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Homenagem à professora do PPGCI do Ibict-UFRJ, Lena Vania Ribeiro Pinheiro
No dia 7 de abril de 2024, faleceu a Dra. Lena Vania Ribeiro Pinheiro, professora do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), realizado em convênio com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O velório aconteceu nesta segunda-feira, no Cemitério São João Batista, em Botafogo, Zona Sul do Rio.
Para Tiago Braga, diretor do Ibict, descrever o que a Lena Vania representa não é tarefa corriqueira. “A dificuldade não está em caracterizar o que ela representou para a Ciência da Informação (CI) e para o Ibict. Esses aspectos são marcantes e reconhecidos por todos que conhecem a história da nossa área. Mas, a Lena tinha um Q a mais! Ela sabia ser acolhedora e exigente ao mesmo tempo, pontuava as coisas que entendia que precisavam ser diferentes, mas sempre abrindo espaço para construções verdadeiras. Era uma pessoa muito querida, que sabia se aproximar e se fazer presente. Se colocava disponível quando era demandada e soube, como poucos, fazer valer a pena”.
Ricardo Pimenta, coordenador de Ensino e Pesquisa em Informação para a Ciência e Tecnologia (COEPI-Ibict), destacou que Lena Vania era uma referência para todos e que era conhecida pelo cuidado com a família, amigos e alunos, além de ser alegre e gentil. “Polidez, gentileza, sanidade e temperança não é para qualquer um. Mas era a base de Lena Vania. Ela foi uma entidade da CI no Brasil. Foi uma pessoa intensa, amorosa, enfática, inteligentíssima, divertida e agora fica um vazio para nós. Penso que Lena é um símbolo. Que possamos sempre celebrar sua contribuição e honrar sua vida dedicada à CI no Brasil”.
Lena Vania Pinheiro era doutora em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ - 1997), mestre em Ciência da Informação pelo PPGCI - Ibict/UFRJ (1982), especialista em Redes de Bibliotecas pela Universidade de São Paulo (USP - 1972) e bacharel em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Pará (UFPA - 1966), tendo atuado como pesquisadora e professora no Ibict por mais de 35 anos. Publicou livros e capítulos de livros e muitos artigos de periódicos e comunicações em congressos, no Brasil e no exterior, e orientou inúmeros mestres e doutores, sobretudo no Ibict, e em outras instituições e universidades, em Ciência da Informação e áreas interdisciplinares.
Trajetória acadêmica e de pesquisa
Lena Vania Ribeiro Pinheiro nasceu em 11 de novembro de 1941, em Belém do Pará (PA). A paraense cresceu em uma família que incentivava as artes desde cedo. O pai era médico e músico. A mãe, pianista e cantora lírica. No início da década de 1960, Lena era uma jovem estudante que gostava de poesia e literatura e sonhava em ser escritora.
A profissão de bibliotecário foi regulamentada em 1962 no Brasil. Mas faltavam quadros profissionais para atuar nas bibliotecas do Pará. Leitora voraz, Lena Vania vislumbrou na profissão uma oportunidade na qual pudesse “viver entre os livros” e, em 1964, ingressou na segunda turma do recém-criado Curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Na Biblioteconomia, Lena contou com uma formação interdisciplinar com aulas de filosofia, história, arte e literatura, sendo aluna de grandes intelectuais de Belém que marcaram sua formação intelectual, como o filósofo Benedito Nunes e o emérito professor Francisco Paulo Mendes, especialista em História da Arte e da Literatura.
Após se formar, a jovem foi trabalhar como bibliotecária da universidade. Apaixonada pelas artes, fez um concurso para professora de História da Arte da UFPA, tendo sido aprovada em primeiro lugar. Assim, iniciou sua vida acadêmica como docente do Departamento de Letras e Artes.
No Pará, Lena também trabalhou na Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e no Sistema de Informação para a Amazônia (SIAMA), tendo ainda a oportunidade de trabalhar com o botânico belga Paul Ledoux, discípulo de Paul Otlet e professor da UFPA.
Lena Vania entrou no Mestrado em Ciência da Informação do convênio Ibict-UFRJ no final da década de 1970, ocasião em que foi morar com o marido no Rio de Janeiro (RJ), tendo abraçado de vez a área da Ciência da Informação, que estava em consolidação no Brasil. No Rio, viveu por mais de 50 anos, criou filhos e netos e considerava o lugar como “a cidade do coração”.
Durante o Mestrado, Lena Vania foi orientanda de Gilda Maria Braga e teve aulas com professores estrangeiros de alta expressão na comunidade científica internacional, como Tefko Sarasevic, Frederik Lancaster e Derek de Solla Price, além de grandes brasileiros como José Luis Werneck da Silva, Hagar Espanha e Hilton Japiassú. Esses dois últimos exerceram forte influência em sua trajetória intelectual.
Em 1982, Lena Vania apresentou a sua pesquisa de mestrado - o trabalho propôs uma reformulação da Lei de Bradford para se adequar à realidade do comportamento da literatura científica. Na tese intitulada “Lei de Bradford: uma reformulação conceitual”, ela se destaca no estudo e na enunciação das leis e princípios da Bibliometria.
Depois do curso, ela passou a atuar como tecnologista do Ibict, em Brasília. Em 1985, voltou para o Rio de Janeiro para ser docente do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI Ibict-UFRJ), tendo participado de inúmeras pesquisas e projetos. Além de pesquisadora, ocupou diferentes cargos na instituição como gestora.
