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EXPOT&C: Vila Nuclear atrai público com experiências "inusitadas" apresentadas pela CNEN
Pedrinhas que “pulam” da tela, visita a um reator nuclear de pesquisa, análise sensorial de alimentos irradiados e não-irradiados, um cintilômetro que lembra aquelas armas de “O exterminador do Futuro” e a experiência de vestir aquele traje “antirradiação” esquisito dos filmes de ficção científica. Essas são algumas das atrações que a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) trouxe para ExpoT&C, mostra de ciência, tecnologia e inovação que acontece no campus da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba.
Com expectativa de receber um público de seis mil visitantes, a ExpoT&C chega a sua 30ª edição e acontece no Centro Politécnico da UFPR, em concomitância com a 75ª Reunião Anual da SBPC. Este ano, os tradicionais estandes foram substituídos por uma “cidade”, para evidenciar que o conhecimento científico e tecnológico é desenvolvido de forma integrada e colaborativa. A CNEN e suas unidades técnico-científicas compõem a Vila Nuclear, área de 54m 2 .
Os simuladores do Laboratório de Realidade Virtual do Instituto de Engenharia Nuclear (IEN/CNEN), sediado no Rio de Janeiro, têm atraído a atenção dos visitantes, principalmente de crianças e jovens. As experiências vão desde o treinamento para uso de detetor de radiação, até visita virtual ao reator Argonauta, cuja maquete está exposta. Também é possível conhecer programas que mostram a sala de bombeamento da Usina de Angra II, da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, em Angra dos Reis.
De acordo com o pesquisador Eugenio Marins, é na sala de bombeamento que ocorrem os treinamentos para operações de comutação de bombas. Muito confuso para quem não é da área? Não importa, o que vale é a sensação de estar ali, em um local de acesso restrito. “Tudo que é proibido atrai de cara”, brinca Francisco José Silva, 15, estudante do ensino médio e, como diz, “candidato a cientista”.
“A ideia é mesmo colocar a criançada com os óculos, para verem a exposição do vídeo 3D, com a visão estereoscópica. Quando são um pouco maiores, passamos uma noção básica de como funciona a estereoscopia, explicamos como funciona a TV 3D, como as pedrinhas saem da tela”, conta Marins, referindo-se às imagens de vídeo sobre os tipos de geração de energia, representadas por uma espécie de “explosão” de pedras.
Foi exatamente o que fascinou a estudante Julia Graciano, 17, cursando o terceiro ano do ensino médio. “A sensação com os óculos 3D é incrível! Mas a experiência se torna muito mais gostosa porque recebemos a explicação de como funciona a realidade 3D. A gente vê de uma maneira, põe os óculos e muda completamente. A imagem sai da tela e vem até nós. Fiquei realmente impressionada”, diz Julia.
Laura Baraniuk, 17, também cursando o terceiro ano do ensino médio, se disse “impressionada” com os conceitos apresentados por Marins. “Adorei a experiência, achei super diferente. Mas é fato que ela se torna muito mais interessante com a explicação do pesquisador”.
O Projeto de Extensão Tecnológica denominado “Programa de capacitação técnico científica nas áreas nuclear, radiológica e correlatas (PCTC-IEN)” também integra as ações do IEN na ExpoT&C. Baseado na Lei de Inovação, o programa tem como objetivo auxiliar no desenvolvimento, aperfeiçoamento e difusão de soluções científicas e tecnológicas e na sua disponibilização à sociedade e ao mercado por meio de cursos.
De acordo com Valéria Pastura, coordenadora do Programa, os 14 cursos são voltados para alunos de cursos técnicos e de graduação, pós-graduandos e profissionais autônomos e de instituições públicas e privadas ligadas ao setor nuclear. “Mas está aberto também a interessados nas áreas nuclear, radiológica e correlatas, com atuação na América Latina e Caribe”.
“Mangas radioativas?”
Pesquisadores do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN/CNEN), em Belo Horizonte, trouxeram para a ExpoT&C diferentes exemplos de aplicações da tecnologia nuclear, entre elas, a irradiação de gemas (pedras semipreciosas) e de alimentos. A pesquisadora Carolina Braccini Freire explica o processo e as vantagens da irradiação: além de aumentar o tempo de prateleira, possibilita a diminuição da microbiota (micro-organismos que estão presentes em gêneros alimentícios).
