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Tamar e o "milagre" da multiplicação das tartarugas
Projeto é referência mundial em conservação da biodiversidade marinha
Projeto é referência mundial em conservação da biodiversidade marinha
Elmano Augusto
ascomchicomendes@icmbio.gov.br
Brasília (28/08/2015) – Certamente, um dos trabalhos de maior visibilidade dos centros nacionais de Pesquisa e Conservação do ICMBio é o Projeto Tamar . Visitar uma das bases do projeto espalhadas pelas praias e ilhas oceânicas do litoral que vai do Nordeste ao Sul já se tornou programa de férias para muitas famílias brasileiras, assim como roteiro obrigatório das escolas e pesquisadores.
Mas, por trás da emoção de ver de perto e até tocar nas tartaruguinhas, há uma bem sucedida experiência de preservação, envolvendo pesquisa científica e participação da comunidade, que ganhou força após a sua incorporação pelo ICMBio.
Só no ano passado, pelos dados do Tamar, o número de filhotes de tartarugas marinhas soltos na natureza foi mil vezes maior que o registrado no primeiro ano da iniciativa, em 1982. De 2 mil, pulou para 2 milhões.
Em 2007, no primeiro ano sob a gestão do Instituto, o projeto celebrou a soltura de 9 milhões de tartarugas em todos os seus então 25 anos de existência. Passados oitos anos, esse número saltou para 15 milhões, ou seja, na era ICMBio mais 6 milhões de tartaruguinhas foram salvas pelo Tamar.
"É gratificante ver o aumento gradual do número de fêmeas desovando e os filhotes nascendo protegidos", diz o coordenador do Centro Tamar, João Carlos Thomé, mais conhecido entre os colegas como Joca, um dos precursores do projeto, junto com o oceanógrafo Guy Marcovaldi.
"A gente não poderia imaginar que as populações de tartarugas marinhas no Brasil fossem se reproduzir de maneira tão forte", afirma Marcovaldi. "Estamos vendo a renovação do ciclo. As primeiras tartarugas liberadas voltando ao local de nascimento para ter seus filhotes. Já me considero avô de tartaruga", brinca ele.
O começo de tudo
Marcovaldi lembra das origens do projeto para explicar parte do sucesso de um dos programas de conservação da biodiversidade marinha mais reconhecidos no Brasil e no mundo. Segundo ele, a ideia partiu da indignação de estudantes de oceanografia que se depararam com a matança de tartarugas por parte de pescadores no Atol das Rocas (RN), em 1979.
Logo, o projeto acabou sendo encampada pelo então Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF). Em 1989, passou para a alçada do Ibama e, em 2007, para o ICMBio.
Paralelamente, os gestores criaram a Fundação Tamar, entidade civil, sem fins lucrativos e de utilidade pública, para facilitar parcerias com a sociedade e empresas privadas e estatais, como a Petrobras. Outras instituições governamentais e não-governamentais se juntaram à ideia.
Participação da comunidade
Para além da competência e dedicação de seus servidores e colaboradores e do apoio dos parceiros, um dos segredos do Tamar para reverter a ameaça de extinção das tartarugas marinhas reside na participação das comunidades costeiras.
Os gestores desenvolvem ações de educação ambiental, inserção social, geração de trabalho e renda, valorização e resgate cultural, beneficiando os moradores das regiões onde funcionam a sede, em Vitória (ES), e as bases avançadas do projeto.
"Sem essa participação da comunidade o Tamar não teria futuro", diz Joca, ao lembrar das primeiras conversas com os pescadores para usar redes que não capturassem as tartarugas. "Elas valem mais vivas do que mortas era o que dizíamos para eles. Hoje, cientes de que a preservação pode gerar trabalho e renda para suas famílias, as comunidades costeiras são as maiores defensores das tartarugas marinhas".
As ações em campo
A principal ameaça às tartarugas marinhas, ao longo do litoral brasileiro, até o início das atividades do Projeto Tamar, era a matança indiscriminada das fêmeas ao saírem do mar para desovar nas praias e o roubo de praticamente todos os seus ovos. Com isso, elas foram desaparecendo de forma progressiva, sob o risco de extinção em um curto espaço de tempo.
