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Diamantina celebra 30 anos
Parque une natureza, cultura e história
Parque une natureza, cultura e história
Brasília (17/09/2015) - Há 30 anos, em 17 de setembro de 1985, nascia o Parque Nacional da Chapada Diamantina , por meio do Decreto nº 91.655. Localizado na região central do estado da Bahia, este santuário ecológico tem por objetivo proteger os ecossistemas da Serra do Sincorá, especialmente suas nascentes. É nele que está situado o principal rio baiano, o Paraguaçu, responsável por boa parte do abastecimento da região e da capital, além de contribuir para a preservação de lugares de importância histórica e cultural.
Com sede na cidade de Palmeiras, o parque é administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação Ambiental (ICMBio), autarquia do Ministério do Meio Ambiente. A sua área ocupa apenas uma parte da Chapada Diamantina (mais de 150 mil hectares) e apresenta diversidade de espécies, inclusive, ameaçadas de extinção, como o tamanduá-bandeira e a onça-parda.
Exemplares endêmicos, que só são encontrados por lá, também são destaques, como o beija-flor-de-gravatavermelha. Em meio à caatinga, com resquícios de mata atlântica e exemplares típicos do cerrado, a unidade de conservação está em um território de clima diferenciado: em pleno sertão nordestino, surge um oásis bastante propício para as chuvas.
Encontro de dois sistemas
Segundo o biólogo norte-americano Roy Funch, morador de Lençóis há quase 40 anos, a Chapada está em um ponto de encontro de dois sistemas meteorológicos, recebendo chuvas da capital e da porção sul e oeste do estado. "O Parque está fazendo a sua parte, mas ainda há muitos desafios. Quando eu cheguei por aqui, era tudo mato. Os ventos passavam pela floresta e as nuvens vinham carregadas de água. Mas ainda há desmatamento nos arredores, pastos... O lado positivo é que nossos turistas são conscientes. Caminhamos pelas trilhas e raramente vemos lixo. Eu diria que o Parque Nacional da Chapada Diamantina é um dos mais amados do país!", ressalta Roy, um dos responsáveis pela criação da unidade.
Primeiro diretor do parque, Roy veio ao Brasil, na década de 1970, para trabalhar com planos de manejo nos parques nacionais e aproveitou sua experiência no Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), que deu origem a Ibama e depois ao ICMBio, para promover a criação deste reduto natural na Chapada.
Sua vivência com os garimpeiros, que apresentaram as serras e trilhas ao futuro "guia americano", contribuiu sobremaneira para a implantação do parque e, consequentemente, para o desenvolvimento do turismo na região.
Com a instalação do primeiro hotel estadual em Lençóis, iniciativa do governo para alavancar o turismo, nos anos 1980, os garotos da cidade começaram a seguir Roy em suas andanças e aprender com ele o ofício de guia.
Comunidades
De acordo com Chiara Bragagnolo, cientista ambiental e bolsista de pós-doutorado do Laboratório de Conservação no Século XXI, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), as comunidades ao redor do parque são as principais responsáveis pela sua preservação.
"O apoio local é um atributo-chave para a viabilidade das unidades de conservação a longo prazo. Estou desenvolvendo pesquisa em três parques nacionais, incluindo o da Chapada Diamantina. Para isso, apliquei um questionário para cerca de 250 moradores residentes nas cidades e comunidades rurais ao redor do Parque, com o objetivo de entender o grau de apoio ao projeto e à conservação da natureza. Em relação a esta última, a maioria dos moradores concordou que 'mais esforços deveriam ser feitos para conservar as espécies que só se encontram no Nordeste do Brasil'."
Segundo Chiara, os habitantes acreditam também que, antigamente, existiam muito mais animais selvagens. "A maioria dos entrevistados conhece o parque e a proibição de algumas atividades dentro dos seus limites, como cortar madeira, caçar e tocar fogo), mas há quem ainda defenda que 'permitir o uso do pasto nativo para o gado é mais importante do que preservar a natureza da Chapada Diamantina', o que é uma contradição. Contudo, em comparação a outros parques, o nível de apoio por parte dos seus residentes é maior", garante ela.
A pesquisadora ainda destaca o grau de variabilidade entre os diferentes locais visitados, como o nível de educação e a renda. "É fácil deduzir que o retorno econômico do turismo é um fator muito importante para que os moradores ao redor do Parque se posicionem a seu favor. Os entrevistados com menor escolaridade e renda, e que, em geral, recebem benefícios do governo, gostariam de 'diminuir a área do parque'. Do mesmo modo, afirmam que 'o turismo beneficia mais as pessoas de fora, em vez do povo'."
Nessa perspectiva, diz a pesquisadora, "o maior desafio é demonstrar que o parque pode gerar diferentes valores para as comunidades que vivem no seu território, o que pode ser feito através de programas educativos e de sensibilização. O apoio das associações que já atuam no território e a colaboração delas ao ICMBio é um pré-requisito essencial para projetos desse tipo", pontua.
Acervo único
Para Cezar Gonçalves Neubert, analista ambiental do ICMBio, o Parque Nacional da Chapada Diamantina tem um acervo biológico e geológico únicos, além de relevância social. "Ele é um filtro para manter o equilíbrio ambiental da região, sendo, também, um catalisador para o turismo", comenta.
