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Cavernas contam a história das mudanças climáticas no Brasil
Entender como as mudanças do clima podem causar impactos irreversíveis ao meio ambiente, assim como definir quais estratégias em relação à definição de áreas prioritárias para conservação e restauração ambiental. Essas são algumas medidas que poderão ser tomadas a partir dos resultados de estudos paleoclimáticos e paleoambientais realizados em cavernas pela pesquisadora Giselle Utida, pós-doutoranda na Universidade de São Paulo (USP). Seu trabalho tem sido descrever as mudanças de chuva ao longo dos últimos milênios no norte da região Nordeste, conhecida atualmente por ciclos severos de secas, e como essas mudanças de chuvas impactaram o ambiente e sua dinâmica ao longo do tempo.
Em seu doutorado, Giselle iniciou as pesquisas sobre as mudanças climáticas utilizando as estalagmites, reconhecidas por registrar o clima do passado, assim como outros depósitos sedimentares preservados nas cavernas, os sedimentos clásticos (rochas compostas por detritos geológicos constituídos por fragmentos de minerais e rochas pré-existentes) e o guano (acúmulo de fezes) de morcegos. “Desde então tenho investigado as mudanças do clima do passado da região Nordeste do Brasil, principalmente por meio das análises de isótopos estáveis de oxigênio, provenientes da água da chuva, que são incorporados nas estalagmites por meio do processo de formação desses espeleotemas. Com base nessas pesquisas, pude apontar que as mudanças climáticas na região influenciam também a produção e erosão de solo”, afirmou a pesquisadora.
De acordo com os dados das cavernas do Rio Grande do Norte, um ciclo de redução da presença do solo sobre as cavernas e da sua cobertura vegetal tem ocorrido há pelo menos 20.000 anos e foi há cerca de 4.200 anos que a erosão predominou sobre a produção de solos de forma drástica, devido às mudanças climáticas. “A redução abrupta das chuvas provocou mudanças na cobertura vegetal da região, ocasionando a exposição dos solos.
Estudos palinológicos (ciência que determina as espécies vegetais, de acordo com o tipo de grão de pólen), apontam a transição de espécies tropicais para espécies adaptadas ao clima seco no Nordeste há cerca de 4.200 anos.Dessa forma, podemos afirmar que foram as mudanças climáticas e ambientais abruptas ocorridas há 4.200 anos as responsáveis pelo estabelecimento do Bioma Caatinga no Nordeste do Brasil, pois após esse evento, predominou o clima semiárido”, explica a pesquisadora.
Segundo os estudos de Giselle, o Nordeste brasileiro tem enfrentado um processo de erosão de solos quando os eventos de chuva são abruptos. Ela diz que “esse resultado é de extrema importância quando pensamos em mudanças climáticas atuais e aumento das temperaturas dos oceanos, demonstrando que a chuva sobre os continentes também será afetada por essas mudanças.
Tomando como exemplo essa região, diante do que já foi descrito pelas minhas pesquisas, dado ao aumento dos eventos extremos de chuva, há o risco iminente de desertificação de diversas áreas do Nordeste do Brasil, principalmente aquelas que foram desflorestadas e não possuem nenhuma proteção do solo, o que pode dar continuidade ao histórico de erosão da região”.
Pesquisas de mais de uma década
Gisele Utilda trabalha há 12 anos com mudanças climáticas, utilizando os sedimentos preservados em cavernas, desde então alguns trabalhos foram concluídos e outros estão em andamento com o apoio do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, com a supervisão do Prof. Dr. Francisco Cruz.
No Brasil, além da Universidade de São Paulo, a pesquisadora contou com o apoio da Universidade de Brasília e do Centro de Energia Nuclear na Agricultura, na área de estudos isotópicos, além de pesquisadores de outras instituições. No exterior, a Universidade de Minnesota nos Estados Unidos, a Universidade de Xi’an Jiaotong e a Universidade Normal de Beijing, ambas na China, apoiaram principalmente os estudos cronológicos das estalagmites e outros sedimentos de cavernas.
As estalagmites estudadas por Giselle também permitiram descrever os eventos abruptos de seca registrados nos últimos 500 anos. “Esse estudo possui grande importância por ser o primeiro a comparar condições paleoclimáticas com registros históricos no Brasil. Pude apontar grandes eventos de seca que estão descritos na literatura brasileira, desde a chegada dos Jesuítas, e que causaram grandes impactos ambientais e na vida dos nordestinos dos séculos 16 ao 19. Não há no país um longo monitoramento meteorológico, visto que as primeiras estações climáticas foram instaladas em meados do século 19 e apenas distribuídas uniformemente no território em meados do século 20. Dessa forma, demonstrei que os estudos climáticos baseados em estalagmites podem fornecer dados do clima do passado”, conclui Giselle Utilda.
A importância da conservação das cavernas
As cavernas são responsáveis por uma série de processos naturais, como os geológicos, ou seja, eventos que acontecem em uma escala de tempo de milhões de anos, e espacial de centenas de metros a milhares de quilômetros. Além disso, a água tem relação com as cavidades naturais subterrâneas, já que esses locais desempenham papel fundamental em seu armazenamento estratégico, com a carga e recarga de aquíferos, protegendo e conservando minerais raros. Raras também são as espécies que fazem das cavernas sua morada, muitas delas endêmicas, ou seja, não existem em outros lugares.
Para atuar na conservação desses ambientes de importância tão significativa e das espécies neles encontradas, o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas (ICMBio/Cecav) atua ao lado de sua equipe, instituições parceiras e com a contribuição da sociedade, desenvolvendo e apoiando projetos, pesquisas e ações. Recentemente, dois editais tiveram como objetivo incentivar a conservação do patrimônio espeleológico brasileiro, por meio da utilização de recursos oriundos do Termo de Compromisso de Compensação Espeleológica. Além disso, o centro de pesquisa também conta com o sistema de gestão de projetos Pró-Espeleo.
A plataforma foi desenvolvida para que pesquisadores submetam seus projetos e ações a serem selecionados e apoiados financeiramente, uma iniciativa que busca implementar o Programa Nacional de Proteção ao Patrimônio Espeleológico.