Apesar da questão fitossanitária, há quem tenha receio de experimentar alimentos irradiados, embora certamente já o tenha feito sem saber. Maria Cristina Oliveira, 16, conta que a palavra “radiação” já provoca “aquele medinho”. Quando a Carolina explicou a tecnologia, as vantagens e a segurança, e depois mostrou protótipos de alimentos que são comumente irradiados e estão presentes nas refeições do dia a dia, ela se surpreendeu. “Nossa, não imaginava. Viva a ciência, que nos liberta de ignorância e preconceito”, comentou.
Temperos, frutas, verduras, legumes, carnes, grãos e industrializados são alguns dos alimentos que podem passar pelo processo de radiação. Na Vila Nuclear, é possível fazer uma análise sensorial de mangas irradiadas e não-irradiadas, sem identificá-las, e depois preencher o formulário avaliando itens como sabor, cor, aroma e textura.
“Os visitantes ouvem as explicações sobre a tecnologia e na sequência vêm degustar as mangas, sem saber qual é irradiada e qual não é. O resultado depende da maturação da fruta, mas arrisco dizer que as não-irradiadas fazem mais sucesso. Ao final do evento, vamos tabular as respostas ao questionário”, disse a pesquisadora Yasko Kodama, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN/CNEN).
Para Raissa da Silva, 21, estudante de fisioterapia na UFPR, a diferença foi mais visual, embora também seja possível distinguir uma manga da outra quanto ao sabor. “A primeira tinha uma cor bem mais viva, isso é facilmente percebido; agora, no gosto, a segunda tem mais sabor”, disse, sem saber que a fruta “2” era justamente a irradiada. Foi a primeira vez que ela experimentou um alimento sabendo que havia passado pelo processo de radiação. “Foi bem ok”, garantiu.
Já Ludmila Bianca Batista, estudante de biologia da UFPR, foi longo perguntando se eram “mangas radioativas”. Yasko Kodama explicou que nenhum alimento que passa pelo processo fica radioativo ou contaminado. “Não há contato do alimento com material radioativo. É como quando você faz um raio x, você também não sai radioativo. Embora sejam emissões por fontes diferentes, em ambos os casos não há energia suficiente para modificar o núcleo dos átomos e torná-los radioativos”, acrescenta a pesquisadora.
Mesmo com a explicação, ao concluir sua análise sensorial, Ludmila cometeu ato falho: “Olha, eu gostei mais da manga radioativa, foi uma experiência muito legal”. E depois se desculpou, dizendo que será “mais cuidadosa daqui para a frente”.
Além da irradiação de alimentos, o CDTN promove divulgação científica de rejeitos radioativos, em uma perspectiva ambiental. “Trouxemos para a ExpoT&C uma câmara para mostrar como funciona a radiação e, por essa câmara, é possível explicar como se dá a aplicação da tecnologia nuclear no meio ambiente e em áreas correlatas”, afirmou Carolina.
Pequenos notáveis
Quem é acostumado a visitar feiras e exposições, não apenas de ciência, sabe que é muito comum exposição de maquetes. E a Vila Nuclear apresenta um conjunto delas, físicas e virtuais. Um dos destaques é a Unidade Móvel de Radiação, projeto do IPEN/CNEN. É uma carreta que funciona como um laboratório itinerante, com equipamentos analíticos e um acelerador de elétrons, e comentou sobre as possibilidades de aplicações. Uma delas é a viabilidade da tecnologia nuclear na indústria, particularmente no tratamento de efluentes industriais e domésticos.
Projeto de inovação desenvolvido com tecnologia nacional pelo IPEN/CNEN e a empresa Truckvan, a Unidade Móvel também possibilitará a realização de estudos para instalação de plantas de irradiação em escala industrial, o treinamento em operação e manutenção de aceleradores indústrias de elétrons, e prestações de serviços tecnológicos.
Entre as maquetes virtuais, temos a do IEN Virtual, do Reator Argonauta, da Radiofarmácia, a a já mencionada Sala de Bombeamento de Angra II, o simulador de Depósito de Rejeitos e até o simulador da entrada estádio do Maracanã – dá para acreditar? –, usado para treinar a coordenação entre os agentes da CNEN e agentes da segurança pública.
Para quem não sabe, a CNEN está sempre trabalhando na segurança nuclear e radiológica em grandes eventos no Brasil, como a Copa do Mundo de Futebol, em 2014, os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, em 2016. “Inclusive, nós fizemos a segurança na visita do Papa João II, quando foi ao Rio, em 1997, para o Encontro Mundial com as Famílias, no Aterro do Flamengo. A CNEN montou uma equipe para a segurança do Papa, o que demonstra a nossa importância histórica na área de segurança nuclear”, lembra a servidora Maria Lucia da Silva, do IEN/CNEN.
“Medicamentos radioativos”
Todo mundo sabe o que é uma farmácia, mas poucos sabem o que é uma radiofarmácia. É onde se manipula radiofármacos, que são utilizados pela medicina nuclear, para diagnósticos e tratamentos de cânceres e outras doenças. Como é uma área controlada, ou seja, de acesso restrito, o uso de simulador de realidade virtual permite visitação e manipulação de objetos, e, com isso, atende dois propósitos diferentes: o treinamento de profissionais que vão trabalhar naquele ambiente e a divulgação científica, levando informação ao público que não têm acesso.
“O simulador, com o equipamento adequado, permite não apenas conhecer as instalações, mas também a manipular objetos virtuais das áreas controladas da radiofarmácia. Você pode fazer de tudo, desde abrir portas, abrir as torneiras, segurar tubos de ensaios, até colocar os vidros no Gerador de Tc-99, simulando procedimentos realizados em uma radiofarmácia de verdade”, explicou Eugenio Marins.
"Temos aqui expostos protótipos dos radiofármacos que o IPEN produz e um boneco de corpo humano com órgãos expostos, que permite aos visitantes conhecerem cada aplicação. Muitos visitantes se surpreendem com ao conheceram as aplicações da tecnologia nuclear na saúde”, conta Antonio Fernando Rodriguez Alvarez, servidor do Instituto.
A CNEN também trouxe para a ExpoT&C maquetes de um reator de potência (para geração de energia), do Reator Nuclear de Pesquisas IEA-R1, localizado no IPEN, e do núcleo do futuro Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), o maior empreendimento para a área nuclear no país, que dará autossuficiência ao Brasil com a produção de todos os radioisótopos necessários para aplicações médicas (radiofármacos) e industriais.
Uso seguro
Outra atração é o “passeio” pela maquete virtual do novo Centro Tecnológico Nuclear e Ambiental (Centena), que, além de armazenar definitivamente os rejeitos radioativos do país, vai contar com edificações de apoio operacional e instalações para pesquisa e desenvolvimento tecnológico. A divulgação de atividades do setor nuclear e treinamentos especializados serão também contempladas no Centro. Esse projeto é de competência da CNEN, sendo o CDTN responsável pela sua coordenação, em colaboração com os outros Institutos.
Também é possível fazer uma visita virtual aos laboratórios da área de metrologia das radiações ionizantes, do Instituto de Radioproteção e Dosimetria (IRD/CNEN), sediado no Rio de Janeiro, e conhecer equipamentos de proteção individual (EPIs). O Instituto tem a missão de garantir o uso seguro das radiações no país. Uma de suas atrações é a pesquisa sobre gel aplicado ao tratamento e proteção radiológica em radioterapia.
De acordo com o pesquisador João Hamann, que realizou a pesquisa no Laboratório Nacional de Metrologia das Radiações Ionizantes (LNMRI/IRD), o objetivo foi desenvolver uma novadiações ionizantes, o objetivo da pesquisa foi desenvolver uma nova ferramenta de controle e qualidade na área de radioterapia voltada ao tratamento de tumores na região da cabeça. Para isso, a equipe do Instituto trouxe à ExpoT&C um crânio de resina em acrílico, preenchido com gelatinas, para demonstrar a técnica de aplicação do gel.
“Claustrofóbico”
Da ficção científica para a realidade. Quem passa pela Vila Nuclear pode experimentar aquele traje “antirradiação” esquisito que aparece nas telas de cinema, em filmes relacionados à área nuclear. E quem aceitou o desafio pode sentir por alguns momentos como é o trabalho de radioproteção utilizando todo aquele paramento. O calouro de engenharia química da UFPR, Matheus Otsuka, 19 anos, que o diga.
