Notícias
Entrevista: Cecília Leite, diretora do Ibict
Em seu último período de gestão, após dois mandatos consecutivos, Cecília Leite, diretora do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), reflete sobre o ano de 2022 e pontua sobre o legado de sua trajetória e as expectativas sobre a atuação do instituto.
Como a diretora avalia o ano de 2022 para o Ibict? Quais foram os principais destaques da instituição?
Cecília Leite: O ano de 2022 teve eventos importantes como a Copa do Mundo e as eleições nacionais, fatos que impactaram todos os órgãos do governo. Mas 2022 foi muito positivo para o Ibict. Fechamos o ano conquistando 11 prêmios em diferentes áreas. Por exemplo, o Ibict ganhou dois prêmios de Modernização do Estado, pelo desenvolvimento do Sistema Aberto de Observatórios para Visualização de Informações (VISÃO) e pelo desenvolvimento do modelo de preservação digital Hipátia. Atualmente, o Hipátia é adotado pelo Sistema Judiciário brasileiro. Tivemos também a adoção pela ONU Meio Ambiente, de um software desenvolvido pelo Ibict em parceria com UTFPR para para Avaliação do Ciclo de Vida (ACV). A ONU nos comunicou oficialmente que esse será o software utilizado a partir de agora em sua plataforma mundial. Então, isso é um ganho muito grande. Tivemos também uma grande conquista no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, desenvolvido pelo Ibict em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 2022, a nota do programa subiu de quatro para seis na Avaliação Trienal da Capes. Isso é um grande feito porque é muito difícil conseguir pular etapas no processo de avaliação, o que reflete a nossa excelência em cursos de Mestrado e Doutorado. Então, foi um ano em que conseguimos resultados incríveis.
Quais são as perspectivas para 2023?
Cecília Leite: Estou no fim da minha gestão como diretora. Até que isso se consolide, o que posso dizer é que temos perspectivas muito positivas. A partir do que a gente já avançou, vamos continuar a melhoria da infraestrutura informacional do Brasil, especialmente da área governamental para que o País possa se desenvolver. O Ibict nasceu com foco na informação bibliográfica. A partir de novas tecnologias, passou a atuar em diversos temas para atender a novas demandas informacionais, como por exemplo, a Ciência Aberta. A informação é transversal a todas as áreas de conhecimento. Nós vamos continuar na vanguarda e continuar a trabalhar novos temas da atualidade, como a acessibilidade em documentos, a preservação digital e a informação para a sustentabilidade. Estamos otimistas com relação às perspectivas do que a gente já andou até aqui e com afinidade com as propostas deste novo governo, que vai conduzir os rumos do Brasil nos próximos quatro anos. Estamos convictos de que seremos capazes de continuar caminhando para cumprir a nossa missão. Buscamos ir além da pesquisa, queremos trabalhar com impacto e contribuir realmente para melhorar a qualidade de vida do brasileiro.
Em relação a crescimento e recursos, como está o cenário?
Cecília Leite: Em 2021, tivemos um orçamento institucional de 8 milhões. Tivemos um acréscimo em 2022 e fomos para 14 milhões neste ano. Já foi um grande avanço, mas mesmo assim, não daria para cobrir todas as nossas atividades, demandas e despesas. Mas, nos últimos anos, desenvolvemos uma capacidade de captar recursos e de trabalhar em rede. Passamos a desenvolver pesquisas e produtos para órgãos públicos e para a iniciativa privada. Então, são projetos que têm que estar afinados com a nossa missão, e ao mesmo tempo este desenvolvimento fica para a casa e serve para outros projetos. Dessa maneira, nós conseguimos desenvolver soluções e investir em pesquisa. Em 2021, a gente tinha apenas R$ 29 mil do orçamento para investir em pesquisa, era praticamente um orçamento que já não existia mais. Ano passado a rubrica já aumentou um pouco mais - investimos 10 vezes o valor previsto, exatamente porque criamos uma infraestrutura de gestão que pudesse trabalhar desta maneira. Com a captação de recursos próprios, hoje temos mais de trinta projetos ativos que quadruplicam o valor do nosso orçamento e tudo isso é investido na casa e em desenvolvimento. Tudo que fazemos em tecnologia é de acesso livre, feito em software livre, não se cobra nada. Em toda a nossa capacidade de resolver problemas que chegam através da demanda de um parceiro, os resultados ficam como um legado para a sociedade. Atualmente, o Ibict tem menos de cem servidores, mas a instituição possui mais de trezentos e cinquenta colaboradores que atuam em diversas pesquisas e projetos. Estou no Ibict há dezessete anos e temos visto o quanto esta retroalimentação se amplia, a gente cria metodologias, pesquisas e processos que se multiplicam para outros atores e assim, os resultados podem ser divididos para toda a sociedade.
