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A pesca que prima pela conservação das espécies ameaçadas
Tão importante quanto conservar espécies marinhas ameaçadas como tartarugas e peixes, é compreender a forma como a pesca atua frente a elas, possibilitando projetar e mitigar um cenário futuro. É desta forma que, desde junho de 2017, o ICMBio, sob a coordenação do Centro TAMAR/ICMBio, tem conduzido o monitoramento da biodiversidade marinha associada à pesca na costa leste do Brasil.
As ações têm sido desempenhadas de forma contínua, ampliando o esforço pontual - antes já realizado pelo Centro TAMAR ICMBio, concentrado no levantamento de informações sobre a captura incidental de tartarugas marinhas em pescarias. Este trabalho vem ocorrendo sob diretrizes do Programa Monitora do ICMBIo e tem como objetivos descrever as principais modalidades de pesca, identificando suas áreas de atuação e interação com espécies ameaçadas. “O foco é subsidiar a construção participativa de instrumentos, estratégias e ações de ordenamento e gestão da atividade pesqueira, buscando o equilíbrio entre a conservação e o uso das espécies na pesca”, explica o analista ambiental do Centro TAMAR ICMBio e especialista nesta área de pesca, Nilamon Leite Jr.
Entre os meses de junho de 2017 e dezembro de 2020, foram acompanhados desembarques pesqueiros em 15 portos de sete municípios no estado do Espírito Santo (Vitória, Vila Velha, Guarapari, Anchieta, Piúma, Itaipava e Marataízes) e um no município de Farol de São Tomé, norte do Rio de Janeiro.
Outro trabalho específico abrange Unidades de Conservação Federais no sul do Bahia, as Reservas Extrativistas (RESEX) de Canavieiras/BA, Corumbau/BA e Cassurubá/BA, focado no monitoramento participativo da pesca artesanal praticada por comunidades que atuam na captura de duas espécies ameaçadas, o guaiamum (Cardisoma guanhumi) e o budião-azul (Scarus trispinosus).
“A captura dessas espécies só seria permitida mediante a elaboração de um Plano de Gestão Local (PGL), definindo regras para a seu uso sustentável e recuperação dos estoques, sendo o monitoramento das capturas e esforço de pesca uma das ações essenciais para a execução desses planos”, frisa Nilamon.
Os dados dos desembarques nos portos monitorados foram obtidos por meio de entrevistas realizadas por coletores com os mestres das embarcações, utilizando-se um questionário estruturado e, no caso das RESEX do sul da Bahia, coletados em cadernos de automonitoramento, por meio dos quais os próprios pescadores e pescadoras registravam suas pescarias.
Dentre as principais informações obtidas destacam-se o número de dias de pesca de cada embarcação ou pescador familiar para quantificação do esforço de pesca, informações detalhadas sobre a área de captura, o petrecho utilizado e a captura total de cada espécie desembarcada, além de acompanhar a variação de tamanho das espécies através da coleta de dados biométricos. “No total, nos portos monitorados do ES e norte do RJ foram registradas 919 embarcações que juntas somaram 5.587 desembarques pesqueiros e medidos 6.641 peixes de 31 espécies”, informa o analista ambiental.
No sul da Bahia (RESEXs de Canavieiras, Corumbau e Cassurubá) 79 pescadores foram entrevistados, tendo sido monitoradas 9 comunidades na RESEX de Canavieiras e 12 na RESEX de Cassurubá. Na RESEX Corumbau foram entregues 90 cadernos de monitoramento. Em Canavieiras os dados da pesca do guaimum foram coletados durante 7 meses do ano de 2019. Já em Cassurubá, a pesca do guaiamum foi monitorada nos meses de janeiro, fevereiro e no período de setembro a dezembro de 2019 e em outro período de janeiro a novembro de 2020; e a pesca do budião-azul foi monitorada no período de dezembro de 2018 a fevereiro de 2019 e de agosto de 2019 a julho de 2020.
As artes de pesca avaliadas no monitoramento foram divididas em 16 diferentes modalidades de pesca ou tipos de pescarias: Espinhel de Dourado, Espinhel de Meca, Linha de Caída/Superfície, Vara, Corrico, Espinhel de Fundo Tradicional, Espinhel Long Boia, Linha de Fundo/Pargueira, Bote, Rede de Arrasto, Puçá, Armadilha (covos e ratoeiras), Mergulho, Rede de Cerco, Rede de Emalhe e Coleta Manual.
Dentre as pescarias identificadas, a que teve maior ocorrência de registros foi a pesca de arrasto voltada para a captura de camarão-sete-barbas, com 2.493 viagens; seguida da linha de fundo/pargueira, voltada para a pesca de recursos demersais como badejos, garoupas e recursos meso-pelágicos como o peroá e olho de boi, com 1.863 viagens; e a coleta manual, voltada para pesca do guaiamum, com 1.795 viagens. Na captura por unidade de esforço medida em quilos de peixe por dia de pesca – kg/dia (CPUE), as artes com maiores valores foram a rede de cerco e a vara.
A partir dos dados fornecidos pelos pescadores, as pescarias foram mapeadas procurando estabelecer quais as áreas de pesca mais utilizadas, quais espécies foram mais capturadas e a ocorrência de espécies ameaçadas.
ESPÉCIES AMEAÇADAS
No período de atuação deste projeto foram identificadas 214 espécies, sendo 164 peixes ósseos, 29 peixes cartilaginosos, 19 crustáceos e dois moluscos. Dentre estas, 211 espécies estão classificadas em alguma categoria de ameaça, segundo os critérios da IUCN (União Internacional para Conservação da Natureza).
Foi possível identificar 30 (14%) com alguma categoria de risco de extinção. Foram capturadas sete espécies (3,5%) classificadas como “Criticamente em Perigo”, sete (3,5%) como “Em Perigo” (EN) e 16 (8%) como “Vulneráveis” (VU). A maior parte das espécies (58%) esteve presente na categoria “Menos Preocupante” (LC), 15% como “Dados Insuficientes” (DD) e 12% como “Quase Ameaçadas” (NT).
Form pesadas 146 espécies que juntas somaram 6.531.450 kg. A proporção observada mostrou que a “Menos Preocupante” (LC) representou 55% das capturas (3.571.805 kg), “Quase Ameaçadas” (NT) 27% (1.778.975 kg), “Dados insuficientes” (DD) 13,5% (884.559 kg), “Vulneráveis” (VU) 4% (265.261 kg), “Em Perigo” (EM) 0,4% (24.241 kg) e Criticamente em Perigo” (CR) 0,1% (6.609 kg).
BIOMETRIA
Os dados de biometria obtidos para diversas espécies foram posteriormente comparados com os valores de comprimento de primeira maturação (Cpm) disponíveis na literatura e também com os comprimentos mínimos permitidos (Cmin) pela legislação atual. “O acompanhamento contínuo destas capturas é essencial tanto para detectar possíveis quedas na produção ou diminuição nos tamanhos de captura, que podem estar relacionadas à redução populacional da espécie, quanto para verificar o cumprimento e eficiência das medidas de ordenamento vigentes”, explica Nilamon Leite Jr.
RUMO AO FUTURO
As informações geradas com o trabalho de monitoramento deverão cada vez mais subsidiar as discussões a respeito do ordenamento visando à sustentabilidade da pesca com participação de pesquisadores, gestores e pescadores.
“Como a atividade pesqueira está sempre mudando e se adaptando às condições ambientais, sociais e econômicas, é fundamental que o monitoramento realizado até o momento prossiga para acompanhar quaisquer mudanças que possam aumentar o impacto da pesca sobre as espécies ameaçadas.”, observa Nilamon.
No caso das RESEX, o monitoramento se torna ainda mais importante pois, como já foi dito, espécies monitoradas como o guaiamum e o budião-azul têm sua exploração regulamentada por portarias específicas que se baseiam nas informações obtidas no monitoramento.
“Sem essas ações, centenas de pescadores que dependem da pesca destes recursos para sustentar suas famílias estariam impossibilitados de exercer suas atividades” frisa Nilamon.
A caminhada é longa, mas alguns passos importantes foram dados buscando compreender melhor as pescarias que atuam na região do Mar do Leste, quais as espécies que vem sendo capturadas por essas pescarias e quais os possíveis impactos causados pela pesca sobre estas populações, permitindo assim aprimorar medidas mitigadoras e de ordenamento pesqueiro que contribuam com a redução desses impactos.