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Soberanos no céu, vulneráveis no mar
Albatrozes, junto com os petréis, formam o grupo de aves mais ameaçado do mundo. Brasil exerce papel importante na conservação dessas espécies
Lorene Lima
lorene.cunha@icmbio.gov.br
Brasília (14/07/2016) – Sua beleza conquistou poetas e foi fonte de inspiração, seu porte soberano nos céus despertam admiração, mas é nos mares que se deparam com a vulnerabilidade de sua espécie. Os majestosos albatrozes estão entre as aves mais ameaçadas de extinção do mundo. O fato de raramente se aproximarem da terra, exceto para reprodução, é um dos fatores que limitam o conhecimento das pessoas sobre seus aspectos e sua importância. Pertencem à Ordem Procellariiformes, junto aos petréis, formando um grupo de aves que se distribui amplamente pelos oceanos do mundo, apresentando maior diversidade no hemisfério sul.
Para pescadores e íntimos do ambiente marinho, a ave é facilmente reconhecida, pois interage com diversas técnicas de pesca em águas nacionais e internacionais, perseguindo as embarcações na tentativa de obter alimento. A captura não intencional vem a ser o principal fator de mortalidade, ao tentar retirar as iscas dos anzóis, as aves acabam sendo fisgadas e arrastadas para o fundo do mar, morrendo afogadas.
No total, existem 22 espécies de albatrozes e todas elas estão ameaçadas de extinção em algum grau, de acordo com a Lista Vermelha da União para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). No Brasil, das várias espécies de albatrozes que interagem com a pesca de espinhel pelágico, seis estão na lista brasileira de espécies ameaçadas.
Os albatrozes e petréis são monogâmicos e longevos (algumas espécies podem chegar a 80 anos). Produzem apenas um ovo por temporada reprodutiva, que pode ocorrer em intervalos de dois ou mais anos. A vida longa e a baixa taxa de fecundidade são características que tornam os Procellariiformes, especialmente os albatrozes, extremamente vulneráveis à mortalidade causada pela captura incidental pelos barcos de pesca, atingindo particularmente as aves em idade de reprodução. A interação entre as aves e os barcos e a sua consequente captura ocorrem porque elas se alimentam em águas também importantes para a realização das atividades pesqueiras.
Projeto Albatroz
O Projeto Albatroz é parceiro do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e exerce papel fundamental para a conservação dos albatrozes e petréis. A instituição conta com o patrocínio da Petrobras por meio do Programa Petrobras Sociambiental e foi criada em 1990, com o objetivo de reduzir a captura incidental das espécies, trabalhando com pesquisas, subsidiando informações para promoção de políticas públicas, além de realizar eventos e ações de educação ambiental junto aos pescadores e às escolas.
O resultado desse esforço é a formulação de medidas que protegem as aves, a sensibilização da sociedade quanto à importância da existência dos albatrozes e petréis para o equilíbrio do meio ambiente marinho e o apoio dos pescadores ao uso de medidas para reduzir a captura dessas aves no Brasil.
Plano de Ação
Em 2006, o Brasil lançou o Plano Nacional para a Conservação de Albatrozes e Petréis (Planacap) com o intuito de promover a conservação de petréis residentes, aqueles que se reproduzem em território brasileiro, e dos albatrozes e petréis visitantes, espécies que apesar de não se reproduzirem no Brasil frequentam a costa brasileira, vindo de ilhas distantes para aqui se alimentarem. As ações previstas no Planacap visam reduzir essa mortalidade. As metas e ações do plano coincidem com as do Acordo Internacional para a Conservação de Albatrozes e Petréis (Acap).
Em 2012, o Planacap foi revisado e atualmente possui o objetivo geral de “contribuir para a conservação das populações de albatrozes e petréis em longo prazo”. Sua matriz de planejamento conta com cinco objetivos específicos e 69 ações. Com o intuito de permitir o acompanhamento da implementação destas ações, sua matriz de metas auxilia a monitoria e a avaliação de indicadores e alcance de cada um dos objetivos do Planacap ao longo do tempo.
