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Conservação das tartarugas marinhas no Brasil e os desafios na África
Nosso entrevistado, Alejandro Fallabrino é pesquisador, diretor fundador e executivo do Karumbé – Centro de Tartarugas Marinhas, desde 1999, no Uru- guai. Em 2003 ele fundou, junto com parceiros do Brasil e Argentina, a Rede ASO, Rede de Pesquisa e Conservação de Tartarugas Marinhas no Atlântico Sul Ocidental, integrando assim os principais grupos atuando nesses países.
Alejandro é membro do Grupo de Especia listas em Tartarugas Marinhas e de Água Doce (IUCN/SSC). Em 2005, foi nomeado Vice-Presidente para a Região do Atlântico Sul, do Grupo de Especialistas em Tartarugas Marinhas da IUCN, junto com Neca Marcovaldi e Joca Thomé, do Brasil.
É membro da Society for Conservation Biology. Foi Delegado do Uruguai na Associação Latino-Americana para Conservação e Manejo da Vida Selvagem, e nomeado coordenador da CMAP-Marine (Comissão Mundial de Áreas Protegidas – IUCN) para Argentina, Brasil e Uruguai em 2008.
Coordena o trabalho de campo do projeto Tartarugas Marinhas da Guiné Equatorial (África) desde 2009, e é membro do Conselho da International Sea Turtle Society desde 2012. Já representou Karumbé em 15 reuniões da RETOMALA - Rede de Especialistas em Tartarugas Marinhas da América Latina, sendo organizador em três delas.
Além de pesquisador e conservacionista, Fallabrino tem atuado por muitos anos contra o tráfico ilegal de vida selvagem, chegando a integrar o TRAFFIC Sudamérica – WWF no Uruguai de 1988 a 1995, tendo criado a Rede de Informação sobre Tráfico de Espécies Anti-Tráfico Neotropical (ATN) e a Rede Tortugas Marinas Neotropicales (TMN).
Possui 18 publicações em revistas especializadas, quatro capítulos de livros, 80 trabalhos apresentados em conferências e colaborou com o manual de recomendações para o resgate de aves, tartarugas e mamíferos marinhos do Ministério do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Argentina.
Pelos seus trabalhos recebeu a Medalha de Ouro, concedida pelo Conservation Leadership Program, e o Prêmio Mash em Liderança em Conservação Marinha.
Alejandro: No que diz respeito ao Brasil, o pioneiro é o TAMAR, nesses mais de 40 anos. E o Brasil vai muito bem nesse trabalho de conservação e monitoramento de tartarugas marinhas, seja pela Fundação Projeto TAMAR ou pelo Centro TAMAR/ICMBio. Nesse meio tempo, outros iniciaram esse trabalho como ONGs, universidades e o TAMAR ajudou muitos desses projetos a se fortalecerem, assim como a pesquisa e conservação na costa brasileira, em temas importantes como o da pesca, e mesmo de pesquisa dos impactos da indústria de óleo e gás.
Acredito que agora uma rede de muitas instituições brasileiras esteja trabalhando em colaboração, em prol das tartarugas. E de fato não se trabalha conservação sozinho, mas tem que se formar uma estrutura de pessoas que queiram colaborar. Nos eventos internacionais relacionados às tartarugas marinhas, no passado, ia somente o TAMAR representando o Brasil, e atualmente vão outras instituições, ONGs, universidades e pesquisadores nesses eventos, numa mistura bem interessante nesses simpósios mundiais.
Brasil tem uma costa expressiva. Toda essa conexão do norte, do Caribe e parte africana, o Brasil é chave. Muitos novos projetos no mundo se inspiram no TAMAR. Pioneiro nessa complexidade, é forte na busca por recursos, parcerias, fortalecendo agentes locais. Para o mundo o Brasil é muito importante, compartilhando toda essa experiência e marcando presença em reuniões e fóruns internacionais. A população que se encontra no mundo, e que se mantém em outros locais, como sul do Uruguai, Argentina e em alguns países da África, é consequência do trabalho de conservação que vem sendo promovido ao longo desses anos no Brasil.
