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Pesquisa coleta 120 mil registros fotográficos de 29 espécies de animais silvestres para avaliar impactos da caça de subsistência na Amazônia
Instalação de armadilhas fotográficas - Foto: Ricardo Sampaio
O interesse em avaliar o impacto humano nas populações de animais alvos de caça de subsistência em reservas extrativistas na Amazônia, levou o pesquisador do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Ricardo Sampaio, a realizar um dos maiores esforços amostrais de registros de mamíferos e aves feitos com armadilhas fotográficas em floresta tropical no mundo.
O levantamento fotográfico reúne 120.685 registros de 29 espécies, como mutuns, jacus, pacas e antas. Ricardo Sampaio, analista ambiental que atua no Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (CENAP) do ICMBio, chegou a manter 120 câmeras simultâneas em diferentes pontos ao redor de dez comunidades extrativistas no interior e no entorno da Resex Cazumbá-Iracema no Acre.
Este mesmo protocolo de amostragem foi replicado em outras Unidades de Conservação, e em parceria com pesquisadores da Inglaterra, somaram 720 pontos de amostragem nas florestas próximas de 100 comunidades locais no interior e entorno de cinco reservas extrativistas e duas de desenvolvimento sustentável, além de duas florestas estaduais.
O pesquisador chegava a caminhar até 16 quilômetros por dia na floresta para instalar cada kit com seis câmeras equipadas com sensores de movimento. “Era preciso instalar as câmeras em diferentes distâncias das comunidades, as quais ficavam em atividade por 40 dias. Depois esse conjunto de câmeras era instalado em outra área protegida, para alcançar uma grande cobertura territorial e um grande gradiente de variação de pressão de caça e de outras variáveis ambientais”, explica.
Estudo
A ideia do projeto surgiu dois anos antes do início de seu doutorado em Biologia Comparada na Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto (USP), e ganhou forma a partir dos primeiros registros feitos na mata. O trabalho de campo envolveu quase dois anos de amostragem e posterior triagem. A análise dos dados consumiu outros três anos de estudos, sob a orientação do professor doutor em Ecologia, Adriano Chiarello.
Um dos objetivos era avaliar alterações nas populações locais de animais caçados e a efetividade de conservação da biodiversidade das unidades de conservação de uso sustentável, nas quais a caça de subsistência garante segurança alimentar à população tradicional que mora nas áreas abrangidas pela pesquisa. “Já na primeira atividade de campo do projeto, na comunidade do Cazumbá (RESEX Cazumbá-Iracema), tive muito apoio dos comunitários que me relataram que este estudo poderia contribuir bastante para o manejo da caça de subsistência”, destaca.
Entre as conclusões do estudo está a constatação de que as comunidades tradicionais estudadas têm baixo impacto sobre a biodiversidade, já que as mudanças populacionais das espécies exploradas ocorrem em até 5 quilômetros ao redor dessas comunidades, o que reforça a efetividade das unidades de conservação de uso sustentável e o manejo de base comunitária. “Eu pensava que a situação fosse bem mais complicada, mas a realidade se revelou positiva em termos de conservação”, avalia. A pesquisa contou com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e o resultado foi publicado, em outubro, na revista científica Biological Conservation.
Segundo Sampaio, logo nas primeiras coletas, os moradores das reservas compreenderam a importância do trabalho para a manutenção da população das espécies nativas mais procuradas como fonte de alimento. “São comunidades como as de Cazumbá, Periquito, localizadas no Acre, que vivem próximas a rios não tão volumosos e, portanto, tem mais dependência da proteína terrestre por conta da menor oferta local de peixes”, esclarece.
O interesse do pesquisador pelo manejo da caça de subsistência surgiu nos tempos em que atuou como analista ambiental e chefe na Floresta Nacional de Purus, em Boca do Acre (AM). “Minha história acadêmica sempre foi relacionada aos mamíferos de médio e grande porte e o conhecimento do impacto da caça de subsistência, e como efetivamente manejar essa atividade é um assunto ainda em aberto e que me instigou a levantar mais informações para ajudar a tomada de decisões”.
Ricardo conta que os próprios moradores se surpreenderam com a quantidade e a diversidade de espécies fotografadas ao redor de suas comunidades. “Há um espaço grande no instituto para a gente fazer esse tipo de investigação e uma das intenções desse projeto é também estimular o instituto a debater esse assunto e, neste aspecto, os centros de pesquisas do ICMBio são aliados fundamentais na gestão e manejo das unidades de conservação”.
O próximo passo, de acordo com Ricardo Sampaio, será a publicação de um artigo científico sobre como o uso dessas armadilhas fotográficas podem fortalecer o manejo de base comunitária da caça de subsistência, tendo como exemplo concreto a Resex Riozinho da Liberdade, no Acre. A comunidade local, apoiada pelas imagens das câmeras, observou a redução de animais silvestres nas áreas nas quais a caça era apoiada por cães domésticos. “Com base nesta experiência, a comunidade decidiu parar com o uso de cães de caça na comunidade e esta regra local foi incluída no plano de manejo da unidade que está em vias de publicação”.