Acordo internacional
O Acap foi aberto para assinaturas em junho de 2001. O Brasil foi um dos primeiros países a assiná-lo, entrando em vigor em fevereiro de 2004. O processo de ratificação do acordo no Brasil se iniciou logo em seguida e, após consultas interministeriais, seguiu para o Congresso Nacional, em 2006, tendo recebido parecer favorável da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Em julho de 2008, foi aprovado no Senado Federal e entrou em vigor no Brasil em dezembro do mesmo ano.
O objetivo do acordo é reduzir o índice de mortalidade de aves marinhas em alto-mar, em função de sua interação com a pesca oceânica, e nas colônias de reprodução, causada pela ação de predadores introduzidos (como espécies exóticas). Os países que assinam o Acap – entre eles, além do Brasil, África do Sul, Austrália, Argentina e França – se obrigam legalmente a adotar ações para garantir a conservação, em longo prazo, de diversas espécies de albatrozes e petréis, incluindo medidas que visam reduzir a mortalidade das aves na pesca industrial, principal ameaça ao grupo.
Segundo Tatiana Neves, coordenadora-geral do Projeto Albatroz, o Brasil é extremamente proativo no Acap. Mesmo antes de entrar em vigor, membros que atuam na proteção da espécie já participavam de reuniões, discutindo conteúdos e estratégias, que mais tarde viriam a ser publicados e firmados no acordo internacional. “Muito antes do Brasil ratificar a participação no Acap, o país já trazia informações técnicas, participava das reuniões, mesmo como país signatário, aportando resultados de suas pesquisas realizadas a bordo das embarcações pesqueiras no intuito de mitigar a captura das aves marinhas nos artefatos de pesca com espinhel”, diz ela.
Tatiana afirma que “a permanência do Brasil no Acap é fundamental tanto para o país quanto para o próprio acordo, pois traz inúmeros benefícios, como a capacitação de profissionais brasileiros que compõe grupos de trabalho”. Atualmente, há quatro pesquisadores do Brasil que são membros desses grupos do Acap e que fazem parte de discussões técnicas, como Patrícia Serafini, analista ambiental do ICMBio e coordenadora do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (Cemave/ICMBio), recentemente convidada para ser vice-coordenadora do Grupo de Trabalho de Populações e Tendências, como a própria Tatiana Neves, que é vice-presidente do Comitê Assessor.
Normas qualificadas
Patrícia Serafini conta que a participação do Brasil permite que o país tenha subsídios técnicos e troca de conhecimentos, possibilitando que haja a elaboração de normas mais qualificadas. “A norma do Brasil é uma das mais modernas do mundo, três de nossas medidas são recomendadas dentro do manual de boas práticas do Acap. Além disso, essa interação é importante para que tenhamos uma ferramenta de gestão de qualidade no país”, afirma Patrícia.
Segundo a analista ambiental, o Acap qualifica os técnicos envolvidos na implementação e articulação do Planacap para que melhore a eficiência na conservação das espécies no país. “Tanto a coordenadora executiva Tatiana Neves quanto eu já fomos capacitadas com recursos do Acap, que nos enviou para o exterior para nos formar e, assim, voltarmos mais qualificadas para a gestão desse grupo ameaçado”, acrescenta Serafini.
A posição brasileira dentro do acordo é de fundamental importância para a conservação das espécies em questão, o atendimento das metas nacionais de conservação da Biodiversidade e o desenvolvimento da capacidade brasileira na realização de ações de pesquisa e manejo dos recursos naturais. “Garantir a permanência do Brasil como país-membro do Acap faz com que sejam honrados nossos compromissos, já que alguns pesquisadores do nosso país ocupam posições-chave dentro desse tratado, além de reforçá-los, mantendo nossa imagem como país responsável pela sua biodiversidade”, enfatiza Tatiana.
Além desses fatores, Tatiana Neves explica que o fato do país fomentar a realização da pesca compatível com a proteção das espécies de aves marinhas ameaçadas reverte em potenciais vantagens de mercado. Considerando que as espécies de peixes provenientes da pesca com espinhel são quase totalmente exportadas para mercados exigentes, como o norte-americano e o europeu, a utilização de medidas de redução da captura não intencional de espécies ameaçadas é de fundamental importância para garantir a entrada do pescado brasileiro nesses mercados, conclui a pesquisadora.
Comunicação ICMBio
(61) 2028-9280