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Pesquisadores rastreiam onças no Pantanal
Projeto do Instituto Smithsonian desenvolvido em parceria com o ICMBio monitorou felinos na ESEC Taiamã
Quem viaja pelas águas do Rio Paraguai pode encontrar o terceiro maior felino do mundo descansando nas pedras à beira do rio. Há algum tempo, as onças pintadas (
Panthera onca
) eram atrizes principais de um espetáculo muito bem pago pelos turistas que visitam o Pantanal. Para atraí-las, os guias turísticos utilizavam iscas (cevas), prática bem comum no Pantanal de Cáceres. Em meados de 2008, houve um acidente fatal na região da Estação Ecológica Taiamã (MT) quando um pescador foi atacado por uma onça. Isso despertou o interesse dos pesquisadores sobre o motivo que esses animais estavam se aproximando tanto dos humanos, já que esta não era uma prática muito conhecida.
Desde 2002, o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (CENAP) trabalha com o Instituto Smithsonian Conservation Biology em projetos de pesquisa, mas em setembro de 2017, uma parceria foi firmada entre a instituição americana e o ICMBio para um passo mais ousado. Era o início do projeto “Moviment of Life”, que se propõe a monitorar o movimento de onças pintadas. Os resultados do estudo, conduzido por pesquisadores do CENAP/ICMBio, Estação Ecológica do Taiamã e do Instituto Smithsonian pode ser conferido
aqui
.
Além da onça-pintada, conhecida em outros países como jaguar, o projeto Movimento of Life monitora outras espécies como o elefante asiático (
Elephas maximus
) em Myamar; o órix-de-cimitarra (
Oryx dammah
), no Chade; a girafa-reticulada (
Giraffa reticulata
), no Quênia; o pelicano-marrom (
Pelecanus occidentalis
), nos Estados Unidos; o tubarão-touro (
Carcharhinus leucas
), também nos Estados Unidos; dentre outros.
Na pegada da onça
Foram selecionadas 15 onças para o projeto: 8 machos e 7 fêmeas, todas adultas e capturadas ao acaso. Todas elas são animais do bioma Pantanal, onde é classificada como vulnerável. As onças foram monitoradas entre 2013 a 2015 e os dados gerados devem subsidiar estudos para a Estação Ecológica e para compreender mais sobre a dinâmica desses animais.
Os machos Zezão, Anderson Silva, Picolé, Dale, Daryl, Caiman, Milagre e Fião e as fêmeas Juma, Marruá, Wendy, Fera, Alice, Selema e Linda foram as capturadas para o projeto. Para o monitoramento são utilizados equipamentos de última geração como colares GPS com transmissão de dados via satélite. O sistema adotado é o Iridium que dispõe de 66 satélites.
O macho Fião, por exemplo, foi capturado no dia 30 de novembro de 2011. Recebeu o nome em homenagem ao servidor Oélio Falcão de Arruda, o Fião, que auxiliava os pesquisadores em campo desde os primeiros projetos com onça pintada no Pantanal, em 1994. O servidor faleceu cerca de três semanas antes da captura da onça pintada, e a homenagem foi justa: dizia-se que ele tinha uma ligação especial com os felinos e era capaz até de compreendê-los, de imitar os seus esturros e trazê-los bem perto dos pesquisadores.
Os pesquisadores utilizam armadilhas tipo laço que são instaladas em locais previamente avaliados. Antes da expedição de captura a equipe da ESEC registra as coordenadas e instala armadilhas fotográficas na região para identificar com precisão os locais de passagem dos animais. O custo de cada gira em torno de US$ 1,5 mil por animal capturado.
Durante a captura para a colocação do colar, os cientistas coletam o máximo de informações possíveis sobre o animal: temperatura corporal, respiração e ritmo cardíaco, o que geralmente dura entre 5 a 10 minutos (enquanto o animal está sedado). Os colares capturam dados de hora em hora por 400 dias, se desprendendo automaticamente depois deste período. Mas em alguns casos, os cientistas podem querem coletar informações a cada 10 minutos.