Dentre as ações desenvolvidas pelo Instituto, ele destaca atividades de orientação e fiscalização, especialmente no período de feriados. "Sempre lembramos aos visitantes para contratar um profissional especializado (guia de turismo), não fazer fogueiras, deixar lixo ou levar animais domésticos, nem abrir novas trilhas, as chamadas picadas. Também incentivamos os turistas a se hospedarem na casa dos nativos".
Como tudo começou
Do sonho à realidade, o caminho percorrido para a criação do Parque Nacional da Chapada Diamantina teve seus obstáculos, porém revelou boas surpresas. "Sabíamos que não podia ter estrada na área do parque. A BR-242 era o limite, entre Lençóis e Mucugê. Essa foi a ideia que levamos para Brasília. Em 1982, os técnicos chegaram para vistoriar em campo. Fomos de carro até as proximidades da Fumaça, do Ribeirão do Meio e, depois, pegamos um helicóptero até Mucugê. O piloto perguntou se queríamos ver mais cachoeiras e voamos para o sul. Em minutos, o parque cresceu uns 40%. Tivemos muita sorte, pois conseguimos englobar uma área enorme, repleta de serras e cachoeiras", rememora Roy Funch.
Mesmo sem a tecnologia disponível atualmente, a unidade de conservação foi traçada no papel até ganhar forma e vida. "Existiam algumas povoações, como o Pati, mas, em geral, evitamos a presença de comunidades na área do parque. Os atrativos foram descobertos aos poucos, claro que os garimpeiros já conheciam, mas, à medida que encontrávamos uma cachoeira, inseríamos no roteiro turístico, como foi o caso da Primavera, do Mixila e do Sossego. Fizemos tudo no chão! Não havia GPS. Minha tese de doutorado foi justamente sobre isso: Como seria o Parque Nacional da Chapada Diamantina com os recursos tecnológicos atuais? Após a sua criação, em 1985, programas de TV falavam da Chapada, houve até gravação de novelas e o turismo começou a deslanchar. Hoje acredito que ele está nivelado", declara.
Fogo, o inimigo número 1
Apreciado tanto do ponto de vista ecológico quanto econômico, o Parque promoveu ganhos com o incentivo do turismo e teve pouca resistência da população. De acordo com Roy Funch, o inimigo número 1 desse patrimônio natural é o fogo. No momento, infelizmente, esse inimigo volta a atacar: desde o final de semana, incêndios florestais atingem pontos importantes no interior do parque. Servidores do ICMBio, brigadistas, bombeiros e voluntários esforçam-se para debelar as chamas, com apoio de dois aviões air tractor e um helicóptero. Gestores da unidade dizem que 99% dos casos de fogo registrados nesses anos todos na região são provocados por ação do homem.
"O Parque incomodou pouca gente no final das contas. O garimpeiro de draga foi incomodado, mas a maioria era gente de fora. Era uma prática que não podia continuar! O garimpo daqui era de serra, os garimpeiros artesanais continuaram suas atividades. A proibição do garimpo mecanizado foi um impacto mais cultural do que econômico, porque o turismo já havia suprido a economia regional. A proibição do gado na serra teve maior impacto, porque era uma prática muito destrutiva; os vaqueiros tocavam fogo direto para rebrotar o capim. A proibição da coleta de sempre-viva também teve um impacto, mas a espécie estava desaparecendo, precisávamos recuperar o estoque para fazer uma coleta mais racional", esclarece Roy.
Impacto da visitação
O controle de visitação é outro assunto lembrado pelo biólogo. "A serra é livre, os guias podem fazer turismo de forma responsável. Se não existisse o parque, acredito que todos os rios teriam dono. Ele preservou o nosso acesso a essas áreas, evitando sua privatização. Se houver controle demais, teremos efeitos negativos na economia. O Pati já está sentindo o impacto do turismo de massa. Provavelmente isso terá de ser controlado, pois as trilhas são frágeis", diz.
Nesse caso, o sucesso também pode ser ruim. "Precisamos pensar 'até que ponto deve chegar o desenvolvimento?' Isso é difícil de lidar porque todos querem ganhar. O controle é necessário, mas com cautela, sem abuso. Minha advertência para o futuro é: 'cuidado com o desenvolvimento!' Ele é bom, mas tem seu lado perigoso...", enfatiza o biólogo.
Ele conclui com uma declaração de amor ao parque e de agradecimento a todos os que trabalham pela sua conservação: "Acho estonteante saber que o parque está completando 30 anos. Quase não dá pra acreditar! Acho que ele está cada vez mais bonito. Quero parabenizar todo mundo que se esforça pra preservá-lo: os guias, principalmente, nossa linha de defesa na educação ambiental; os brigadistas voluntários... Temos uma coisa muito especial aqui e temos de preservá-la para que as futuras gerações tenham acesso à tamanha beleza!".
Fique por dentro
O Parque Nacional pode ser acessado por mais de 30 trilhas dispersas nos municípios de Andaraí, Ibicoara, Itaetê, Lençóis, Mucugê e Palmeiras. Grupos ambientalistas, como o de Palmeiras (GAP) e Lençóis (GAL), além das brigadas voluntárias de combate a incêndio e associações de condutores de visitantes (ACVs) contribuem diretamente com o trabalho dos analistas ambientais do ICMBio.