Outro marco da gestão foi o aumento de recursos através de uma mudança de visão orientada a projetos. Como aconteceu esse impulso?
Cecília Leite: Sim, antes o Ibict vivia apenas do orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O Instituto tinha suas próprias metas e recebia um recurso do ministério para se manter com aquele orçamento. Minha meta era aumentar a receita extraorçamentária, porque o orçamento, realmente nós não tínhamos governança sobre ele. Não só tivemos que mudar por questões financeiras, porque o orçamento foi cortado e diminuiu ao longo dos anos, mas porque o próprio tempo e contexto exigia. Passamos a pensar no desenvolvimento de soluções. Com o tempo, passamos a ser procurados para apoiar na solução de demandas para as mais diversas áreas. Nós já não podemos mais ficar presos a um quadrado que foi definido há vinte, trinta anos atrás. Hoje, os muros foram derrubados. A interação do trabalho interno com o externo está maior. Passamos a valorizar mais o trabalho em redes de cooperação. Hoje, entendemos que o conhecimento é uno. Que ninguém desenvolve algo sozinho ou isolado,ou é dono de todo um processo. É como a ciência. Cada um desenvolve em cima do que já foi desenvolvido por outro, isso é o que faz o conhecimento avançar. Então quanto mais gente trabalhar e colaborar com você,melhor será o seu trabalho. Cada pessoa será responsável pelo pedaço que fez e acima de tudo, pela sua capacidade de interagir, de trabalhar junto, de pensar no outro, que é a razão final de qualquer trabalho. Para que a ciência avança? Para melhorar a vida das pessoas. Acho que isso é algo que está sendo muito melhor compreendido. Isso faz com que a gente esteja em outros tempos mesmo. Então, passamos por grandes mudanças, como a transformação digital. A juventude já não é a mesma, a diferença é muito maior do que nas gerações passadas. A tecnologia possibilitou coisas antes inimagináveis. Eu diria que a internet é o espírito do físico, está em todo lugar. E a informação é a sua grande razão de ser. A gente viu aí que informação pode derrubar, levantar e manipular. Mas também pode gerar progresso, bem-estar e felicidade. É nisso que acredito.
O MCTI busca cada vez mais valorizar temas da inclusão social e diversidade na ciência e tecnologia. Como o Ibict trabalha essas questões?
Cecília Leite: A informação é um direito de todos. Nós temos projetos das mais diversas naturezas. Temos projetos voltados para a questão da violência contra a mulher, por exemplo. No passado, já trabalhamos com a inclusão digital em comunidades indígenas. A informação pode melhorar a comunicação, a saúde e a qualidade de vida de todos os segmentos da sociedade. A riqueza cultural da América Latina vem exatamente da nossa diversidade. Aqui no Ibict, a gente não só respeita, mas valoriza a diversidade. Dentro dessa mesma linha, a gente tem trabalhado muito com a metodologia de ciência cidadã, onde o cidadão faz parte da pesquisa. Em 2022, por exemplo, desenvolvemos o Civis, uma plataforma com iniciativas, recursos e outros conteúdos de ciência cidadã. Um exemplo de projeto é a pesquisa que fizemos no Pantanal para obter informações para recuperação, conservação e proteção de nascentes. Nesse projeto, o próprio cidadão passou a ser parte integrante da pesquisa e a coletar os dados. Isso é muito interessante, porque desmistifica a questão da prática da pesquisa ser distante do cidadão comum. Os saberes que estão na ponta, os pesquisadores muitas vezes desconhecem. Essa integração é muito rica, quando você é parte integrante de um processo, você assume e se apodera.
Estamos no fim da sua gestão e em processo de escolha de um próximo diretor. Como está esse momento?
Cecília Leite: Nós seguimos um processo de escolha do próximo diretor, trata-se de um concurso feito através de um comitê de busca que já foi realizado no ano passado e está sob a responsabilidade do MCTI. Desse processo, sai uma lista tríplice e o ministro escolhe a partir da lista. Esse processo aconteceu, mas acredito que por causa da mudança de governo, ainda não houve a divulgação de um novo diretor e a minha exoneração. Enquanto isso eu aguardo e sigo trabalhando. Eu sou servidora de carreira da Embrapa. A rigor, eu posso voltar para a Embrapa, ou posso ser cedida a outro órgão.