“Foi a primeira vez que eu vi de perto e pude experimentar. É uma sensação diferente, meio claustrofóbica, principalmente por causa da máscara. Mas é só no começo, depois, vai ficando tudo bem. Imagino que, com os profissionais, seja assim também”, disse. Ele se refere aos equipamentos de proteção individual (EPIs) utilizados nos trabalhos de proteção radiológica.
Aquele macacão geralmente branco, revestido 100% de polietileno, é o EPI que evita a contaminação externa por material radioativo líquido ou em pó. Já a máscara, que parece uma “nave” no rosto, serve para impedir contaminação interna, ou seja, por inalação.
Otsuka experimentou os dois e garante que “sobreviveu”. Depois, já desparamentado, utilizou um PRD (acrônico do inglês Personal Radiation Dosimeter ) para simular monitoração radiológica em um outro visitante que se encorajou e também vestiu os EPIs. Alguns modelos de PRD identificam qual é o radionuclídeo presente (se houver), os tipos de energia, de radiação ionizante e não-ionizante e as diferenças entre elas.
“As pessoas têm curiosidade de saber o que é essa roupa e se realmente ela protege de material radioativo. A gente explica que o macacão não protege da radiação, a proteção contra a radiação é através de blindagem, tempo e distância. O que ele protege é contra a contaminação radioativa”, explica Walber Castro, supervisor de proteção radiológica da CNEN, na área de transportes de material radioativo.
Em parte, a curiosidade a que se refere Walber é porque, ao circularem pela rua que leva à Vila Nuclear, os visitantes se deparam com um boneco totalmente paramentado. Além disso, o servidor Carlos Henrique Romeiro passeia pela Vila como se fosse ele próprio um personagem da ficção, atraindo ainda mais o interesse do público.
Ainda na área de radioproteção, o Centro Regional de Ciências Nucleares do Nordeste (CRCN-NE), situado em Recife, apresentou exemplos de materiais que contêm radiação natural a fim de mostrar ao público que a radiação ionizante está presente no cotidiano e que não apresenta riscos, nessas condições naturais. O pesquisador José Carlos Pereira explcia aos visitantes o trabalho da proteção e todo o ciclo nuclear, seus instrumentos de medições, como detetores e EPIs utilizados pelos profissionais da área.
Exemplares de minério de urânio, torianita, areia monazítica, incrustações (resíduos que aderem à tubulação, na indústria do petróleo) são alguns dos materiais que contêm radiação natural. Com um cintilômetro que mais parece aquelas armas de “O exterminador do Futuro”, os pesquisadores demostram ao público as atividades radioativas presentes nesses materiais e que não oferecem nenhum risco à população. Também estão expostos dosímetros, instrumentos para quantificar o nível de radiação no indivíduo ocupacionalmente exposto, ou seja, os trabalhadores da área nuclear como um todo.
O estudantes Pedro Henrique Franchini, 10, testou o cintilômetro em uma fonte selada de Césio-137 e ficou atento ao sinal sonoro emitido pelo equipamento, que indica a presença de radiação ionizante. Perguntado se a área nuclear desperta a sua curiosidade, ele disse que sim, mas não quis falar muito, estava atento ao material e às explicações dos pesquisadores. “É um tema interessante sim”, resumiu.
“Área estratégica”
Satisfeito com o que viu na Vila Nuclear, o presidente da CNEN, Francisco Rondinelli Júnior, disse que a instituição tem um “potencial enorme” para ocupar e promover a área nuclear, divulgando todas as suas atividades de pesquisa, tecnologia, inovação e serviços de excelência, em benefício da sociedade. “A ExpoT&C é um espaço muito fértil para fazermos essa promoção. Estou muito satisfeito com a dedicação dos nossos servidores para trazerem ao público as nossas atividades”, afirmou.
Rondinelli ressalta que o setor nuclear é importante não só pelo aspecto da geração de energia, que dá mais estabilidade ao sistema por meio das plantas nucleares de Angra, mas também pelas aplicações, seja na área médica, meio ambiente, indústria, agricultura, na educação – “a parte de formação de pessoal é importantíssima – e tudo isso nós queremos colocar novamente na agenda nacional de C&T, com resultados concretos, que é o que temos para entregar, mostrando o quanto somos uma área estratégica para o país”, concluiu.