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TAMAR/ICMBio e suas Bases GURIRI - São Mateus/ES: 34 anos de conservação
A história de uma Base do TAMAR/ICMBio atravessa a história do lugar onde ela se insere, modificando-a e para melhor. Em São Mateus, no balneário de Guriri, no Espírito Santo, não é diferente. Suas praias são de grande importância para a tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta), que desova na costa brasileira desde o litoral de Sergipe até o estado do Rio de Janeiro, com três sítios mais relevantes de desova, situados no norte da Bahia, no norte do Espírito Santo e no norte do Rio de Janeiro.
A região de maior concentração de desovas de tartarugas marinhas no estado do Espírito Santo vai de Barra do Riacho, em Aracruz, até Conceição da Barra, abrangendo São Mateus. O litoral do município é resguardado pela Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente-Conama No 10/96, que lista as áreas reprodutivas de tartarugas marinhas e determina que o Centro TAMAR/ICMBio seja consultado em processos de licenciamento nessas áreas. No norte do Espírito Santo está a única área de desova regular da tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea) do Atlântico Sudoeste.
A área também é usada para alimentação por juvenis da tartaruga-verde (Chelonia mydas). Para a analista ambiental e veterinária que faz a gestão da Base Avançada do TAMAR/ICMBio em Guriri, São Mateus, Kelly Bonach, o trabalho é movido pelo coração, com tempero da inovação e de desafio constante. Desde novembro de 2016, quando assumiu a gestão da base que contava com apenas um motorista, um zelador, sem vigilância ou infraestrutura mínima de segurança, ela se reinventou junto com a comunidade e parceiros, dando lugar a uma nova proposta de gestão.
Na Base já não havia visitação diária aberta ao público e, aos poucos, foi-se buscando um novo modelo de sensibilização e educação ambiental, não mais com tartarugas em tanques, mas com agendamentos focados na biodiversidade marinha junto ao público escolar do município com metodologias e materiais lúdicos. E a falta de tartarugas marinhas em tanques não foi motivo de desestímulo para se falar da importância de sua biologia e conservação, assim como do ecossistema marinho-costeiro.
Por meio da adesão do Cento TAMAR ao Programa Voluntariado do ICMBio, um grupo de jovens estudantes foi selecionado e passou a atuar na Base. “No começo buscamos as escolas e aos poucos o público foi voltando para conhecer a programação de educação ambiental oferecida, baseada em oficinas variadas, trilhas (Sensorial e Trilha do Sagui, em parceria com o proprietário da belíssima área de restinga ao lado da Base, que dá na praia),
apresentações de teatro e música, eventos voltados para o público geral em datas comemorativas, como o Dia Mundial do Meio Ambiente e o Dia Mundial da Água, eventos culturais de final de ano (Carebada Cultural de Guriri) e caminhadas de filhotes de tartarugas para o mar”, explica Kelly.
“Para nós, termos uma proposta de educação ambiental estruturada, com voluntários atuantes, representa uma vitória muito grande”. “A reconstrução da sede administrativa da Base Avançada, concluída em fevereiro com recursos do GEF-Mar, garantiu além de uma nova estrutura administrativa, bons espaços coletivos possibilitando à equipe desempenhar seu trabalho e melhor receber os diferentes públicos”, celebra Kelly.
Além da nova proposta no campo da educação ambiental, a Base de Guriri se consolida numa madura costura de relações interinstitucionais com diferentes entidades que têm alguma interface com a gestão ambiental na região, como o 3ª Companhia de Polícia Militar Ambiental de São Mateus, a Universidade Federal do Espírito Santo, o Projeto Meros do Brasil, a Área de Proteção Ambiental de Conceição da Barra e o Parque Estadual de Itaúnas (IEMA), Ministério Público Federal, Polícia Federal, a Secretaria de Municipal de Meio Ambiente de São Mateus, ONGs, associações de moradores e coletivos ambientais.
“É visível que os frutos desse diálogo já são colhidos, pois a Prefeitura de São Mateus tem demandado aos empreendedores que façam o encaminhamento de propostas de empreendimentos previstos na orla de São Mateus para a análise prévia do Centro TAMAR, com objetivo, entre outros, de mitigar impactos relacionados à fotopoluição e à perda das áreas reprodutivas das tartarugas marinhas”, explica Kelly.
Sobre temas difíceis como o trânsito de veículos nas praias, costume antigo na região, o Centro tem participado do plano de trabalho conjunto promovido pelo Ministério Público Federal, que visa reduzir o problema conjuntamente com as Secretarias de Meio Ambiente de São Mateus e Conceição da Barra, a 3ª Companhia da Polícia Militar Ambiental de São Mateus, o IEMA e outras instituições envolvidas na questão. “Foi gerada uma campanha (Rastros de uma vida) com materiais informativos como adesivos, cartazes e camisetas, com ações tanto de conscientização junto ao público nas praias quanto de pesquisa e levantamento de dados acerca desse fluxo de veículos”, celebra Kelly.
