”, declarou.
Na manifestação, foi destacado que “sabemos que não é suficiente, mas pedimos desculpas”. “Nesse processo histórico que não seria possível de se vivenciar sem a persistência dos movimentos sociais, o Estado brasileiro reconhece também que o senso coletivo e sistêmico desta demanda nos ajuda a amadurecer um projeto de país democrático e inclusivo.”, completou a diretora do MIR.
Conjunto de medidas
Na manifestação, foi destacado que, no Brasil, o racismo é fruto de um “longo e infeliz processo histórico refletido em instituições e práticas excludentes, que geraram e continuam a gerar uma configuração social fragmentária, desigual e injusta”. Contudo, foi assinalado que o país tem adotado, ao longo dos anos, um amplo conjunto de medidas para enfrentar a questão.
A lista inclui desde dispositivos da Constituição Federal que repudiam expressamente o racismo até adesão a convenções e tratados internacionais por meio dos quais o Brasil assumiu o compromisso de adotar medidas para enfrentar a discriminação, passando por um conjunto de leis que visam punir crimes relacionados ao preconceito ou promover a inclusão da população negra (como as leis de cotas raciais no ensino superior e nos concursos públicos), bem como pela jurisprudência consolidada em tribunais trabalhistas a favor de indenizações a trabalhadores que sofrem preconceito.
“O Governo Federal tem empenhado esforços para que todas as pessoas independentemente de sua raça, cor, etnia, gênero e sexualidade tenham seus direitos constitucionais garantidos, e sejam tratados com dignidade e igualdade de oportunidades. Por esta razão, o Estado externa a todos e a todas o seu compromisso em fortalecer, ampliar e promover políticas internas e externas voltadas à efetivação de uma democracia com equidade racial e de gênero na qual a dignidade não seja um privilégio, mas um direito de todos.”, afirmou Ana Carinhanha.
Alcântara
Em abril, o Ministério da Igualdade Racial participou de audiência perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, só que na ocasião em Santiago, no Chile, na qual o Estado brasileiro admitiu outras violações de direitos humanos. Na oportunidade, foi discutido o caso das comunidades quilombolas de Alcântara (MA) e proposto políticas de reparação.
Sobre a Corte
A Corte Interamericana de Direitos Humanos é um dos três tribunais regionais de proteção de direitos humanos, juntamente com as cortes Europeia e Africana de Direitos Humanos. É uma instituição judicial autônoma cujo objetivo é aplicar e interpretar a Convenção Americana, também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica – tratado internacional que estabelece direitos e liberdades que devem ser respeitados pelos Estados-parte, dentre os quais se inclui o Brasil. O Tribunal exerce competência contenciosa, o que confere a atribuição de resolução de litígios e supervisão de sentenças. Também exerce função consultiva, além de proferir medidas provisórias.
A Convenção Americana estabelece que a Comissão Interamericana e a Corte IDH são órgãos competentes para conhecer de assuntos relacionados ao cumprimento de compromissos contraídos pelos Estados Partes signatários do tratado.