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CIT: conservação atravessando fronteiras há 20 anos
O limite geográfico entre países pode até existir, mas a biodiversidade atravessa essas fronteiras e assim possibilita a perpetuação da vida. As tartarugas marinhas, que viajam longos percursos pelo mar, fazendo das águas de um país seu território de alimentação e das águas e praias de outro seu lugar de reprodução e desovas, ou apenas “passando” por um terceiro, simplesmente seguem o ciclo de suas vidas sendo, portanto, considerada Embaixadora dos Oceanos. Desta forma 6 das 7 especies que ocorrem no mundo são encontradas na Américas, compartilhadas entre as nações deste continente.
Buscando fazer com que esse fluxo da vida, com responsabilidades compartilhadas, perpetue-se, é que nasceu a Convenção Internacional para Conservação das Tartarugas Marinhas-CIT/IAC, pois são necessárias estratégias internacionais, somadas a de cada país, para conservá-las e reduzir seus status de ameaças.
Em 1994, reconhecendo a natureza internacional e ao mesmo tempo regional das ameaças a todas as espécies de tartarugas marinhas, países do hemisfério ocidental (Costa Rica, Peru, México, Estados Unidos e Brasil) começaram um diálogo, inicialmente no âmbito da Organização Latino-Americana para o Desenvolvimento Pesqueiro (OLDEPESCA), na Conferência de Ministros realizada em Lima/Peru, que culminou na aprovaão de uma Resolucao para a proteção desses animais. Este foi o mote para convidar outros países das Américas para discutirem o tema.
Após várias reuniões, em 2001, com a ratificação do oitavo país, a CIT-Convenção Interamericana para a Proteção e Conservação das Tartarugas Marinhas entrava em vigor. “O Brasil desempenhou um papel fundamental desde o início, pois foi em Salvador-BA, em 2001, que se deu o fechamento do texto da convenção, ficando a Venezuela como país depositário”, explica a atual secretária executiva da Convenção, Verônica Cáceres Chamorro. Atualmente 16 países são membros, ratificados por seus governos e Congressos, e integram a CIT, sendo alguns outros já convidados a participar, como Canadá, França, Colômbia, Trinidad y Tobajo e as Guianas; que ainda estão discutindo internamente a possível adesão.Para Verônica, vendo a história da CIT e seus 20 anos de ações em prol da conservação das tartarugas marinhas, as ameaças à todas as espécies não mudaram muito, como a crescente captura incidental em pescarias, como as de arrasto de camarão ou redes e espinhéis, ou o consumo de ovos em alguns países, e até o surgimento de novas fontes de impacto, como os provenientes das mudanças climáticas, sobre os sítios de nidificação.
Como exemplo, a secretária executiva da CIT destaca o trabalho conjunto entre o Brasil, o Uruguai e a Argentina na conservação das espécies de tartarugas marinhas compartilhadas entre os três países, maximizando esforços conjuntos e alcançando bons resultados. “As estratégias e medidas de proteção devem ser similares, com legislações e ações independente das fronteiras, pois se o país vizinho do Brasil, por exemplo, não implementasse estratégias de conservação nem tivesse legislações nesse sentido, a proteção das espécies no território brasileiro não teria sido tão efetiva”, frisa Verônica.
Para o coordenador do Centro TAMAR-ICMBio, Joca Thomé, a CIT teve papel fundamental na harmonização dos protocolos técnicos-científicos entre os países. “Esta primeira grande padronização na coleta de dados e informações, por parte de todos os países membros foi fundamental, considerando que cada um fazia este trabalho de uma forma. Somente a partir desta harmonização é que se tornaram possíveis análises mais robustas acerca da situação das populações de tartarugas marinhas, cujas espécies são compartilhadas entre os diferentes países”, explica Joca.