Ao longo dos anos, a Base de Guriri também promoveu articulação com o Ministério Público Federal sobre o furto de ovos de tartarugas marinhas na região, de Campo Grande e Barra Nova. Nas ações para coibir tal furto, o MPF acionou a Polícia Federal, que fez rondas às áreas de maior ocorrência do ilícito ambiental, principalmente como trabalho preventivo e de conscientização. As ações de educação e sensibilização ambiental permanecem - pós pandemia – sendo executadas nas escolas de modo itinerante e diretamente nas praias, com a equipe de voluntários da Base do TAMAR/ICMBio em
Guriri, até que as obras de reconstrução da Base sejam inauguradas e as visitas voltem a acontecer normalmente. “Além das palestras e oficinas, recebemos convites para estar em exposições de feiras e eventos municipais e as trocas têm sido bem positivas em cada evento frequentado”.
Pensar no balneário de Guriri sem a Base do Centro TAMAR/ICMBio é pensar com certeza em retrocessos sem dimensões. Não haveria controle sobre esses impactos ambientais nas áreas de desovas e, com certeza, a ocupação desordenada da orla teria ocorrido, haveria muito mais furtos de ovos, fotopoluição da orla, trânsito de veículos nas praias, desmatamento da restinga e esvaziamento da atuação forte em fóruns decisórios localmente, como conselhos de unidades de conservação-UCs estaduais e municipais. “O Centro Tamar faz essa ponte com todos esses entes na região, o que é muito importante, além de atender emergências ambientais complexas recentes, como os derramamentos de óleo ocorridos em 2019 e 2022, cujos desdobramentos ainda permanecem ocorrendo na forma de fragmentos de óleo nas praias da Ilha de Guriri até os dias de hoje”, explica Kelly.
A busca de subsídios para evitar ou reduzir ao máximo a quantidade de óleo nas praias trouxe uma atuação muito forte do ICMBio na região, pois as ações de campo contemplaram 32 km da orla dos municípios de São Mateus e Conceição da Barra, do total de 38 km da Ilha de Guriri. Além disso, houve uma mobilização de pessoas das comunidades costeiras de Barreiras e de Barra Nova para a limpeza das praias e uma parceria forte com a APA de Conceição da Barra (IEMA), gerando um relacionamento mais próximo do Centro TAMAR com a população local e com a gestão ambiental estadual.
Para Kelly, gerir uma base é, antes de tudo, gerir pessoas buscando afinar todos em torno de um propósito maior. “Envolve o recurso humano interno (equipe) e externo (parcerias), com foco na biodiversidade marinha--costeira, gerindo conflitos, buscando soluções que tenham relação direta com o melhor para a biodiversidade naquele território. Sem esquecer de uma boa comunicação com todos contribuindo para o mesmo objetivo, que é a conservação das tartarugas marinhas e do ecossistema marinho-costeiro”.
A gestão anterior à de Kelly foi da bióloga da Fundação Projeto Tamar, Denise Rieth, que permaneceu na Base de 1997 a 2015 – por históricos 18 anos. Antes ela havia iniciado em Povoação, em 1989, período em que os desafios eram imensos – “como o diálogo com a comunidade de pescadores, atuando fortemente por meio da educação ambiental e de um programa de visitação que se desenhava e se consolidava”, relembra Denise.
Entre as conquistas, ela cita o programa de visitas escolares, a visitação do público e ações de interação desse público com as tartarugas nos tanques. “Mas a caminhada dos filhotes para o mar foi sempre de grande adesão”, frisa ela, “além de toda a programação cultural que englobava música, teatro e congo”. A visitação de turistas que frequentavam as praias durante o verão e feriados era forte, com cerca de 50.000 visitantes por ano, incluindo grupos escolares e moradores locais.
“Promovíamos oficinas, brincadeiras, teatro e arte”. Quando o assunto era ordenamento e licenciamento, a gestão da base estava atenta aos problemas ocasionados pelo trânsito de veículos nas praias durante e fora do verão; a iluminação artificial, a presença do lixo na orla, bem como a ocupação de áreas de restinga.
“Lidávamos na época com a pressão por ocupação, que gerava loteamentos clandestinos e uma ocupação desordenada”, relembra Denise. A resposta do Tamar na época era de buscar – por meio da educação e sensibilização ambiental – o envolvimento da comunidade, fazendo a ponte com os órgãos de fiscalização e controle desses ilícitos ambientais, contribuindo dessa forma para a implementação das políticas públicas locais.
“Sem essa Base, as populações de tartarugas marinhas que ali ocorrem teriam sofrido impactos incalculáveis, como a coleta e comercialização de ovos que era muito tradicional, o aumento da pesca de arrasto próxima à costa, além do crescimento desordenado na orla com construções que gerariam, por consequência, a iluminação excessiva da praia”, explica Denise.
Trabalhar na gestão de uma Base Avançada do Tamar implica em muitos desafios e responsabilidades. A complexidade se dá no envolvimento
com as comunidades, pescadores, escolas, prefeituras e suas políticas públicas, além da gestão de equipes, a administração de recursos, o planejamento, tendo a conservação e pesquisa, monitoramento e manejo das tartarugas marinhas como objetivo final. “Gerir a Base de Guriri representou a realização de um sonho, como profissional. Um amor para ser contado por toda minha vida”, confessa Denise.
Comunicação Centro TAMAR/ICMBio
Tel.: (71) 8174-8614 (Escritório - Vitória-ES)