Fale um pouco sobre o trabalho do ASO, Brasil, Argentina e Uruguai, nesse trabalho de conservação.
Alejandro: Quando eu iniciei o ASO – Rede de Pesquisa e Conservação de Tartarugas Marinhas do Atlântico Sul Ocidental, e comecei o Projeto Karumbé (1999), comecei a visitar diferentes bases da Argentina e do Brasil para falar com ONGs e pesquisadores, que tínhamos que trabalhar em conjunto, e formar uma rede gigante do Atlântico Sul, porque são as mesmas tartarugas (animais transfronteiriços) que se alimentam e frequentam a costa de um país e desovam em outro país. E em 2003 tivemos a primeira reunião do ASO em Montevidéu, Uruguai. Foi muito interessante pois a participação de brasileiros, e em especial do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, foi expressiva.
Naquele tempo o TAMAR não tinha essas conexões fortes e o ASO permitiu isso também, fortalecer o Brasil. O ASO permitiu mostrar ao TAMAR a importância de trabalhar em colaboração com Uruguai e Argentina, fortalecendo com isso o Brasil. Por isso estou bem contente que, depois de 25 anos da REDE ASO, estamos trabalhando em colaboração, trocando muita informação, fazendo muitos trabalhos e Papers, com muitos dados de todos os países. E isso tem uma força, em nível mundial, em pesquisa de tartarugas marinhas, que é impressionante!
Poderia contextualizar um pouco da história e importância da REDE ASO?
Alejandro: A REDE ASO é uma rede muito visada pelos pesquisadores dos EUA, Europa, Austrália pela maneira como se formou e como trabalhamos, em uma união que é complexa, considerando que o trabalho com espécies ameaçadas não é facil. Mas os pesquisadores têm uma energia, considerando o monitoramento desses animais migratórios, pois a mesma tartaruga está no Uruguai, em 10 dias está no Brasil e logo em seguida na África. A conexão desses pesquisadores é bem interessante.
Gosto muito porque trabalhamos com muita colaboração. Depois que se criou a REDE ASO, começamos uma conexão com a África, considerando essa migração das tartarugas marinhas, e em especial, o processo de desovas da tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea) no Gabão, Guiné Equatorial, Nigéria e outros. Elas migram para o sul do Brasil, Uruguai e Argentina para se alimentar e sabíamos que tínhamos que traçar uma conexão forte. Foi quando, em 2006, fui ao Gabão e comecei todo um trabalho com países da África Central, de que era importante fazermos uma conexão forte.
E como o trabalho com a África foi se consolidando?
Alejandro: E foi assim que Angela Formia, uma pesquisadora italiana que trabalha muito na África, veio para uma reunião do ASO no Brasil e foi incrível, porque ela pôde mostrar os projetos e os problemas na África, de morte de tartarugas. E se estamos fazendo um trabalho de conservação no Brasil e Argentina, onde se investe recursos e horas de trabalho, para salvar as tartarugas e protegê-las, quando elas chegavam na África para desovar, eram mortas.
Daí a importância de fortalecer essa conexão cada vez mais. Devido à distância isso não é fácil. Mais gente do Brasil e Argentina passou a trabalhar na África, e vice-versa. Mais africanos vieram para capacitação no Brasil para projetos como TAMAR e no Uruguai, para conhecerem como se trabalha com tartarugas marinhas, e ideias de como fazer conservação.
Na África eles precisam de muita ajuda porque o problema é grave. Assim como temos problemas graves com pescarias no Atlântico Sul Ocidental, que mata muita tartaruga, na África o tema é sobretudo a ameaça sobre as desovas das fêmeas, ocasião em que elas são mortas para consumo.