Se os primeiros anos da CIT foram estruturantes, regulamentando procedimentos, organizando seu estatuto e secretaria, depois deu-se início à construção das Resoluções, dos grupos de trabalho técnicos, de estudos como o do impacto climático sobre as tartarugas marinhas, além do Informe Anual sobre como se implementa a convenção em cada país membro e qual o estado das tartarugas marinhas. O intercâmbio de expertises técnicas entre os setores pesqueiro e de conservação representou um importante avanço, gerando a troca de experiências entre diferentes países, além da união entre agências pesqueiras e agências ambientais.
“Os diálogos entre esses setores, no passado, foram difíceis. Mas por intermédio da CIT foram sendo mediados, tanto que houve avanços na análise das informações acerca da atividade pesqueira e criação dos comitês científico e consultivo que analisam as informações oriundas dos países, incluindo a interação com pescarias, além de memorandos de entendimento com outras convenções para uma atuação integrada com esses acordos e fóruns internacionais”, explica Verônica referindo à Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção-CITES; sobre a Comissão Permanente do Pacífico Sul-CPPS; sobre a Lista de Zonas Úmidas de Importância Internacional-RAMSAR; Convenção Interamericana para la Conservacion del Atun Tropical (CIAT), e sobre o ACAP (Acordo Internacional para Conservação de Albatrozes e Petréis), para citar alguns exemplos.
Avanços em 20 anos
Em termos de conservação desses indivíduos, os avanços promovidos pela CIT têm sido grandes, a exemplo do aumento expressivo de campanhas de conscientização e conservação, do investimento em tecnologias, das mudanças tecnológicas da pesca para que não se pesquem tartarugas marinhas e outras espécies ameaçadas, da promoção do conhecimento científico, e elaboração e implementação de resoluções que conseguem mitigar ou frear as ameaças (mudança climática, pesca incidental, consumo de ovos).
“Atualmente têm-se acesso aos dados de mais de centenas de praias índex, que permitem monitorar as populações desovantes e suas variações, bem como de mais países reportando suas ações incluindo a criação de mais áreas protegidas nos países que integram a Convenção. Uma das campanhas de conscientização é acerca dos danos do plástico às tartarugas marinhas, promovida em cada país e em nível mundial, levando educação ambiental a estudantes e comunidades”, celebra Verônica.
Na data de 16 de junho é celebrado o Dia Mundial das Tartarugas Marinhas, e tem sido celebrado com diversas ações pelos países que integram a CIT, com todos engajados em programações. Nos últimos 20 anos essa data e celebrações se intensificaram.
Papel do Brasil
O Brasil soma mais de 40 anos de experiência com conservação de tartarugas marinhas e Verônica considera que as espécies do Atlântico possuem uma marca brasileira, impressa pelo trabalho tanto do Centro Tamar ICMBio/MMA quanto da Fundação Projeto Tamar, atuantes desde 1980, bem como de dezenas de outras instituições brasileiras. O resultado mais expressivo é o de que as cinco espécies que ocorrem no litoral brasileiro não apenas vêm sendo monitoradas e protegidas, como vêm gradualmente aumentando suas populações e melhorando seus graus de ameaça. “Os conservacionistas de tartarugas marinhas do mundo olham para o Brasil como um país com expertise e grande reputação na conservação de tartarugas marinhas”, frisa Verônica.
Os representantes brasileiros nos comitês e grupos de trabalho participam arduamente. “O Brasil tem uma generosidade muito grande de compartilhar, seja por meio de assessoria técnica ou de outra maneira seus conhecimentos, tanto que alcançou o marco de mais de 40 milhões de filhotes devolvidos ao mar, uma referência no trabalho com as comunidades. Seria muito difícil a conservação no nível regional e global, se não fosse a participação do Brasil tão ativa”, reitera a secretária executiva da CIT.
O QUE É CIT (Espanhol) ou IAC (Inglês)?
A Convenção promove, ainda, a implementação de medidas de conservação das tartarugas marinhas por meio de treinamentos, monitora o cumprimento dessas medidas e fornece assistência técnica aos seus países membros em apoio ao cumprimento dos objetivos da Convenção.