Aos poucos, os servidores, colaboradores e voluntários do Tamar entraram em campo e conseguiram parar e reverter esse processo com muito trabalho e garra: recolhendo os ovos, cuidando deles até a eclosão e lançando ao mar os filhotes de tartaruga. Tudo isso com a ajuda e a conscientização dos moradores e pescadores dos locais.
No período de desova, que começa em setembro, as praias são patrulhadas todas as noites para que se efetue a marcação das fêmeas, no ato da postura dos ovos, com a colocação de grampos de aço inoxidável nas nadadeiras anteriores. O procedimento visa estudar as rotas migratórias das tartarugas, seu comportamento de desova e o tamanho de sua população.
No início, a percentagem de ninhos que tinham seus ovos transferidos para os cercados das bases era bem maior. Graças às campanhas de conscientização das comunidades litorâneas, feitas pelo Tamar, a maioria dos ninhos nas praias não precisam mais ser transferidos, permanecendo em seus locais naturais de origem.
Isso facilita o trabalho de monitoramento e proteção e permite o estudo in loco das condições originais de incubação. Além disso, os filhotes podem nascer e se dirigir para o mar sem nenhuma interferência humana direta, a não ser a vigilância feita pelos pescadores parceiros do Tamar.
Os ninhos feitos em locais que oferecem maior perigo, como as praias mais movimentadas, ou em erosão, são transferidos para os cercados de incubação. Protegidos nas bases do projeto, os cercados mantêm as condições físico-químicas semelhantes às áreas originais de desova, com exposição plena ao sol e à chuva, onde os ovos são acompanhados até o nascimento dos filhotes.
O transporte dos ovos é realizado em caixas de isopor, com toda a atenção para que o embrião não se descole de seu ponto de fixação na casca. Ao nascerem, os filhotes são contados, identificados e liberados nas áreas de maior concentração de desovas, ao longo das praias.
Os técnicos e colaboradores do Tamar têm ainda o cuidado para que os filhotes percorram o trajeto ninho-mar pela areia, pois este é um fator determinante para que, anos depois, já adultos, voltem à praia onde nasceram.
Alguns poucos filhotes são mantidos em tanques, nos centros de visitantes, na sede e nas bases avançadas, para trabalhos de conscientização e para o treinamento dos estagiários. São eles (os filhotes), junto com as tartarugas resgatadas em operações de fiscalização, ou reabilitadas, que fazem a festa de crianças e adultos que visitam o Tamar.
Atenções se voltam para o mar
Com as tartarugas protegidas em terra, diz Joca, as atividades do projeto passaram nos últimos anos a se voltar para o mar, onde hoje morre a maioria desses animais, capturados incidentalmente nas diversas pescarias. Gestores do projeto, com participação direta dos pescadores e pesquisadores, buscam desenvolver técnicas que minimizem essas capturas.
O coordenador do Tamar lembra também que medidas de ordenamento da ocupação costeira foram aprovadas, pelos três níveis de governo, visando proteger as áreas de ocorrências das espécies de tartarugas marinhas.
Ele cita ainda o Plano de Ação Nacional para Conservação das Tartarugas Marinhas, consolidado pelo ICMBio, que prevê várias iniciativas para proteger as tartarugas e reúne diversas entidades de conservação e pesquisa. Essas instituições compõem uma vasta rede que cobre quase toda a costa brasileira.
Além disso, há iniciativas internacionais. "Como espécies altamente migratórias, que não conhecem fronteiras, as tartarugas marinhas percorrem a costa de vários países, sendo necessária uma ação coordenada para protegê-las nas diversas fases do seu ciclo de vida", afirma Joca.
Por isso, além de receber pesquisadores de diversos países e enviar os seus especialistas para troca de experiência e capacitação fora do País, o Brasil tornou-se um dos articuladores da Convenção Interamericana para Conservação das Tartarugas Marinhas.
A Convenção conta, atualmente, com 17 países signatários, integrando ações e padronizando métodos de proteção e pesquisa, na busca da conservação dessas espécies. "Foram realizados ainda seminários e intercâmbios com países africanos para envolver todas as nações do Atlântico Sul na defesa das tartarugas marinhas", informa Joca, animado com toda essa articulação em defesa da proteção das tartarugas marinhas.