Ou seja, como foi no começo do trabalho do TAMAR, no Brasil. E no passado havia consumo de carne e ovos de tartarugas marinhas, e a comunidade foi mudando a partir do trabalho com pescadores como agentes locais. Acredito que a REDE ASO pode ajudar muito a África, daí termos que fortalecer essa relação. Necessitamos criar uma conexão REDE ASO-África cada vez mais forte.
Poderia nos falar sobre a situação da conservação em nível mundial?
Alejandro: No contexto mundial temos de tudo. A IUCN publicou a Lista Vermelha e classificou as tartarugas marinhas por espécie e região (MRU- Management Regional Units’s*). No Atlântico Sul temos 5 espécies de tarta- rugas marinhas entre elas a tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea) que desova na África e se alimenta no sul do Brasil, Uruguay e Argentina, mas não tem conexão com a população do norte (Colômbia, Canadá, Flórida e EUA) constituindo, com isso, duas populações diferentes.
Daí a importância de se armar estratégias locais. Um exemplo é a Dermochelys coriacea, que está criticamente ameaçada de extinção, cuja popu- lação no Brasil, desova no Norte do ES. Temos que fortalecer o trabalho de conservação com essas cinco espécies.
Algumas espécies estão melhores. E por quê? No caso específico da tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta), o trabalho de mais de 40 anos do TAMAR é incrível. A estratégia de proteção dos filhotes fez com que a população dela aumentasse ao longo desse tempo e ela não está em perigo, mas vulnerável. Mas existem novas ameaças.
Entre as ameaças às tartarugas marinhas, quais você destaca?
Alejandro: A pescaria é uma ameaça de muitos anos, mas que se fortalece a cada ano pela quantidade de barcos. E, por exemplo, com a tartaruga-verde (Chelonia mydas), na Ilha de Trindade/ES/Brasil e outras Ilhas do Atlântico, foi feito um trabalho de conservação e a população também aumentou com juvenis na costa brasileira, uruguaia e argentina. E entre as novas ameaças para essa espécie, que come algas, está o plástico.
Quando se fez todo o trabalho da Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas de Extinção para ver o status de conservação da tartaruga-verde no Atlântico Sul, ela estava em perigo, a população melhorou, mas existem novas ameaças.
E o que vamos fazer com isso?
Alejandro: Os dados podem dizer que a situação está melhorando, mas cada vez mais indivíduos morrem em função do plástico, além da ameaça das pescarias que matam todas as espécies.
Pela experiência, a partir de todo o trabalho que venho desenvolvendo há mais de 20 anos, no Uruguai, essa temática do plástico é complexa. Porque em toda a zona sul do Brasil e Uruguai são os lugares onde se morre mais tartaruga-verde juvenil do mundo, por causa dos plásticos. Lamentavelmen- te essa ameaça considero a mais complexa.
Estamos trabalhando em parceira, compreendendo as informações e pesquisas acerca de para onde está migrando o plástico, e onde estão se alimentando as tartarugas verdes. O desafio é como fazer estratégias eficazes, por ser um tema tão complexo. Outro desafio é a frota de pescarias, que no Uruguai é pequena, na Argentina é mediana, mas no Brasil é gigante. Tem muitas capturas incidentais de tartarugas marinhas nas redes de pesca e que repercutem em muitos encalhes em toda a costa brasileira, uruguaia e argentina e isso é muito grave.
O que você gostaria ainda de enfatizar sobre esse trabalho?
Alejandro: A conservação de tartarugas marinhas no Atlântico Sul Ocidental tem melhorado muito, por causa de ações de instituições como TAMAR e de todos os novos projetos de conservação que se abriram no Brasil, no Uruguai e na Argentina.
O vai acontecer no futuro? Não sabemos. Há estratégias de conservação importantíssimas, como criar áreas marinhas protegidas, investir cada vez mais em educação ambiental, mas todas essas são ações de longo prazo. Ações importantes estão sendo executadas agora e precisam continuar.
* Unidade Regional de Manejo