Notícias
Folia das Almas é atração no Parque da Canastra na Semana Santa
Tradição que remonta ao século XVI tem apoio da UC
Elmano Augusto
elmano.cordeiro@icmbio.gov.br
Brasília (15/03/2013) – A Folia das Almas, uma tradição popular de origem portuguesa, encenada durante a Semana Santa em cidades do interior de Minas, é atração em Delfinópolis, município do entorno do Parque Nacional da Serra da Canastra. O evento tem o apoio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que administra a unidade de conservação (UC).
Neste ano, a Folia das Almas inclui em sua programação, pela segunda vez consecutiva, uma caminhada ecológica. A ideia foi sugerida pela chefia do parque nacional e incorporada pelos organizadores do evento. Para quem curte cultura popular e recreação em ambientes naturais, visitar o parque neste feriado religioso será um prazer em dose dupla.
A tradição da Folia das Almas, no Vale da Gurita, região rural do município de Delfinópolis, é mantida há mais de 50 anos por um grupo folclórico local. O ritual noturno é realizado pelos moradores das comunidades do Itajuí e Itaniope, situadas no Vale. O grupo promove visitas às casas, fazendas e vilarejos do entorno da Serra da Canastra para encenar a “Cantoria pras Almas”. Durante as cantorias, as vozes são acompanhadas apenas pelo som ritmado das matracas (não é permitido o uso de instrumentos de corda ou de fole).
Programação
Neste ano, as festividades começam na segunda-feira (25) que antecede o feriado da Semana Santa. Nesse dia, o grupo folclórico visita o vilarejo de São João Batista da Serra da Canastra. No dia seguinte, os festejos seguem em Serrinha. As duas localidades ficam na área rural de São Roque de Minas.
Em Delfinópolis, o ritual terá início na quarta-feira (27), por volta da 20h, em frente à Capela de Nossa Senhora das Graças do Itajuí, quando será tocado o sino para invocar a padroeira do Vale da Gurita e libertar as almas penadas do purgatório. O ponto alto da festa será entre a Sexta-Feira Santa Santa (29) e o Sábado de Aleluia (30).
Na sexta, às 10h, o grupo sairá em carreata em direção à Capela do Itajuí. Depois, seguirá até as margens do Rio da Babilônia para dar início à 2ª Caminhada Ecológica da Folia das Almas, que tem o apoio da direção do parque nacional. Dali, os devotos sairão a pé num cortejo de mais ou menos dois quilômetros na trilha que leva ao Cemitério do Tatu.
Durante o percurso, haverá a encenação da Via-Sacra, com dez estações, até o Cruzeiro das Almas, situado no interior do cemitério, na área não regularizada do parque. No local, será aspergida água benta e deixada uma guirlanda de flores, representando o pedido do grupo à Nossa Senhora das Graças pela libertação das almas do purgatório ou “almas penadas”.
O ritual dessa Via-Sacra também rememora um triste e curioso episódio da história do Vale da Gurita. Segundo a tradição, um surto de gripe espanhola dizimou no início do século passado boa parte da população local. Sem ter onde enterrar tanta gente, os moradores improvisaram um cemitério no pé da serra. Anos depois, sempre à noite, tatus-canastras apareciam e desenterravam os cadáveres. Daí o nome do lugar.
"Caça ao tesouro"
Na Sexta-Feira Santa, a “Cantoria pras almas” na Capela do Itajuí vai até a meia-noite. Após a cantoria, será rezado um terço (oração) em louvor aos mortos, seguido de um jantar oferecido na casa do festeiro. Depois do terço, haverá outro ritual que envolve as crianças e adolescentes da comunidade, conhecido como a “Caça ao tesouro de Judas Iscariotes”.
Esse ritual, já na madrugada do Sábado da Aleluia, consiste na procura do esconderijo do boneco espantalho que traz consigo o "tesouro das almas". Ao encontrar o tesouro, as crianças (vestidas de almas penadas, palhaços, mascarados) distribuem os presentes entre os convidados e conduzem o boneco até a fogueira para ser queimado.
Ouve-se, então, uma gravação com a voz de Judas, em que ele compartilha seu momento de sofrimento e ao mesmo tempo de alegria, demonstrando compaixão pelas almas e seu total desapego às coisas terrenas. Assim, oferece seu sacrifício pela salvação das almas que foram perdoadas e agora seguem seu verdadeiro destino, o Céu.
Proteção
“Essa tradição não pode morrer”, diz o chefe do parque, Darlan Pádua, que quer unir o movimento religioso e cultural às ações de proteção da unidade de conservação. A ideia, segundo ele, é criar uma associação dos moradores da Gurita, “quando a área do cemitério que está no interior do parque for regularizada”, e firmar parceria com o ICMBio.
“A parceria teria o objetivo de desenvolver ações de conscientização dos moradores sobre a importância de se preservar os valores culturais e ambientais da região da Canastra”, explica Darlan. “Daríamos orientações sobre como evitar condutas que põem em risco a integridade do parque, como o hábito de tocar fogo no lixo, o que pode gerar incêndios florestais”.
Além disso, Darlan lembra que a Folia das Almas atrai muitos turistas à região. Além de se deliciar nas trilhas e cachoeiras, os visitantes acompanham toda a festa, tendo contato com o que há de mais genuíno da cultura popular dos povos da Canastra.
“O turismo em parques nacionais tem um reflexo direto no desenvolvimento da economia das comunidades do entorno. É uma atividade que, se bem organizada, pode gerar emprego e renda para muita gente. Exatamente, por isso, a Folia das Almas, que chama a atenção dos turistas, precisa ser incentivada”, afirma Pádua.
Saiba mais
A encomendação das almas (ou recomendação das almas), também chamada de Folia das Almas, é um ritual de caráter religioso, herdado da colonização portuguesa no Brasil. De origem desconhecida, sabe-se que na Alta Idade Média já era praticado em Portugal. Foi trazida ao Brasil pelos jesuítas no século no XVI. Com o objetivo de evangelização, esse ritual era bastante comum em regiões do interior do Brasil. A partir da segunda metade do século XX, foi perdendo a força devido ao êxodo rural provocado pela industrialização e consequente poder de atração das cidades.
O Parque Nacional da Serra da Canastra foi criado por decreto presidencial em 1972 para, entre outros objetivos, proteger as nascentes do Rio São Francisco. Possui cerca de 200 mil hectares, sendo 80 mil hectares regularizados e 120 mil hectares em processo de regularização. Abrange os municípios mineiros de São Roque de Minas, Delfinópolis, São João Batista do Glória, Vargem Grande, Capitólio e Sacramento. Possui variada beleza cênica com grandes paredões de rocha onde existem várias e belas cachoeiras. Esse tipo de paisagem atrai adeptos dos esportes de aventura e do turismo contemplativo e de observação de aves silvestres. A região guarda muitos outros atrativos.
Comunicação ICMBio
(61) 3341-9280