Entre as medidas ditadas às Partes, pelo texto da Convenção, temos a proibição da captura, retenção ou morte acidental de tartarugas marinhas, bem como do comércio interno de indivíduos, seus ovos, partes ou produtos.
Outra refere-se à redução ao mínimo possível da captura, dano ou morte acidental de tartarugas marinhas durante as atividades de pesca, bem como o desenvolvimento, melhoria e uso de equipamentos, dispositivos e técnicas adequados, incluindo o Dispositivo de Escape de Tartarugas Marinhas (conhecidos como TEDs – Turtle Excluder Device).
Outras medidas são importantes para proteger as populações de tartarugas marinhas e seus habitats, reduzindo o impacto das ocupações costeiras e criando áreas marinhas protegidas; e assim como relatar e gerenciar exceções junto à CIT para o uso de ovos de tartarugas marinhas para atender às necessidades de subsistência econômica de comunidades tradicionais.
Os 16 países membros da CIT são Argentina, Belize, Brasil, Chile, Costa Rica, Equador, Estados Unidos da América, República Dominicana, Guatemala, Holanda (Países Baixos del Caribe), Honduras, Panamá, Peru, México, Uruguai e Venezuela – conhecidos como Partes Contratantes. A Nicarágua já assinou, mas está em processo de ratificação nacional junto ao Governo da Venezuela, que atua como país oficial depositário da Convenção.
Na lista de possíveis interessados em integrar a CIT constam Canadá, França, Trinidad & Tobago, Guiana e Suriname para os quais, devem ser endereçados convites formais, no nível diplomático, para aderirem à Convenção.
Estrutura da CIT
A CIT possui dois órgãos subsidiários chamados de Comitê Científico e Comitê Consultivo, cujos representantes dos países membros se reúnem periodicamente para elaboração de recomendações objetivando a melhoria de ações de manejo e conservação das tartarugas marinhas.
No Comitê Consultivo, por exemplo, há espaço para que membros da comunidade científica, ONGs, e setor pesqueiro e produtivo possam levar as suas contribuições, revelando o caráter inclusivo da CIT.
A cada dois anos ocorre a reunião chamada COP – Conferência das Partes, na qual os representantes discutem as implementações e melhorias às Resoluções da Convenção, os informes dos países e os resultados obtidos pelo conjunto das nações.
Histórias que marcam
Ao longo dos 20 anos da CIT muitas são as histórias para serem contadas e relembradas, independente do tempo. Uma delas, narrada por Verônica, mostra a força da colaboração entre países, em especial daqueles que se encontram em um cenário mais favorecido em termos de recursos técnicos e econômicos, auxiliando e apoiando estratégias de outro país. Uma dessas experiências se deu em 2017, entre pescadores do Peru e do México, com participação dos EUA.
Por meio de um projeto, identificaram-se pescarias que usavam redes de emalhe no Peru e capturavam tartarugas marinhas e foi feito o convite para que alguns destes pescadores pudessem visitar praias de nidificação desta espécie Dermochelys coriacea no México - espécie esta que estes pescadores não conheciam em suas praias, mas somente presas em suas redes.
Ao terem a oportunidade de verem a espécie em reprodução, nas praias mexicanas, eles puderam despertar ainda mais para a importância de conservá-las, compreendendo esse corredor migratório e a conexão Peru/México. E passaram a entender porque é vital proteger as espécies no Peru, considerando que elas nidificavam no México, e da importância de fazer esforços de conservação alinhados, pelo valor imenso que a espécie possuía tanto no Peru quanto no México, e principalmente repassando essas informações e sentimentos aos demais pescadores e comunidades.
Conheça o Texto da Convenção na íntegra, clicando aqui
Mais informações no Sítio Eletrônico da CIT-Convenção Interamericana para Proteção e Conservação das Tartarugas Marinhas