Segundo o coordenador do CENAP, Ronaldo Morato, com os dados obtidos até o momento já foi possível inferir que alguns animais apresentam área de vida inferior ao reportado em outras áreas. Este é um dado bastante importante pois, como todo predador, a onça pintada necessita de uma grande área preservada para viver. Soma-se a isso o fato de serem animais essencialmente solitários, e a sobreposição de territórios, especialmente entre machos é bastante incomum. Morato acredita que no caso da ESEC de Taiamã, isso se deve provavelmente a alta densidade de animais.
Os estudos já permitem caracterizar a população existente na ESEC Taiamã. As onças que vivem por lá possuem grande tendência a permanecer dentro da área da unidade e no seu entorno, ficando bem distante das fazendas da região. Mesmo nos períodos de cheia do Pantanal, as onças não se deslocam muito, indicando claramente que os felinos não invadem as fazendas para se alimentar do gado, fato corroborado também por dados sanitários. Outro aspecto é que foi detectado que o principal elemento da dieta das onças ali são os peixes.
Os dados também revelam comportamentos atípicos demonstrados pelos felinos. De acordo com Morato, é característico das onças estabelecerem território. Geralmente, elas fazem isso no começo da idade adulta, com a fêmea fixando território próximo ou até mesmo em sobreposição ao da mãe e o macho indo para áreas mais distantes. Durante o período, foram observados dois animais, um macho e uma fêmea, que não estabeleceram território e provavelmente estavam em dispersão. Trata-se de um movimento onde um animal sai de sua área de nascimento e estabelece residência em outra área na qual deve se reproduzir. Isso é de extrema importância para o fluxo de genes e manutenção de diversidade genética na população.
Saber a distância de dispersão auxilia a entender como podem funcionar os corredores de conectividade para a sobrevivência da espécie. Além disso, os caminhos adotados para dispersar podem ser identificados como potenciais corredores.
Movimento para compreender o futuro
Os dados gerados têm ajudado os pesquisadores a compreender o padrão de movimento e assim identificar quais áreas a espécie prefere, aumentando a confiabilidade na identificação de áreas prioritárias e corredores de movimento. São ações importantes para o estabelecimento de políticas públicas ambientais. De acordo com o chefe da UC, Daniel Kantek, os dados obtidos até agora têm sido úteis para propor a criação de áreas protegidas baseadas nas áreas de uso das onças-pintadas a fim de preservar melhor a população. Existe uma proposta de criação de um parque nacional no entorno da ESEC e um dos argumentos são as áreas de vida das onças.
Informações genéticas também subsidiam estudos maiores para comparar com outras populações do Pantanal. A indicação é de que existe um fluxo gênico entre as porções norte e sul do bioma sendo o Rio Paraguai o principal canal de fluxo. O que faz com que projetos de conservação para este rio também sejam fundamentais para a conservação destes felinos.
Os dados estão disponíveis em plataforma de livre acesso, o Movebank. Além disso, na página do CENAP, no
GitHub
, também é possível acessar mais informações.
Na avaliação do coordenador do CENAP, o projeto mostra um papel de liderança que o Brasil tem assumido nas estratégias de conservação ao longo da distribuição da espécie ao usar tecnologias modernas e as melhores ferramentas analíticas possíveis, o que confere muita precisão no delineamento de estratégias de conservação. Por outro lado, conforme ressalta Morato, também demonstra que sempre temos a aprender com outros países, como no caso da Colômbia, onde já existe um certificado de café de produtores que vivem em harmonia com a espécie. Na Argentina, os cientistas têm desenvolvido métodos de controle de ataques de onças a rebanhos domésticos.
Morato ainda destaca a relevância das parcerias internacionais e como elas tem contribuído para o rápido avanço na geração de conhecimento. Segundo ele, a disponibilização de informações em plataformas de livre acesso fomenta novas parcerias em diferentes tipos de projetos.
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) relacionados:
Comunicação ICMBio
(61) 2028 9280