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Delta do Parnaíba: uma nova área reprodutiva de tartarugas-de-couro é identificada no Brasil
A região norte do estado do Espírito Santo, monitorada desde 1982 pelo Projeto TAMAR, era considerada até recentemente como a única área conhecida no Brasil com desovas regulares da tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea). Ali ocorre uma população relativamente pequena, com uma estimativa média, para o período de 2013 a 2017, de menos de 20 fêmeas desovando a cada ano.
Desde 2007, o Instituto Tartarugas do Delta (ITD) realiza monitoramento de praias na região do Delta do Parnaíba, no nordeste brasileiro. Em artigo recém-enviado para publicação pela coordenadora do ITD, Werlanne Magalhães, e co-autores, é apresentada uma série histórica de dados mostrando a ocorrência ou inferência de desovas anuais de tartarugas-de-couro nessa região entre 2007 e 2019, com exceção de dois anos em que praticamente não houve trabalho de campo. Os registros foram obtidos em praias no Piauí, mas existe a possibilidade de que ocorram desovas imediatamente a oeste no Maranhão. Esses dados caracterizam o Delta do Parnaíba como uma segunda área conhecida no Brasil com desovas regulares da tartaruga-de-couro.
Os dados disponíveis não permitem que se estime o número anual de desovas de tartarugas-de-couro na região do Delta do Parnaíba, nem a tendência temporal do número anual de desovas. No entanto, as informações existentes sugerem tratar-se de uma população relativamente pequena, possivelmente menor do que aquela encontrada no Espírito Santo.
Em junho de 2019, em uma praia de desova no Piauí, o ITD iniciou um projeto piloto de telemetria por satélite, com a colocação de um transmissor em uma tartaruga-de-couro. Essa fêmea deslocou-se posteriormente em direção norte, atingindo uma região do Atlântico Norte próxima à costa leste do Canadá, reconhecidamente uma área de alimentação de tartarugas-de-couro que desovam em diferentes países do Atlântico Norte. Embora o Delta do Parnaíba, localizado um pouco abaixo da linha do Equador, esteja no Atlântico Sul, a rota seguida pela tartaruga monitorada por satélite e dados ecológicos adicionais sugerem, em primeira análise, que a população de tartarugas-de-couro que ali desova tem como área de vida o Atlântico Norte. O período anual de desovas no Delta do Parnaíba, entre maio e julho, é bem diferente daquele observado no Espírito Santo, onde as desovas acontecem na maior parte entre outubro e janeiro.
Novas pesquisas, incluindo, entre outras, marcação sistemática de fêmeas nas praias de desova, monitoramento por telemetria de suas rotas no mar, determinação de áreas de alimentação e análises genéticas e de isótopos estáveis, permitirão que se tenha um melhor entendimento das características demográficas e biogeográficas da população que desova no Delta do Parnaíba. Este conhecimento servirá como base para a conservação dessa população. Também é necessário um levantamento das ameaças por ela enfrentadas, como guia para ações de conservação. As tartarugas-de-couro utilizam áreas muito extensas do oceano, percorrendo mares de diferentes países e águas internacionais. Por isto, a conservação dessa espécie requer uma abordagem não apenas local mas também internacional, com a cooperação de diversas nações e de organizações internacionais.
A tartaruga-de-couro está classificada na Lista Vermelha da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza), em nível global, como Vulnerável. No entanto, nessa lista, está classificada como Criticamente em Perigo no Atlântico Sudoeste, e como Em Perigo no Atlântico Noroeste. No Brasil, essa espécie está classificada como Criticamente em Perigo pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). As classificações referentes ao Atlântico Sudoeste (IUCN) e ao Brasil (MMA) foram realizadas com base em dados da população que desova no Espírito Santo, que, à época das avaliações, era a única população de tartarugas-de-couro conhecida em cada uma dessas regiões. Em avaliações futuras do estado de conservação da espécie, tanto em regiões do Atlântico como no Brasil, haverá uma outra população a ser considerada, aquela que desova na região do Delta do Parnaíba.