Como a diretora avalia este momento de saída? Depois de oito anos à frente do instituto, qual é o sentimento que fica?
Cecília Leite: Apesar de lidar diretamente com Ciência e Tecnologia no dia a dia, eu acho que tudo isso está debaixo de um grande guarda-chuva que vai além do técnico. Vai para o humano. Vai para o cósmico. Vai para o espiritual. E a primeira coisa que eu agradeço é ao universo, aquele que eu chamo de Deus, o Grande Criador, pela oportunidade e pela presença neste meu caminhar. Realmente foi um trabalho que me deu muito prazer, eu não diria que foi simples, foi muito trabalhoso, mas me deu a oportunidade de crescer muito. Foi uma experiência de gestão onde eu me encontrei. Eu acho que tenho algum dom para isso e eu pude desenvolver neste trabalho. Então, eu sou muito grata a todos que fazem o Ibict. Eu diria que a gente conseguiu fazer do Ibict uma grande sinfonia, onde cada naipe de instrumentos afinou bem, as coisas aconteceram e a gente pode orquestrar uma bela música. Então, eu sou muito grata a todos. Muito grata à minha família, porque eu sacrifiquei bastante o tempo com eles, isso faz parte. Então, acima de tudo, eu estou saindo muito feliz, porque estou contente com o que estou deixando. Contente com tanta gente parceira, não só internamente, mas externamente, por ter conseguido com esse grupo, retomar a posição relevante que o Ibict tem enquanto instituição de pesquisa para o Brasil, mas também para o mundo. Então, eu saio daqui absolutamente feliz e tranquila, animada por um novo tempo, uma nova missão, um novo trabalho. Porque trabalho é algo que dignifica e eu sou adepta dessa filosofia e sei como é curador você ser feliz no trabalho. Então, eu só tenho que agradecer mesmo.
Você acha que contribuiu para alguma mudança de cultura no Ibict?
Cecília Leite: Sendo muito honesta, acredito que sim. Porque dá para perceber que houve uma mudança de cultura organizacional na instituição. Para mim, esse é um dos maiores troféus que estou levando. Penso que identificar um bom profissional com conhecimento técnico não é o mais difícil. O mais difícil é você lidar com o ser humano que sustenta esse técnico. Eu busquei uma gestão humanizada. Às vezes você tem um excelente especialista, mas é uma pessoa tão amarga, tão complexa ou complicada que é melhor você ter lideranças que possam interagir e fazer a coisa acontecer junto, do que uma estrela que não se harmonize na sua constelação. Então, eu acho que houve sim uma mudança de cultura na casa, acho que isso não é só meu trabalho, mas foi a forma como todo mundo foi recebendo, como as coisas foram acontecendo. Na medida em que as pessoas viam o trabalho sendo reconhecido e produzindo resultados, isso melhora a autoestima de cada um e faz com que a pessoa pense de forma diferente. Antes a gente tinha muita dificuldade de fazer reuniões, pois nem todas as equipes dialogavam, havia conflitos. Hoje sentamos todos na mesma mesa, temos profissionais que se respeitam, interagem e que trabalham cooperativamente. Todos sabem quais são os projetos que existem e o que o outro está fazendo. Todos interagem para maximizar o esforço coletivo. Então, houve uma mudança de cultura e eu diria que foi benéfica, sou muito grata por isso.
Como você imagina o futuro do Ibict?
Cecília Leite: Hoje vemos o Ibict na vanguarda, testando novas tecnologias. Eu imagino o instituto já em outro patamar, crescendo muito e focado na inovação. Antes era muito difícil explicar o que faz um instituto da informação. Hoje é mais fácil, pois as pessoas já têm noção da importância da informação, que está presente em qualquer processo. A informação passou a fazer parte não só da agenda, mas da vida de todos de maneiras diferenciadas. O Ibict possui um papel estratégico na estruturação da informação governamental e de grandes bases de dados. Grande parte dos órgãos do governo já entenderam quem somos e como podemos colaborar como parceiros para criar soluções e resolver demandas sob medida. Também apoiamos a sociedade e o setor produtivo. Cada cidadão precisa entender o quanto a informação é importante. A falta de organização e gestão da informação pode gerar sérios problemas em processos de políticas públicas, por exemplo. Eu espero que o Ibict continue a crescer para contribuir não apenas para o desenvolvimento do Brasil, mas também para o mundo, de uma maneira cada vez mais consciente e com mais investimentos, para que ele possa desenvolver todo o seu potencial. Então, acho que o futuro é brilhante.