O doutorado veio em 1997, com a defesa da tese intitulada “A ciência da informação entre sombra e luz: domínio epistemológico e campo interdisciplinar”, realizada no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Também orientada por Gilda Maria Braga, Lena Vania estudou conceitos, métodos, princípios, leis e teorias da Ciência da Informação sob a abordagem da Epistemologia histórica. Segundo ela, o título é “um reflexo da natureza do objeto de estudo da Ciência da Informação, a informação, um objeto entre sombra e luz, na complexidade não somente de seu processo de criação como de sua passagem para conhecimento e, sobretudo, de um processo histórico mais amplo e não menos complexo, de profundas e radicais transformações da sociedade da informação ou da tecnocultura” (PINHEIRO, 1997).
Em entrevista realizada para o Ibict em 2022, Lena Vania afirmou que considerava a tese como o seu trabalho mais relevante para a área de Ciência da Informação. “Acho que fui uma das primeiras com esse enfoque da interdisciplinaridade e a própria história da área, com autores que quase não eram trabalhados naquela época. Foi importante porque mapeou a área no exterior e também no Brasil", afirmou.
O trabalho de Lena Vania foi pioneiro no enfoque epistemológico da Ciência da Informação e contribuiu para os estudos sobre a compreensão desse domínio e sua interdisciplinaridade com outras ciências ou disciplinas. Em diversos artigos posteriores, Lena Vania aprofundou os estudos sobre o tema da interdisciplinaridade na Ciência da Informação, tornando-se uma referência brasileira no assunto. Ela mapeou e identificou as áreas ou disciplinas que apresentam relação com a Ciência da Informação, no Brasil e no exterior.
Outro marco de sua pesquisa foi o desenvolvimento da Mandala da Ciência da Informação. Tendo como fio condutor as investigações e mapeamentos epistêmicos da Ciência da Informação, Lena Vania desenvolveu um diagrama circular que representa visualmente a interdisciplinaridade da Ciência da informação, tendo a área ou campo da CI ao centro, circundada por suas subáreas e disciplinas científicas ou tecnológicas.
A primeira mandala foi construída em 1994. Posteriormente, em 2007, uma segunda mandala foi desenvolvida, mapeando epistemologicamente a Ciência da Informação no exterior e sua relação com as áreas da atualidade.”A CI é uma área em constante mutação”, disse em entrevista ao Ibict.
A Divulgação Científica também foi outro assunto de interesse em sua carreira de pesquisadora. De 2006 a 2013, Lena Vania foi coordenadora do serviço de divulgação científica do Ibict, o Canal Ciência, pelo qual participou de oficinas e palestras para alunos e professores de ensino fundamental, médio e técnico, principalmente no interior do país. Ela também ministrou a disciplina Comunicação Científica no PPGCI do Ibict, que formou gerações de mestres e doutores.
A carreira de docente inspirava Lena Vania. Ela foi professora do Mestrado em Educação da UFRJ (2002/2003) e uma das fundadoras e professoras do Mestrado em Memória Social e Documento (1988/1993), da UNIRIO, onde foi professora convidada do primeiro programa em Museologia e Patrimônio (Mestrado e Doutorado) no Brasil.
No PPGCI do Ibict, Lena Vania foi coordenadora da COEPI (1998-2003 e 2014-2019) e atuou como líder nos Grupos de Pesquisa de Comunicação e Divulgação Científicas e no de Teoria, Epistemologia e Interdisciplinaridade da Ciência da Informação, com experiência em tecnologias da informação e da comunicação-TICs, Bibliometria,Informetria (indicadores de C,T&I) e Inteligência Competitiva.
Como professora, Lena Vania realizou mais de 100 orientações entre monografias, dissertações e teses. Ela orientou mestres e doutores na área de Ciência de Informação, que, carinhosamente, se reuniam num grupo apelidado de “GOL - Grupo de Orientandos da Lena”, do qual surgiram várias amizades.
Lena Vania acreditava que um bom orientador deveria entender o assunto da pesquisa e ter uma relação de afeto pelo orientando. Ela se orgulhava da amizade de mais de 40 anos com sua orientadora Gilda Braga. “É muito interessante poder unir o aspecto acadêmico e científico ao afetivo. É fundamental que exista afeto e amizade na caminhada entre orientador e orientando. Fazer pesquisa é uma trajetória árdua e difícil, daí ser importante que nessa caminhada exista afeto, até para superar os momentos mais tensos”, disse Lena, em entrevista ao Ibict.
Como pesquisadora, Lena Vania adorava a experiência da escrita. Antes de escrever artigos, gostava de preparar o ambiente do escritório - acendia um incenso e escutava músicas calmas, um preparativo, segundo ela, “para uma meditação”. A experiência de fazer ciência também era uma forma de arte para a professora, tema que a fascinou durante toda a vida. “Ser uma pesquisadora é fascinante. É uma descoberta. A ciência pode ser tão criativa quanto a arte, ela só se manifesta de forma diferente. Sempre quis ser escritora. Escrever para mim é um prazer imenso. Quando você produz pesquisa, também é uma escritora. Amo estudar e dar aula, faço tudo com muita paixão”.
Texto: Carolina Cunha