Notícias
Declaração de reconhecimento a violações nas Comunidades Quilombolas de Alcântara
Foto: Luís Henrique Wanderley/Agência de Notícia do Estado do MA
No caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs. Brasil, em curso atualmente na Corte Interamericana de Direitos Humanos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e os representantes de 152 comunidades quilombolas de Alcântara alegam que o Brasil violou direitos humanos internacionalmente protegidos. Alegam-se, especialmente, violações causadas pela falta de titulação coletiva da propriedade sobre as terras tradicionalmente ocupadas, ausência de consulta livre, prévia e informada às comunidades com relação à instalação do Centro de Lançamento de Alcântara, violações a direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, além de ineficiência de recursos judiciais e administrativos para remediar a situação.
O Estado brasileiro reconhece as 152 comunidades representadas nesse caso como sendo remanescentes de quilombos, conforme certificação oficial conferida pela Portaria nº 35, de 2004, lavrada pela Fundação Cultural Palmares. As comunidades remanescentes de quilombos são regidas por fortes marcos de tradicionalidade, dotadas de identidade cultural própria, decorrentes de um processo histórico de resistência a formas injustificáveis de dominação, com forte ligação a uma trajetória de lutas e conquistas advindas de elos familiares e de ancestralidade.
Conforme já manifestado à Corte Interamericana de Direitos Humanos nesse caso, as comunidades remanescentes de quilombos de Alcântara devem ser reconhecidas como povos tribais à luz do Direito Internacional, mais precisamente da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho. A natureza jurídica própria dessas comunidades deve orientar a interpretação e aplicação dos direitos humanos estabelecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Nesse sentido, por força do art. 21 da Convenção Americana, tal como informa a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, os Estados Partes da Convenção têm o dever geral de promoção do direito à propriedade coletiva em favor de comunidades tradicionais. O art. 25 da Convenção Americana, por sua vez, também segundo a interpretação conferida à luz da natureza jurídica própria dessas comunidades, impõe aos Estados Partes o dever de fornecer recursos judiciais e administrativos internos rápidos e eficientes, capazes de proteger comunidades tradicionais contra ações ou omissões estatais que violem seus direitos.
Ao se cotejarem os fatos sob julgamento nesse caso e a compreensão adequada daqueles direitos, conclui-se que o Estado brasileiro violou os direitos à propriedade e à proteção judicial das 152 comunidades quilombolas de Alcântara.
Houve violação estatal ao direito de propriedade nesse caso porque o Brasil não promoveu a titulação do território tradicionalmente ocupado pelas comunidades até o momento. Houve também violação à proteção judicial em decorrência da demora processual e da ineficiência das instâncias judiciais e administrativas para permitir às comunidades quilombolas de Alcântara o exercício do direito à propriedade coletiva das terras por elas ocupadas. O processo de titulação desses territórios, embora complexo e multifásico, tardou demasiadamente e até hoje não ultimou os trâmites necessários à efetiva titulação territorial. Toda essa realidade revela que o Brasil não foi capaz de fornecer às comunidades recursos internos rápidos e eficazes.
Em razão disso, considerando-se a natureza jurídica própria de que se revestem as medidas de reparação por violações dos Estados ao Direito Internacional, o Estado brasileiro manifesta publicamente seu pedido de desculpas às comunidades remanescentes de quilombos de Alcântara.
Esta declaração será veiculada em página oficial durante 1 ano após a audiência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que se realiza nos dias 26 e 27 de abril de 2023, ou até 6 meses após a sentença da Corte, o que se concluir mais tardiamente. A Advocacia-Geral da União também comunicará a publicação desta declaração em todos os processos judiciais e administrativos em curso no Brasil e relacionados ao direito de propriedade e à proteção judicial. Finalmente, o Brasil manifesta seu compromisso de realizar cerimônia oficial de pedido de desculpas em até 4 meses após a referida audiência, em data e local a serem acordados com representantes das comunidades.
Ainda quanto às medidas de reparação decorrentes das violações ora reconhecidas, no dia 25 de abril de 2023, o Presidente da República editou o Decreto nº 11.502, por meio do qual determinou que se realize a titulação progressiva do território quilombola de Alcântara em até 2 anos após a publicação da portaria de reconhecimento territorial, ao menos quanto à área já pertencente à União. Essa portaria deve ser lavrada imediatamente após decisão do Ministro de Estado da Casa Civil da Presidência da República sobre o acolhimento ou não de alternativas às soluções para a titulação territorial daquelas comunidades, conforme relatório que será apresentado por Grupo de Trabalho Interministerial em até 1 ano.
Finalmente, informa-se que o Governo Federal está comprometido em viabilizar a destinação de recursos financeiros a título de compensação pelas violações aqui reconhecidas. Esses recursos serão destinados à adoção de políticas públicas que beneficiem diretamente as comunidades, em entendimento com seus representantes. O objetivo é viabilizar um montante financeiro equivalente ao valor integral solicitado pelas comunidades a título de reparação coletiva neste caso. Tão logo se tenha a confirmação dessa destinação orçamentária, o Estado brasileiro espera que as comunidades reconheçam perante a Corte Interamericana o atendimento integral de sua postulação.
Brasília, 27 de abril de 2023.
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL